Na última quarta-feira, dia 23 de março, tive a oportunidade de participar da sétima edição do Festival de Música Contemporânea Brasileira (FMCB), que acontece em Campinas desde 2014.
O evento tem algumas particularidades em relação a qualquer outro do cenário nacional, e não apenas por ser exclusivamente dedicado a compositores vivos, mas, sim, porque não separa a música erudita da popular, ao mesmo tempo em que une a difusão artística ao trabalho de pesquisa acadêmico.
A cada edição, dois compositores são homenageados. A convite da organização do FMCB, fui chamada justamente para mediar um bate-papo entre os nomes desse ano: Liduino Pitombeira e João Donato. Homenagens, aliás, que deveriam ter acontecido em 2020, quando o festival foi cancelado uma semana antes de sua realização, por conta da pandemia. No palco do Teatro Municipal Castro Mendes, estive entre Pitombeira e Donato, para conduzir uma conversa que procurou, ao mesmo tempo em que abordava a obra de cada um, encontrar pontos de convergência em seus fazeres musicais.
Aos 87 anos, o acreano João Donato é um dos maiores nomes da música popular brasileira. Parceiro de João Gilberto já em 1958, no nascer da Bossa Nova, tocou com os maiores nomes do jazz norte-americano ao mesmo tempo em que construiu um notável catálogo de obras instrumentais e de canções. Aos 60 anos, o cearense Liduino Pitombeira é um dos grandes nomes da composição erudita nacional. Professor da UFRJ, tem uma obra premiada internacionalmente e que se destaca por ser rigorosa e inventiva, ao mesmo tempo em que não abre mão da comunicação.
O papo abordou a influência da cultura brasileira nas composições de cada um, o equilíbrio entre a “inspiração” e a necessidade material como motor da criação, e o período pandêmico na vida de ambos. A conversa foi entremeada por música, com o violoncelista Lars Hoefs e o Unicamp Cello Ensemble interpretando algumas das obras da série Brazilian Landscapes, de Pitombeira, e arranjos de canções de João Donato.
A idealização e direção do Festival de Música Contemporânea Brasileira é da pianista Thais Nicolau, e o evento nasceu de um desejo de difusão de um trabalho acadêmico. Thais acabava de concluir doutorado sobre obras para piano e orquestra de Villani-Côrtes e queria realizar alguns concertos. Juntou-se a uma colega que terminava um mestrado na Unicamp sobre a obra de Ricardo Tacuchian, organizaram apresentações musicais e abriram chamadas para apresentação de trabalhos acadêmicos sobre os dois autores. Nascia assim o FMCB que, na edição seguinte, homenageou Edino Krieger e Gilberto Mendes.
A partir da terceira edição, que teve como destaque Paulo Costa Lima e Ronaldo Miranda, o festival foi se orientando rumo à profissionalização, bem como a um modelo híbrido. Passou a haver captação de recursos via leis de incentivo, e ao formato básico – pequenos concertos e um congresso de apresentação de trabalhos – somou-se a eventos voltados a um público maior, em espaços que ultrapassavam os muros da universidade, bem como a inclusão de artistas da música popular.
Thais diz que a partir daí entendeu a importância da interação da comunidade local com a academia. “Levar o que está sendo trabalhado dentro da universidade para fora e trazer a comunidade para dentro das atividades acadêmicas é o que permeia nosso trabalho”, explica. “E como a Unicamp foi uma das primeiras universidades a ter esse híbrido de cursos de bacharelado erudito e popular, nossa proposta casava com essa orientação, de abordar outras músicas que não só a erudita, de trazer figuras que são importantíssimas para o desenvolvimento da música brasileira.”
A quarta edição marcou a entrada do universo popular, com Hermeto Pascoal ao lado de Edson Zampronha. Em 2018, foi a vez de Egberto Gismonti e Marisa Rezende, e a última edição antes da pandemia, em 2019, juntou Guinga a Ernani Aguiar. A parte acadêmica acontece no auditório do Instituto de Artes da Unicamp em dois dias inteiros, cada um voltado a apresentação de trabalhos e pequenos recitais dedicado a um dos compositores homenageados. À noite, concertos exploram obras dos mesmos compositores em outros espaços da cidade, como o auditório da CPFL e o Teatro Cândido Mendes, e atraem um público variado que, em noites como a que pude presenciar, acorre sobretudo para conferir o artista popular, mas é apresentado também ao universo da música de concerto sem nenhuma formalidade.
Um legado da pandemia que Thais acredita que será permanente é o das transmissões ao vivo. Neste ano, todas as trações podem ser conferidas no canal de YouTube do Grupo Sintonize, responsável pelo evento. Com duração de cinco dias, a sétima edição do FMCB se encerra neste sábado, 26, com a Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas sob regência de Ricardo Bologna. Os compositores da próxima edição ainda não estão definidos, mas Thais adianta que pretende abrir mais espaço para as mulheres, já que até hoje apenas uma única compositora foi homenageada.
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