Schumann por Mathias Goerne e Leif Ove Andsnes; o Bach gravado por Olivier Latry na Catedral de Notre Dame; parcerias entre Gautier Capuçon, Martha Argerich e Bernard Haitink; o novo disco do pianista Paul Lewis; o novo projeto da pianista Sonia Rubinsky dedicado a Bach; Henrique Oswald por José Eduardo Martins: conheça a seleção dos principais lançamentos de CDs do mês preparada pela Revista CONCERTO.
SCHUMANN: LIEDERKREIS & KERNERLIEDER
Matthias Goerne – barítono / Leif Ove Andsnes – piano
Lançamento Harmonia Mundi. Importado. R$ 149,20
As canções foram, para Schumann, um gênero musical fundamental – nelas encontramos o retrato de emoções vivenciadas pelo compositor, assim como o carinho com que tratava formas intimistas. Da mesma maneira, é possível dizer que, para o barítono Matthias Goerne, as canções se tornaram companheiras constantes. Ao longo de sua carreira, ela já gravou todos os lieder de Schubert e Schumann, com grandes acompanhadores ao piano, como Alfred Brendel, Christoph Eschenbach e Leif Ove Andsnes, a quem se une neste novo registro do Liederkreis e dos Kernerlieder. Os dois ciclos foram escritos em 1840, ano em que Schumann entra em desespero provocado pela separação de Clara, impedida pelo pai de ver o compositor. São canções que evocam alguns dos principais temas do romantismo, como a natureza, o amor, a intensidade de emoções, sempre com contrastes marcantes e um jogo sofisticado de significados na relação entre texto e música. Um jogo que um intérprete como Goerne, com uma voz de ricos coloridos, pode explorar com maestria, ainda mais quando acompanhado de um pianista conhecido justamente pela sensibilidade na recriação do grande repertório.
ARAM & KAREN KHACHATURIAN
Música para violino e piano
Ruben Kosemyan – violino / Natalya Mnatsakanyan – piano
Lançamento Brilliant Classics. Importado. R$ 70,90
Coloridos extremos, sonoridades exóticas, virtuosismo, ritmos pouco usuais, um senso de improvisação. Todas essas características já foram utilizadas para definir a obra do compositor armênio Aram Khachaturian, uma das principais e acessíveis vozes da música do século XX. E todas elas estão presentes no disco gravado por dois importantes músicos que iniciam trajetórias internacionais: o violinista Ruben Kosemyan e a pianista Natalya Mnatsakanyan. Em Dança do sabre, por exemplo, parte do balé Gayane, ele explora o movimento dos bailarinos como ponto de partida para a música; no Adagio, extraído do balé Spartacaus, há um lirismo comovente na descrição do amor de Spartacus por Phrygia; no Lullaby, também de Gayanne, ele utiliza elementos do folclore armênio. O disco se completa com a Sonata para violino e piano de Karen Khachaturian, sobrinho do compositor. Ele foi um nome importante para a cena musical da Armênia. E essa bela interpretação permite o contato com uma obra pouco conhecida, mas fascinante, que explora a sonoridade dos instrumentos de maneira rica e repleta de coloridos – algo que o tio talvez tenha lhe ensinado.
BACH TO THE FUTURE
Olivier Latry – órgão
Lançamento La Dolce Volta. Importado. R$ 111,20
Uma das notícias sobre o recente incêndio que destruiu parte da Notre-Dame em Paris trouxe certo alívio em meio à tragédia: o órgão da catedral se manteve preservado. Pois foi nesse instrumento que Olivier Latry gravou este álbum inteiramente dedicado à música de Bach, com peças como Tocata e fuga em ré menor, o coral Herzlich tut mich verlangen, Fantasia em sol menor e Passacalha e fuga BWV 582. O título do álbum, de cara, propõe uma ponte entre épocas, pensando Bach à luz de nosso tempo e do futuro. E o próprio Latry explica, em uma interessante entrevista no encarte do CD, o que pretendeu ao realizar a gravação. “Comparemos a interpretação musical a uma forma geométrica. Uma performance que se apresenta como autêntica significaria que, em cada canto de um triângulo, teremos um parâmetro: o compositor, a música e o instrumento. Ao modificar um desses parâmetros, como o intérprete e o órgão, necessariamente mudamos o centro de gravidade. Tocar Bach nesse contexto, então, implica encontrar um novo balanço para preservar o espírito e a partitura da música, que não podem ser dissociados.” É um ponto de partida estimulante para um álbum que se ouve a cada instante com uma sensação de surpresa e encanto.
SCHUMANN
Gautier Capuçon – violoncelo / Martha Argerich – piano / Renaud Capuçon – violino
Orquestra de Câmara da Europa / Bernard Haitink – regente
Lançamento Erato. Importado. R$ 93,30
Este disco propõe um encontro brilhante de gerações. De um lado, dois nomes fundamentais da nova geração, os irmãos Gautier Capuçon (violoncelo) e Renaud Capuçon (violino); de outro, o lendário maestro Bernard Haitink e a lendária (é preciso repetir o adjetivo) pianista Martha Argerich. Gautier, Haitink e a Orquestra de Câmara da Europa (grupo criado por Claudio Abbado) interpretam o Concerto para violoncelo, pilar do repertório do instrumento, obra transcendental de Schumann. Em seguida, entramos no universo da música de câmara, com obras de caráter mais leve. Primeiro, com o Adagio e alegro op. 70 e Peças de fantasia op. 73 (originalmente para piano e oboé), em que violoncelo e piano se combinam em um diálogo estimulante; e, em seguida, Gautier e Argerich interpretam as Cinco peças em estilo popular. Para encerrar o álbum, Peças de fantasia op. 88, em que Renaud se une ao irmão e à pianista em uma partitura delicada, desprovida, segundo o próprio Schumann, de grandes conflitos e com uma leveza que relembra os trios de Haydn. Um disco essencial.
WEBER & SCHUBERT: SONATAS
Paul Lewis – piano
Lançamento Harmonia Mundi. Importado. R$ 136,50
Depois de acompanhar o pianista Paul Lewis gravar todas as sonatas e os concertos para piano de Beethoven, o mundo musical esperou ansioso: o que viria depois? Ele, então, gravou os dois concertos para piano de Brahms, em registros de referência, que deixaram o público mais uma vez curioso a respeito de seu próximo passo. Em entrevista à Revista CONCERTO publicada em 2016, explicou que talvez fosse hora de dar um tempo em ciclos completos, dedicando-se a conexões entre compositores capazes de jogar luz sobre períodos da história da música e também sobre a personalidade dos autores. Pois é isso que ele faz neste novo CD, em que une a Sonata nº 2 de Carl Maria von Weber à Sonata D 575 de Schubert. São obras da juventude de dois músicos que, no começo do romantismo, ditavam caminhos que seriam seguidos pelas gerações futuras, Weber na ópera, Schubert nas canções. Talvez por isso não seja exagero dizer que as obras carregam um sentido dramático interessante – ou ao menos é isso que nos mostra Paul Lewis, que, com o tempo, leva a novos patamares a qualidade de interpretações que, fieis à partitura, fazem delas o ponto de partida para um mundo pleno de imaginação.
BACH: MAGNA SEQUENTIAE I
Sonia Rubinsky – piano
Lançamento Naxos. Importado. Preço a definir
Depois de gravar a obra para piano solo completa de Villa-Lobos para o selo Naxos, pela qual recebeu prêmios como o Grammy, a pianista brasileira radicada na Europa Sonia Rubinsky inicia com este disco um novo projeto, dedicado à obra de Johann Sebastian Bach. A artista foi além na tentativa de oferecer novas leituras para o compositor: escolheu 19 danças de algumas de suas principais peças, como Suíte francesa e Partitas, e as reuniu em uma suíte imaginária, idealizada por ela, com inteligência e sensibilidade, revelando a variedade de estilos e de ambientes sonoros que são marcas do compositor. O resultado é verdadeiramente fascinante. Por um lado, a pianista leva o ouvinte a perceber como diferentes momentos da carreira de Bach dialogam entre si; por outro, ao retirar pedaços do todo, ela evidencia aspectos inusitados da escrita do compositor, tornados ainda mais interessantes pelo diálogo com outras obras. Tudo isso com extremo cuidado, mesmo em um piano moderno, com o estilo de época.
POULENC
Sonatas com piano
Eva-Maria May – piano / Corinna Desch – violino / Martin Rummel – violoncelo / Johannes Dengler – trompa / Giorgi Gvantseladze – oboé / László Kuti – clarinete
Lançamento Paladino Music. Importado. R$ 103
O compositor Francis Poulenc escreveu certa vez que “minha música é meu retrato”. E descrever esse quadro tem sido um dos focos da carreira da pianista Eva-Maria May, que lança agora o terceiro disco dedicado ao compositor, no qual interpreta algumas das principais obras de câmara dele. Para ela, o aspecto mais fascinante da criação é o modo como revela um mundo interior “genial”, sempre marcado por “uma tensão muitas vezes violenta”, o que em sua opinião o coloca ao lado das duas grandes referências do compositor: Mozart e Ravel. Difícil discordar quando se ouvem peças como Elegia para trompa e piano (com Johannes Dengler) e suas reflexões a respeito da morte; ou Sonata para clarinete e piano (com László Kuti), tomada de paixão; Sonata para oboé e piano (com Giorgi Gvantseladze) e o canto litúrgico que a perpassa; ou Sonata para piano e violoncelo (com Martin Rummel) e sua evocação da música de Beethoven. Pelas mãos de May, Poulenc renasce como compositor que merece ser ouvido cada vez mais pela riqueza e pela diversidade de sua obra.
ESTRELLITA
Elena Urioste – violino / Tom Poster – piano
Lançamento BIS. Importado. R$ 112,10
Peças para piano e violino compõem um repertório fundamental na história da música. É possível, ao se aproximar desse universo, realizar integrais de compositores, propor diálogos entre peça de diferentes autores e épocas, e assim por diante. Elena Urioste e Tom Poster, no momento que resolveram gravar juntos um disco, colocaram-se uma questão: que caminho seguir na escolha das peças? A resposta foi encontrar obras que, de alguma maneira, evocassem a relação de grandes músicos com o violino. Em outras palavras, eles decidiram gravar arranjos de violinistas para peças que de alguma forma os tocaram a ponto de desejar interpretá-las. De Fritz Kreisler, por exemplo, eles registram arranjos para Songs my Mother Taught Me, de Dvorák, e para Melodia, de Gluck. De Jascha Heifetz, arranjos de Beau soir, de Debussy, Estrellita, de Manuel Ponce, e My Man’s Gone Now, de Gershwin (extraído da ópera Porgy and Bess). Poster também assina versões de obras de compositores americanos, como Moon River, de Henry Mancini, e Over the Rainbow, de Harold Arlen. O resultado é um CD com obras conhecidas e envolventes, recriadas por dois intérpretes da nova geração que renovam nossa percepção de um repertório que pertence ao imaginário dos ouvintes de música.
COMPOSITORES DA ESCOLA DE MÚSICA DA UFRJ: SÉCULOS XIX E XX
Paula da Matta – piano
Lançamento independente. R$ 33,20
Testemunho da importância da Escola de Música da UFRJ é o fato de que, ao resolver gravar peças de compositores que por ela passaram, a pianista Paula da Matta foi capaz de traçar uma verdadeira história da música brasileira. Formada na França e na Alemanha, e hoje professora da UFRJ, ela inicia o álbum com Noturno nº 1 op. 20 e Valsa improviso op. 28 de Leopoldo Miguez e uma seleção de peças de Henrique Oswald (como Sur la plage), dois nomes representativos do romantismo brasileiro. Em seguida, toca Devaneio nº 1 e Improviso nº 2 de Alberto Nepomuceno, elo entre o século XIX e o século XX e precursor do chamado nacionalismo musical brasileiro, do qual Francisco Mignone, que aparece em seguida com Quatro peças brasileiras, seria um dos principais símbolos. Avançando no tempo, ela encerra o álbum com Estrela brilhante, de Ronaldo Miranda, e Sonata, de João Guilherme Ripper, representantes, segundo define o professor André Cardoso no encarte, da produção contemporânea de viés pós-moderno. São diversos mundos, que ganham vida a partir de interpretações generosas e atentas às especificidades de estilo que cada compositor exige.
O ROMANTISMO DE HENRIQUE OSWALD
José Eduardo Martins – piano / Paul Klinck – violino
Lançamento Selo Sesc. Nacional. R$ 20
Na historiografia da música brasileira há um salto que costuma nos levar de meados do século XIX e Carlos Gomes ao nacionalismo musical encarnado por Villa-Lobos. Essa visão temporal foi dominante por muito tempo, mas tem sido reavaliada nos últimos tempos, com projetos que elegem como foco o elo perdido do romantismo brasileiro, evocando compositores como Henrique Oswald e Alexandre Levy e oferecendo um olhar mais amplo a respeito de Alberto Nepomuceno. Não é exagero dizer que, nesse processo, um pioneiro foi o pianista José Eduardo Martins, com o trabalho desenvolvido na academia e nos palcos com a obra de Oswald. Nos anos 1990, ele gravou a Sonata para violino e piano op. 36 do compositor com o violinista belga Paul Klinck, e esse registro é agora lançado pelo Selo Sesc, acompanhado de uma seleção de peças para piano solo, gravadas em 2015. É um disco precioso pelas peças para piano, território primordial da obra de Oswald, mas também pela sonata, uma obra primorosa, de inspiração romântica e marcada por um enorme contraste entre os movimentos, aqui com uma interpretação que reforça a importância de Martins como intérprete.
Todos os CDs estão disponíveis na Loja CLÁSSICOS (clique aqui)