DOUX SILENCE
Julie Roset – soprano
Lucile Richardot – mezzo soprano
Les Musiciens de Saint-Julien
François Lazarevitch – direção e flauta
Lançamento Alpha. Importado. R$ 162
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A expressão air de cour refere-se a uma forma de composição que surge na França dos anos 1600. Nela, a temática secular é uma das características marcantes, mas não a única. São árias de caráter mais intimista e reservado em comparação à música vocal italiana. E elas provocam fascínio no flautista François Lazarevitch desde o início de sua carreira – as considera “das mais importantes criações da arte francesa”. Natural, portanto, que Lazarevitch dedicasse todo um álbum a elas, interpretando peças de autores como Chabanceau de la Barre (Le digne objet pour qui mon coeur soupire), Honoré d’Ambruis (a tocante Le doux silence de nos bois), Lully (Recueil de plusieurs belles pièces de simphonies) e Bacilly (a bela J’ay mille fois pensé dans ma douce langueur), entre outros. São faixas em que Lazarevitch se une a duas cantoras especializadas na música antiga, Julie Roset e Lucile Richardot, e a solistas e seu conjunto Les Musiciens de Saint-Julien. O diálogo entre eles, tanto quanto esse repertório especial, torna esse um disco sutil e delicado.
FERDINAND RIES
Sinfonias nº 1 e nº 2
Tapiola Sinfonietta
Janne Nisonen – regente
Lançamento Ondine. Importado. R$ 132
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A relativa demora de Beethoven em escrever sua primeira sinfonia costuma ser atribuída à hesitação perante a herança deixada por Haydn e Mozart. No caso de Ferdinand Ries, que escreveu sua Sinfonia nº 1 com quase 30 anos, além dos dois mestres, ainda havia, como influência incontornável, Beethoven, de quem foi aluno e primeiro biógrafo. Foi durante um período em Londres que ele escreveu cinco das oito obras do gênero. E as duas primeiras abrem o ciclo que a orquestra finlandesa Tapiola Sinfonietta vai dedicar às obras, sob regência de seu spalla e regente, o também finlandês Janne Nisonen. A crítica tem celebrado o álbum por causa de uma interpretação “eletrizante, que nos faz definir como criminoso o modo como foi negligenciado e subestimado esse autor do fim do classicismo”. É preciso o comentário, exatamente por chamar atenção ao modo como Ries se une a um grupo de autores – Beethoven entre eles – que nos permite compreender um momento-chave da história da música: o da passagem do classicismo para o romantismo e a mudança de sensibilidade que o período carrega, cambiando nossa percepção do que é a arte.
FOLK TALES 2
British and Irish Miniatures
Gerald Peregrine – violoncelo
Antony Ingham – piano
Lynda O’Connor – violino
Lançamento Naxos. Importado. R$ 103
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O violoncelista Gerald Peregrine nasceu no interior da Irlanda. Cresceu em meio a uma família de músicos, ouvindo canções folclóricas da região, as quais fizeram, assim, parte de sua formação musical. Há alguns anos, gravou algumas delas no disco Folk Tales, que agora ganha continuação, mantendo o mesmo princípio: registrar as peças em releituras de compositores do século XX, como Frank Bridge (autor de Berceuse, Serenade e Elegie), Benjamin Britten (Salut d’amour), Rebecca Clarke (I’ll Bid my Heart Be Still) ou Ralph Vaughan Williams (How Can the Three but Wither). Em uma entrevista, Peregrine conta que o desejo de um segundo disco para a série nasceu durante a pandemia, quando ele e outros músicos fizeram dezenas de recitais em hospitais e outros espaços, com a crença de que a música levaria conforto às pessoas em momento tão difícil. É possível dizer que o caráter delicado e profundo das leituras das peças está relacionado ao impacto que o contexto teve no desenvolvimento da interpretação? Peregrine, que aqui toca ao lado do pianista Antony Ingham e da violinista Lynda O’Connor, diz acreditar que sim.
SCHUMANN – CLARKE
Trios com piano
Miriam Rigamonti – piano
Mariella Rigamonti – violino
Emanuele Rigamonti – violoncelo
Lançamento Brilliant Classics. Importado. R$ 119,50
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Ao mesmo tempo que estudavam seus instrumentos, Miriam, Mariella e Emanuele Rigamonti desenvolveram uma paixão pela música de câmara. Formaram, então, um trio, com o qual em 2022 estiveram entre os vencedores do Concurso Ysaye, na Bélgica, e do Concurso Rubinstein, na Alemanha. E os irmãos nutrem outro interesse comum: abordar repertórios pouco conhecidos. É o que fazem neste disco. Se a obra de Clara Schumann tem sido objeto de resgate, não há dúvida de que é preciso que cada vez mais registros sejam feitos para iluminar a riqueza de peças como o Trio dos anos 1840, em que impressiona a clareza que extrai do contato entre piano, violino e violoncelo. O caso da compositora Rebecca Clarke é diferente: apenas muito recentemente ela vem sendo descoberta. Nascida na Inglaterra, em 1886, viveu até 1979 e foi uma grande virtuose da viola. Seu trabalho como autora, porém, ficou esquecido, e muitas de suas peças ainda não foram editadas. Algo que precisa ser feito: basta ouvir o intenso caráter do Trio, de um lirismo que não teme assumir cores mais dramáticas quando necessário.
MIRRORS OF TIME
Tribute Reflections
Ancient Music Inspires Spanish Composers of Our Time
Diego Fernández Magdaleno – piano
Hespèrion XXI / La Capella Real de Catalunya
Jordi Savall – regente
Lançamento Alia Vox. Importado. 2 CDs. R$ 200
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Estamos acostumados a associar o nome de Jordi Savall ao repertório do passado – e, de fato, a música antiga tem sido o território primordial de sua atuação, assim como dos grupos que criou, Hespèrion XXI e La Capella Real de Catalunya. Mas o olhar para o contemporâneo sempre esteve presente em sua jornada, com a interpretação do repertório antigo à luz de questões políticas atuais. Agora ele dá um passo adiante. Em mais um disco de premissa estimulante, o que é redundância quando se fala em seu trabalho, reuniu em um álbum duplo algumas de suas principais gravações com peças de compositores espanhóis atuais, interpretadas pelo pianista Diego Fernández Magdaleno, em diálogos dos mais interessantes. É difícil escolher destaques em meio a repertório tão bem pensado, mas são particularmente ricas a reinterpretação feita por Teresa Catalán de Tiento III de Antonio de Cabezón; a releitura de Troisième Leçon de Ténèbres de François Couperin por Francisco García Álvarez, que com ela homenageia a soprano Montserrat Figueras; e a dupla formada por Tombeau pour Mr. de Sainte Colombe, de Marin Marais, e Pour le Tombeau de Wilde, de Josep Soler.
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TEUTO BRASILEIRO
Obras contemporâneas para trompete solo com orquestra sinfônica e grupos de câmara
Paulo Ronqui – trompete
Orquestra Sinfônica da Unicamp
Knut Andreas – regente
Grupo Metallumfonia
Lançamento independente. Disponível por streaming
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De um lado, os brasileiros Raul do Valle e Denise Garcia; de outro, os alemães Gisbert Näther e Frank Petzold. A uni-los, o trabalho do trompetista Paulo Ronqui, professor do Instituto de Artes da Unicamp que atuou em orquestras como a Sinfônica Municipal de Campinas, e gravou, em Teuto brasileiro, obras dos autores. O álbum estabelece diálogos importantes. Há, claro, a aproximação de culturas, já presente no título da gravação, feita por meio do ato de criação musical. Mas há também as múltiplas conexões que as partituras estabelecem entre épocas e culturas. O resultado é um panorama da criação musical contemporânea e, em especial, o que ela estabelece em termos de possibilidades expressivas para o trompete como instrumento solista. Ronqui conta aqui com a participação do maestro Knut Andreas, acompanhador cuidadoso à frente da Orquestra Sinfônica da Unicamp, e com o Grupo Metallumfonia, formado por músicos da universidade e da Sinfônica de Campinas.
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MENDELSSOHN
Quartetos nº 4, nº 5 e nº 6
Quarteto Carlos Gomes
Lançamento Azul Music. Disponível por streaming
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Cláudio Cruz (violino), Adonhiran Reis (violino), Gabriel Marin (viola) e Alceu Reis (violoncelo) estão entre os principais nomes da música brasileira e o DNA dos quatro está permeado pelo interesse no repertório de câmara. No momento em que formaram o Quarteto Carlos Gomes, eles deram início a uma série de projetos que já estão entre os principais dos últimos anos, como o registro das obras de Menelau de Campos, Alexandre Levy e Glauco Velásquez. Mas eles têm se dedicado também aos chamados pilares do repertório tradicional e concluem com esse novo álbum a gravação dos seis quartetos de cordas de Mendelssohn. O primeiro volume, lançado no ano passado, quando tocaram as peças no palco, na Sala Cecília Meireles, jogava luz sobre a juventude do autor, sua ligação com o classicismo de Mozart e, ao mesmo tempo, a descoberta de uma personalidade musical bastante própria. Agora, a leitura dos três últimos quartetos dá seguimento a essa história, que culmina com a ousadia harmônica do Quarteto nº 6, escrito dois meses antes da morte do autor. A obra é associada a um tom muitas vezes dramático, fruto talvez de episódios como o falecimento de Fanny Mendelssohn e a paixão proibida pela soprano Jenny Lind.
CD DIGITAL
RACHMANINOV
Sonata para violoncelo – Romances
Raïff Dantas Barreto – violoncelo
Anastasiya Evsina – piano
Lançamento Azul Music. Disponível por streaming
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A Sonata para violoncelo é a peça de música de câmara mais famosa de Rachmaninov – e não por acaso. Ela é como uma janela através da qual podemos observar o mundo interior do compositor, em um momento de dificuldades. A peça nasce após o fracasso da Sinfonia nº 1, que quase o fez abandonar a composição, e do sucesso absoluto do Concerto para piano e orquestra nº 2. E a montanha-russa emocional desses dois episódios está presente na sonata. Como disse o violoncelista Steven Isserlis: “Certamente não é exagero ouvir um eco daquele momento nas lutas do primeiro movimento; na noite escura do Scherzo; e na alegria ardente do Finale”. Para que isso se evidencie, é preciso intérpretes atentos a esse universo muitas vezes contrastante, e o violoncelista Raïff Dantas Barreto, chefe de naipe da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, e a pianista russa radicada em Brasília Anastasiya Evsina, se mostram à altura do desafio. O disco traz, ainda, nas versões para piano e violoncelo de alguns dos mais famosos romances do compositor russo, outro talento de Dantas Barreto: o de arranjador.
CD DIGITAL
SAMBANDO
Obras de Gabriel de Paula Machado
Olga Kopylova – piano
Lançamento Azul Music. Disponível por streaming
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A influência filial foi decisiva na vida de Gabriel de Paula Machado. Sua mãe era pianista; seu pai, farmacêutico. E ele enveredou pelos dois caminhos: pela composição, atuando também como professor de piano, ao mesmo tempo que se formou farmacêutico bioquímico. Sua obra é marcada pela criação de valsas, mazurcas, noturnos, barcarolas e prelúdios. “Mas ele confere distinção aos modelos clássicos, seja recriando a estrutura convencional das peças, seja incorporando elementos inovadores que ampliam seus formatos”, diz a pianista Olga Kopylova, que registrou uma série de obras do autor em sua mais recente gravação. Os dois se conheceram durante uma visita da artista a Ponta Grossa, terra do autor, para um recital. E mantiveram o contato, que resultou nesse álbum. A avaliação de Olga Kopylova é certeira. E há outro aspecto a ressaltar no trabalho de Paula Machado: o interesse em elementos brasileiros e na liberdade do intérprete. Isso fica particularmente evidente em sua Valsa triste, na qual ele permite à pianista momentos de improvisação, os quais Kopylova aproveita com páthos. Um álbum de descobertas.
DEDICATÓRIA
Paulo Martelli – violão
Lançamento independente. Nacional. R$ 36
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Se o interesse do violonista Paulo Martelli no repertório brasileiro não é novo, é sempre estimulante ouvir como ele ganha novas formas à medida que projetos do artista são lançados. Neste Dedicatória, não é diferente. Ele nos oferece leituras de peças como Cateretê e jongo, de Sergio Assad; Choro noturno, de Guilherme Girardi; Refúgio nº 1, de Thiago Colombo; e Cumprimentando, de Geraldo Ribeiro. São obras que dialogam com a cultura brasileira e ganham interpretações repletas de verve e delicadeza, sem paradoxos. E há outro aspecto a ser considerado, como aponta o violonista Humberto Amorim no texto do encarte: “Além da brasilidade do repertório e das interpretações irretocáveis, o disco é marcado pelo fato de que todas as peças foram dedicadas a Martelli que, por sua vez, dedica a gravação a Sergio Abreu. Isso não faz do projeto algo autorreferente, pelo contrário. No diálogo entre autores e intérpretes, especialmente íntimo quando os primeiros escrevem pensando nos segundos, há toda uma faceta da música brasileira que se revela – e reforça o violão como instrumento fundamental na compreensão de nossa cultura musical”.
HISTÓRIA CONCISA DA MÚSICA CLÁSSICA
De Paul Griffiths
Editora Quina. 400 páginas. R$ 76.
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“A música é feita de tempo, pode viajar nele. E, como não conseguimos ver nem pegar a música, apenas ouvir, ela nos atinge com seu passado de maneira imediata e única. Coisas que vemos ou pegamos estão necessariamente fora de nós: a música, no entanto, parece acontecer dentro da nossa cabeça. Ela está bem aqui em nós, mas, simultaneamente, está lá atrás, no passado em que foi feita.” Trechos como esse exemplificam o tom que o musicólogo Paul Griffiths dá ao livro História concisa da música clássica. A obra serve de excelente introdução para a história da música, em um panorama que ajuda a estabelecer relações entre diferentes períodos e autores. Traz também reflexões sobre a essência da relação do ouvinte com a música e sobre a percepção que temos do repertório. “Se a história pode mudar uma vez, por que não poderia mudar novamente? E, se a história pode de fato mudar, o que seria, afinal, a história? Poderia ser apenas uma narrativa sobre o passado, uma narrativa que, embora permanecesse fiel aos fatos, perderia gradualmente sua relevância à medida que o tempo passasse e as condições históricas se alterassem. O passado não é um caminho que nós e nossos antecessores percorremos, mas um labirinto – e um labirinto sempre em fluxo”, anota. Tudo isso com linguagem clara e envolvente, bem recriada pela tradução de Eduardo Socha.
O INDOMÁVEL
João Carlos Martins entre o som e o silêncio
De Jamil Chade
Editora Record. 194 páginas. R$ 59,90.
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Já se disse que a trajetória do pianista João Carlos Martins daria um filme – aliás, ele é tema de dois documentários que abarcam tanto seu trabalho como pianista quanto a luta contra os problemas que impedem os movimentos de sua mão. Agora ele é tema de uma nova biografia, que a crítica especializada tem definido como definitiva: O indomável: João Carlos Martins entre o som e o silêncio. A obra foi escrita por um dos maiores jornalistas brasileiros da atualidade, Jamil Chade, que, radicado na Suíça, já escreveu para os principais veículos do país. O próprio Martins coloca o livro como aquele em que mais falou sobre sua vida, sem freios ou proibições. “Entre o som e o silêncio, o necessário é a coragem. É você, aos 83 anos, ter coragem de contar os seus erros, os seus defeitos, também os seus acertos e mostrar que, quando vai se aproximando o apagar das luzes, você tem a coragem de mostrar esses erros que lutou para corrigir – e graças a Deus eu corrigi – e os acertos que lutou pra aperfeiçoar – e graças a Deus eu aperfeiçoei”, disse ele em uma entrevista sobre o livro.