Texto de Lauro Machado Coelho na Revista CONCERTO de dezembro de 2003
Da nº 1, para orquestra de violoncelos, à nº 9, para coro a capella, o ciclo das Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos é fascinante pela sua riqueza formal e diversidade de concepção. A nº 6 é um dueto para flauta e fagote, dois instrumentos nos extremos da palheta sonora; a nº 7, uma suntuosa peça para grande orquestra. Aqui estão também alguns dos mais belos exemplos da invenção melódica. O prelúdio da nº 4, só para cordas, tem um motivo de beleza encantatória. O vocalise da Ária da nº 5 – a mais famosa delas, uma mini-cantata para soprano e violoncelos – é das mais belas melodias escritas por autor brasileiro (que o diga Glauber Rocha, que fez dela uma utilização inesquecível numa das mais belas cenas de Deus e o Diabo na Terra do Sol). E o que dizer dos incríveis efeitos que o coro extrai, na nº 9, da sincopada melodia de sabor indígena?
As Bachianas são, decerto, no mundo inteiro, a mais bela e mais complexa homenagem que se prestou à grandeza do Barroco e a seu maior representante. Os Choros são sem dúvida mais ousados; mas as Bachianas são uma experiência única de cruzamento dos recursos harmônicos, melódicos e rítmicos da música folclórica de diversas regiões do Brasil com as formas utilizadas por Bach, que Villa-Lobos, no dizer de Vasco Mariz, “considerava um manancial folclórico universal, intermediário de todos os povos”. É também uma obra que ocupa posição privilegiada, central, no desenvolvimento do estilo do compositor pois, iniciada em 1930, com uma peça escrita para os concertos sinfônicos organizados por Walter Burle-Max, estende-se até o final da década de 40, quando a dificílima nº 9 faz culminar, com virtuosismo extraordinário, as experiências de canto coral onomatopaico desenvolvidas em peças como a Sinfonia n° 5, o Noneto, os Choros n° 1 ou o Mandu Çarará.
Seja nas texturas camerísticas da n° 2, escrita para pequena orquestra – e encerrada com o delicioso Trenzinho do Caipira, peça descritiva que ganhou vida própria nas salas de concerto, a partir da gravação famosa de Leopold Stokowski – seja na grandiosidade orquestral da nº 8, cuja Tocata é uma das grandes páginas sinfônicas da música brasileira, as Bachianas provocam a admiração, o respeito, a adesão espontânea do ouvinte, conquistado pela força de sua brasilidade e pelo rigor de construção de uma música que, ao mesmo tempo, consegue ser perfeitamente universal - donde a facilidade com que, no exterior também, conquistou tantos admiradores.