Texto de Leonardo Martinelli na Revista CONCERTO de março de 2012
Muito tempo antes de “BBB” remeter a uma das maiores excrescências já produzidas pela cultura ocidental, o maestro e pianista Hans von Bülow falava, na década de 1870, dos “três Bs” para caracterizar o triunvirato musical alemão formado por Bach, Beethoven e Brahms. Naquele momento, Bach era a pedra angular de uma ideia de música germânica, que faria frente ao “imperialismo musical” italiano e que, com Beethoven, alcançaria o ápice. Brahms, por sua vez, seria o “novo messias da arte”, tal como o compositor Robert Schumann o havia classificado em um famoso artigo. De robusta constituição física e olhar penetrante, Brahms se tornaria um dos principais nomes do Romantismo em música.
Johannes Brahms nasceu em 7 de maio de 1833 na cidade portuária de Hamburgo, ao norte da Alemanha, como o segundo dos três filhos do casal Johann Jakob Brahms e Johanna Henrika Christiane Nissen. Foi o pai, um contrabaixista, que lhe passou os primeiros ensinamentos musicais. A partir dos 7 anos, Johannes passou a estudar piano com Otto Cossel, que mais tarde o apresentou a Eduard Marxsen, compositor e regente da Filarmônica de Hamburgo, músico de grande reputação no norte da Alemanha. Foi Marxsen quem iniciou o jovem Brahms na arte e no culto a grandes mestres como Bach, Mozart e Beethoven.
Ao enfatizar o estudo da composição na apreensão de obras de compositores do passado (algo raro até então), Marxsen foi responsável por uma das principais características da obra de Brahms, que é a forte relação com o passado e com a tradição clássica. Por um lado, isso se reflete na abundante produção de sonatas, músicas de câmara, concertos, sinfonias e outros gêneros próprios do Classicismo. Por outro, Brahms notabilizou-se pela oposição a correntes vanguardistas – em especial a música de Franz Liszt e Richard Wagner –, apesar de, no plano pessoal, ter mantido cordial relacionamento com esses compositores.
Antes de deslanchar sua carreira como compositor, Brahms atuou de forma intensa como “músico prático”. Na juventude, batia cartão como acompanhador de cantores numa companhia de marionetes, além de garantir a música e a dança de festividades diversas em um cotidiano atarefado e extenuante. Como compositor, o rigor e a religiosidade com que encarava a criação musical fizeram que destruísse muitas composições e que se escondesse em pseudônimos, tal como o G. W. Marks de uma coleção de peças para piano a quatro mãos.
O ano de 1853 marca um ponto decisivo na vida de Brahms. Ao empreender uma turnê junto com o violinista Eduard Reményi, Brahms amplia sua reputação, além de travar contato com proeminentes personalidades do mundo musical, tais como o violinista Joseph Joachim (para quem posteriormente dedicaria seu Concerto para violino), Liszt e a família Schumann. Robert, o compositor, foi generoso em receber e apadrinhar o jovem artista. Por sua vez, Clara, esposa de Robert e uma das mais aclamadas pianistas profissionais da época, divulgou a criação de Brahms ao inserir as obras dele em seus recitais e suas apresentações, dando início um vínculo que foi muito além das cordialidades musicais.
Desde sua publicação, o romance Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe, espelhou (e inspirou) a condição de inúmeras almas românticas ao longo do século XIX. Werther cai em um amor descontrolado por Charlotte, que está comprometida com Albert, seu amigo. Entre as chamas da paixão e as labaredas da culpa, Werther encontra no suicídio a solução final para seu dilema. Exceto pelo desfecho dramático, Brahms viveu na pele esse impasse com Clara e Robert. Ao que tudo indica, o sentimento era, em certa medida, recíproco, mas nada que fizesse Clara quebrar os votos com Robert. Apesar da agonia que tal proximidade lhe causava, Brahms nunca se distanciou dos Schumanns e prestou valioso auxílio quando Robert, por fim, veio a falecer precocemente em um hospício em Bonn.
Não que depois de Clara outras mulheres não tivessem aparecido na vida do compositor. Ao contrário, relatam-se vários relacionamentos, mas que pouco avançaram. Eventualmente, Brahms era visto também como frequentador de casas de “entretenimento masculino”. Seria outra influência que recebera de Beethoven? Para todos os efeitos, Brahms passou a vida sozinho, ironicamente adotando como estilo de vida a frase que serviu de mote para seu amigo e violinista Joachim, “frei aber einsam”, ou “livre, porém só”.
Em 1862, após perambular por diversas regiões da Alemanha, Brahms fixou-se em Viena. Cidade-berço do Classicismo – que já recebera nomes como Haydn, Mozart, Beethoven e Schubert –, a capital do Império Austro-Húngaro mostrou-se especialmente generosa para o compositor. Parte da boa acolhida deveu-se ao entusiasmo com que sua obra passou a ser defendida por duas personalidades da vida musical local, Hans von Bülow e o temido crítico Eduard Hanslick.
Seus anos vienenses marcariam o início de sua estabilidade financeira e uma guinada em sua carreira. Aos poucos, deixou de atuar como pianista para se tornar regente, tendo em 1872 se tornado diretor da Sociedade de Amigos da Música local (cuja sede, então recém-construída, é nada menos que a famosa sala do Musikverein). Ao mesmo tempo, Brahms passou a se dedicar cada vez mais à produção sinfônica, além de ter sido esse o período em que compõe suas mais celebradas obras de câmara.
Detentor de uma sólida condição física ao longo da vida, fruto do hábito de realizar longas caminhadas, foi apenas em seus últimos momentos que o compositor viu sua saúde definhar. Johannes Brahms faleceu aos 63 anos e foi sepultado como celebridade no mesmo cemitério em que já repousavam seus mestres Beethoven, Mozart e Schubert.
Linha do tempo
1833
Nasce em 7 de maio, em Hamburgo
1843
Realiza seu primeiro recital de piano
1849
Conhece o violinista Eduard Reményi
1853
Com Reményi, inicia sua turnê pela Alemanha
1853
Conhece o violinista Joseph Joachim e o casal Robert e Clara Schumann
1859
Estreia de seu Concerto para piano nº 1
1862
Muda-se para Viena
1868
Conclui seu Réquiem alemão
1872
Assume a direção do Musikverein de Viena
1876
Estreia de sua Sinfonia nº 1
1877
Recebe o título de doutor honoris causa da Universidade de Cambridge
1879
Ganha outro honoris causa, dessa vez em Breslau, para quem compõe a Abertura festiva
1885
Compõe sua quarta e última sinfonia
1891
Compõe seu Quinteto com clarinete op. 115
1897
Morre em 3 de abril, em Viena, vítima de um câncer no fígado