“Vital, visceral, selvagem e indefinida como a própria experiência – pode a música ser isso? Raramente ouvi esse tipo de música, mas mudou minha vida. Tentar trabalhar nesse sentido, no entanto, é um difícil ato de equilíbrio: é preciso ser tão sensualmente sensível como se não tivéssemos pele, ao mesmo tempo que exercitamos a clareza analítica, a precisão e o foco, o foco de um cirurgião que segura um bisturi.”
Assim a compositora Chaya Czernowin (1957-) define o ato de compor e sua própria relação com a música. Uma relação que começou com seus estudos em Israel onde nasceu. Pouco depois de completar 20 anos, ela iniciou viagens para completar os seus estudos. Passou então pela Alemanha, pelos Estados Unidos e pelo Japão.
Na Áustria, em 2006, tornou-se a primeira mulher a assumir o posto de professora de composição da Universidade de Música e Artes da Performance de Viena. Três anos depois, mudou-se em definitivo para os EUA, onde passou a dar aulas na Universidade de Harvard, instituição em que permanece até os dias de hoje. No Festival de Salzburg de 2005, ela atuou como compositora residente.
Sua obra inclui peças para orquestra, solistas, música de câmara – e dá importância especial para o teatro. Pnima...ins Innere, que estreou em 2000 na Bienal de Munique, aborda o encontro entre um jovem israelense e o seu avô, um sobrevivente do Holocausto tão traumatizado pelo seu passado que não consegue falar – a ópera não contém palavras: os cantores cantam fonemas e outros sons não-verbais.
Em 2017, ela apresentou em Paris a ópera Infinite Now, sobre a qual escreveu:
“O infinito é uma experiência, um estado: no meio de um pântano, a presença de um desastre iminente. O que está acontecendo, por quanto tempo, quando terminará – nada está claro. É um estado existencial de nudez onde o senso comum de controle e razão são eliminados. Esta situação é um tanto familiar, desfrutamos dela até certo ponto ao longo da vida, mesmo que o extraordinário não aconteça. À medida que a distribuição de informação aumenta e à medida que as situações políticas que nos rodeiam parecem mais precárias e imprevisíveis, todos sentimos uma ligeira amostra deste sentimento de impotência nua e crua. No entanto, quando acontece uma guerra ou um desastre, algo básico muda, à medida que os últimos resquícios de segurança e rotina são eliminados. É uma situação extrema em termos existenciais. Mas também reserva uma oportunidade para um encontro excepcional com o mundo, trazendo a sua própria perspectiva e consequências a longo prazo, históricas e pessoais. De certa forma, todo esse pântano é um bloqueio que interrompe a evolução das coisas e pode então resultar em uma mudança repentina. Essa mudança é sentida no ar e a sua presença intuída é extremamente forte, ao mesmo tempo assustadora e esperançosa.”
Heart Chamber foi sua próxima ópera, composta em 2018 sob encomenda da Deutsche Oper Berlin, que a estreou em produção assinada por Claus Guth. O enredo é assim descrito: “A obra segue o relacionamento de uma mulher e um homem sem nomes (Ela e Ele), que encontram um no outro consolo para a alienação urbana. Através de um acontecimento casual, eles se conhecem; apaixonados, vão ao inferno e voltam”.
FardanceCLOSE é uma de suas principais criações para piano, escrita em 2012 e revisada em 2020. Traz elementos que a compositora considera fundamental em sua criação, como trabalhar com a metáfora “como meio de alcançar e analisar um mundo sonoro desconhecido, utilizando o ruído e parâmetros físicos como peso, superfície/textura, assim como a percepção do tempo”. Com isso, ela espera alcançar uma expressão sonora “que inclui o subconsciente e vai além do estilo, das convenções ou da racionalidade”.
Roteiro
FardanceCLOSE será interpretada no domingo, dia 14, em recital do pianista israelense Aristo Sham, na temporada da Fundação Maria Luisa e Oscar Americano. Ele também apresenta obras de Beethoven, Debussy e Schumann. Mais informações aqui.
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