Morreu na madrugada desta quarta-feira, dia 17, o maestro Diogo Pacheco. Um dos principais nomes da regência brasileira, ele teve trajetória marcada pela divulgação da música clássica, tanto na televisão como no rádio, além da dedicação à música brasileira.
Pacheco estava internado no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Tinha 96 anos. O velório acontece na casa funerário Home, na região da Avenida Paulista; o enterro está marcado para as 16 horas, no Cemitério da Consolação.
Pacheco nasceu em 1925 em uma família musical. A mãe tocava piano. E seu irmão foi um importante cantor lírico, o tenor Assis Pacheco. O maestro se lembraria em entrevistas das tardes em que acompanhava, enquanto brincava, os ensaios do irmão, que se preparava para apresentações em palcos como o Theatro Municipal de São Paulo.
Outra influência neste início de vida foi o rádio, como ele contou a Alfredo Sternheim no livro Maestro para todos, lançado pela coleção Aplauso, da Imprensa Oficial. “A minha vocação musical nasceu ali, na adolescência. Quando eu tinha uns doze ou treze anos, ouvia muito um programa da rádio Gazeta, A Música dos Mestres, produzido pela Vera Janacopolus. Foi muito importante na minha iniciação musical. Um dia, o programa apresentou A Sagração da Primavera, do Igor Stravinski. Como a minha formação era toda de ópera por causa do meu irmão, achava aquilo horrendo. Mas eu comecei a pensar que a comunicação com a obra de arte tem dois caminhos: o caminho intelectual e o caminho da sensibilidade. Caso da poesia concreta. Da primeira vez que li, adorei sem entender muito bem. Depois, fui analisar e entendi por que eu havia gostado. Foi o impacto da sensibilidade. Já o intelectual é o seguinte. Você começa a pensar: Puxa, não gostei dessa música. Mas todas as orquestras do mundo tocam. Todos os maestros do mundo regem. Estou aqui num país subdesenvolvido ouvindo num raro programa de música clássica A Sagração da Primavera. Será que o problema não é meu? Eu procurei compreendê-la, conquistá-la. Uma semana depois, ela virou Mozart para mim.”
Pacheco teve aulas com Camargo Guarnieri e Hans-Joachim Koellreutter, professor que o marcou em especial. Para ele, a principal contribuição do mestre foi propor uma visão da música em diálogo com outras artes, como o cinema, o teatro, a literatura e a poesia. “Fiquei conhecendo os irmãos Campos, Augusto e Haroldo, e depois o artista plástico e crítico Waldemar Cordeiro, a obra deles, através da escolinha do Koellreutter que exigia de nós uma cultura geral a mais abrangente possível”, contou em uma entrevista.
Mais adiante, ele trabalharia com esses autores, como lembrou no depoimento a Sternheim. “Eu me liguei muito à poesia concreta, me dava bem com os irmãos Campos, Haroldo e Augusto. Eles e o Décio Pignatari tinham lançado em 1952 a revista literária Noigrandes, que acabou sendo o berço do movimento concretista, mais forte a partir de 1956. Fizemos um espetáculo com algumas poesias que escolhemos e eu usava música de vanguarda que estava acontecendo naquela época. Foi um espetáculo engraçado porque a Hilda Hilst levou um gato e fez ele passar, atravessar pelo palco. Bizarro. Nunca ninguém tinha feito isso antes. Depois, fiz um espetáculo similar com as poesias do Ferreira Gullar. Nessa ocasião, o Willy Correa de Oliveira fez a música, eu a ensaiei com os atores e a regi.”
Pacheco estudou com Eleazar de Carvalho em Tanglewood, casa de verão da Sinfônica de Boston, nos Estados Unidos – mais tarde, seria seu assistente na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Sua carreira como regente o colocou à frente também de palcos como o Theatro Municipal de São Paulo, onde fez seu primeiro concerto no retorno dos Estados Unidos, acompanhando o pianista João Carlos Martins no concerto de Alberto Ginastera.
Também regeu diversas vezes no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, onde, nos anos 1960, começou a dar mostras de sua visão pessoal sobre o repertório e a necessidade, como definia, de estabelecer pontos de contato entre a música clássica e outras manifestações musicais.
Na ocasião, ele convidou a cantora Elizeth Cardoso para ser a solista nas Bachianas brasileira nº 5 de Villa-Lobos, provocando a ira de membros dos corpos artísticos do teatro. Em seguida, em São Paulo, realizou o espetáculo A Jovem Guarda em Estilo Clássico.
“Foi um espetáculo em que os sucessos do Roberto Carlos, da Wanderléa e do Erasmo Carlos foram transformados em música de câmara com cantores eruditos como Stela Maris, Eládio Gonzáles e Zunglio Faustini. Eu regi uma pequena orquestra de câmara, mas tinha cravo e piano. Foi um sucesso louco. Aconteceu no teatro Maria Della Costa. Os três assistiram a vários espetáculos, inclusive a dona Laura, mãe do Roberto. Este, na estreia, chegou atrasado e gritou: Manda brasa, Mozart. A imprensa deu grande destaque, o Jornal da Tarde até perguntou em manchete 'Qual é a próxima, Diogo?'. Foi uma experiência maravilhosa.”
Pacheco apresentou durante dezoito anos, na Rádio Eldorado, um programa dedicado à música clássica. Na TV Cultura, esteve à frente do Ligue para um Clássico. Nos últimos anos, vinha apresentando o programa Grande Concerto, na Rádio Cultura FM.
Sua atuação mais famosa na televisão foi o programa Concertos Internacionais, na Rede Globo.
“Foi uma experiência extraordinária não só para mim, pessoalmente, mas para essa função que tanto prezo que é a de passar para os outros aquilo que eu sei. Sempre me preocupei em ser a ponte entre a obra de arte e o público. Por isso, regi muitos e muitos concertos ao ar livre, populares. Enquanto muitos maestros só regem e vão embora assim que terminam, eu costumo conversar com o público para explicar a obra, o compositor, antes do início da execução.”
O maestro também atuou como compositor, escrevendo trilhas para espetáculos como Eurídice, de Gianni Ratto, ou Yerma, dirigido por Antunes Filho, com Cleyde Yáconis e Raul Cortez como protagonistas. No cinema, assinou a trilha de Vereda da Salvação, dirigido por Anselmo Duarte e baseado na peça de Jorge Andrade.
Em entrevistas, ele definia o maestro como aquele que ouve com o olho. “Um regente é um músico, um indivíduo, um músico que ouve com o olho e é capaz de escrever a música pelo ouvido. Mas por que ouvir com o olho? A música escrita, ou a partitura como nós dizemos, é uma coisa totalmente abstrata. É um pedaço de papel cheio de bolinhas e riscos. Agora, o bom músico é aquele que olha e ouve o que está escrito.”
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