Theatro Municipal do Rio estreia ‘Barbeiro de Sevilha’ com tintas feministas

por Luciana Medeiros 17/11/2022

Estreada em 1816 em Roma, a ópera O barbeiro de Sevilha foi o sucesso mais marcante de Gioacchino Rossini, que tinha 23 anos na época e oferecia, ousadamente, uma segunda versão lírica da peça de Beaumarchais escrita em 1775 no contexto da corte de Luís XV, com libreto de Cesare Sterbini. Hoje, a figura cômica do barbeiro e sua ária Largo al factotum (Abra caminho para o faz-tudo) são quase uma metonínima do gênero operístico ou, ao menos, da ópera bufa. 

Mas a versão que sobe à cena no Theatro Municipal do Rio de Janeiro a partir de 18 de novembro, com a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal sob a batuta de Felipe Prazeres (a segunda e última ópera encenada de 2022 no palco carioca), está sendo revestida de um olhar feminista. A diretora Julianna Santos foi buscar as origens do mote da ópera – a jovem trancafiada por um homem com interesses financeiros ou de poder.

“Bem antes de Beaumarchais, a espanhola Maria de Zayas, nascida em 1590, escreveu em 1637 O prevenido enganado”, conta Julianna, nas vésperas da estreia. “Era uma feminista avant-la-lettre, que se rebelava contra a manutenção das mulheres na ignorância e longe dos estudos – e, portanto, à mercê dos homens.”

Zayas, continua Julianna, antecipou e inspirou obras com temas muito semelhantes – a de Paul Scarron em A inútil precaução e Molière com A escola de mulheres. “São personagens femininas parecidas, oprimidas e trancafiadas por homens que, na verdade, as temem.” Mas a Rosina do Barbeiro, ressalta, é diferente: “Apesar de contar com a ajuda do Barbeiro, é sobretudo pela expertise de Rosina que as coisas mudam. Sendo a personagem feminina entre personagens masculinos, é a grande propulsora das mudanças de acontecimentos durante a ópera”, ressalta.

É o primeiro Barbeiro de Sevilha que a carioca Julianna dirige. Ela é uma das poucas mulheres, no Brasil, que assumem esse posto, ao lado de Lívia Sabag. Com atuação na ópera há quase vinte anos, formada em direção teatral pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, vem assinando produções elogiadas – muitos títulos no Festival Amazonas, como Alma, de Claudio Santoro, no Municipal de São Paulo – com destaque para The Rake's progress em 2021 – e, só em 2022, Aleijadinho, de Ernani Aguiar, La Tragedie de Carmen, no Municipal do Rio, Viva La Mamma, de Donizetti, no Theatro São Pedro.

As questões que nós vemos ali, da mulher impedida de se manifestar, de ter liberdade, de alçar voos tão decisivos quanto os de homens, a mulher trancada em nome da honra masculina, ainda permanece nos dias de hoje.

“Amo Rossini”, aponta, “com sua música muito dinâmica, bem construída, concertatos muito divertidos”. A ópera está praticamente inteira na montagem, “até os recitativos”, avisa. “Mas decidimos eliminar a última ária do Conde, que é muito longa e não se encaixou na nossa dinâmica.” A ação, porém, é transportada para algum ponto dos anos 1940 ou 50, pós-guerra. “Achamos interessante trazer mais para perto da contemporaneidade, até porque as questões que nós vemos ali, da mulher impedida de se manifestar, de ter liberdade, de alçar voos tão decisivos quanto os de homens, a mulher trancada em nome da honra masculina, ainda permanece nos dias de hoje.” 

Essa mulher, sozinha, que enfrenta o poder de Bartolo e os interesses financeiros de Basílio e de Fígaro, está ainda cercada pelo coro que Julianna caracteriza “um pouco nas figuras do fascismo italiano, guardas, policiais, que aparecem em situações absolutamente ridículas de tentativa de controle, numa loucura coletiva”. O cenário de Giorgia Massetani tem estruturas vazadas, transparentes, “simbolizando a fragilidade desse espaço, dessas paredes”, define a diretora. Os figurinos são de Olintho Malaquias.

O elenco traz Lara Cavalcanti (Rosina), Aníbal Mancini (Conde), Vinícius Atique (Fígaro), Saulo Javan (Bartholo), Mutilo Neves (Don Basílio), Rose Provenzano-Páscoa (Bertha) e Leonardo Thieze (Fiorello). “Mancini e Javan, inclusive, fizeram a montagem de O Barbeiro no Municipal de São Paulo, dirigida pelo Cleber Papa em 2019”, lembra Julianna. Serão cinco récitas e mais uma apresentação para escolas, dia 22, em que Rosina será vivida por Cintia Graton.

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Cena de ensaio de 'O barbeiro de Sevilha' [Divulgação/Fábio de Souza]
Cena de ensaio de 'O barbeiro de Sevilha' [Divulgação/Fábio de Souza]

 

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