Volume 8

por Redação CONCERTO 07/07/2022

Vol 8

Claudio Santoro: Sinfonias nº 5 e nº 7, Brasília
Orquestra Filarmônica de Goiás
Neil Thomson
– regente  

Em 2019, o meio musical brasileiro celebrou o centenário do compositor Claudio Santoro (1919-1989). E livros, álbuns e concertos ajudaram a resgatar a música e a história de um autor-chave para a compreensão da música brasileira do século XX, cujas sinfonias, nas palavras do maestro Neil Thomson, deveriam ter no cenário internacional a mesma importância que as escritas por Shostakovich. Não por acaso, naquele ano o maestro britânico e sua orquestra, a Filarmônica de Goiás, embarcaram em um projeto ambicioso: gravar a integral sinfônica do autor para o selo Música do Brasil, da gravadora Naxos. E, agora, essas gravações começam a chegar ao público, com o lançamento do álbum com as Sinfonias nº 5 e nº 7. A carreira de Santoro foi marcada por diferentes períodos, ao longo dos quais dialogou com várias correntes estéticas. As duas sinfonias aqui reunidas pertencem a seu período nacionalista, mas as raízes brasileiras são apenas ponto de partida para uma escrita extremamente pessoal, que com gravações de alto nível como essa ressurge em toda a sua riqueza.

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[Reprodução]
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Texto do encarte do CD

As quatorze sinfonias de Claudio Santoro representam o maior e mais significativo conjunto do gênero composto no Brasil em qualquer tempo. Escritas entre 1940 e 1989, elas atravessam quase todas as fases estéticas do compositor e fornecem o panorama mais completo e preciso da evolução do seu pensamento musical. Santoro começou sua formação musical em Manaus, sua cidade natal. Tendo-se revelado um jovem prodígio do violino, recebeu bolsa do governo local para continuar os estudos no Rio de Janeiro. É nessa fase que compõe suas primeiras obras: sua primeira sinfonia, composta aos 21 anos, em 1940, sem estudos prévios formais de composição, impressionou Hans-Joachim Koellreutter, o músico e professor alemão líder do movimento “Música Viva”, que reuniu jovens compositores em busca de novos caminhos para a música brasileira em sintonia com as vanguardas europeias da época. No final dessa década, porém, sua música passaria por uma guinada radical, fruto de suas convicções político-ideológicas e sua participação como delegado brasileiro ao Congresso Internacional de Compositores de Praga de 1948, cujo manifesto final exortava os compositores a evitarem excessos de subjetividade e a procurarem maior alinhamento com o folclore nacional. Suas obras da década de 1950 seriam marcadas pela busca de uma linguagem mais direta e imediatamente comunicativa por meio do emprego de elementos de caráter nacional. Nessa década, Santoro compõe quatro sinfonias, sendo a Quinta e a Sétima as obras mais imponentes desse período.

A Sinfonia nº 5 foi composta em 1955 e estreada no ano seguinte pela Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro sob a regência do compositor. Embora seja uma obra central dessa fase nacionalista, o uso de elementos folclóricos ou diretos da música brasileira por Santoro difere em muito das soluções encontradas por compositores da mesma época, na medida em que esse material é frequentemente trabalhado de forma mais abstrata, sem intenção de reproduzir manifestações musicais típicas ou criar ambientações folclóricas ou populares. O primeiro movimento é um bom exemplo dessa prática. Um dos elementos mais empregados pelos compositores da escola nacionalista com esse objetivo de ambientação popular foi o modo lídio-mixolídio, com quarta aumentada e sétima menor, característico do folclore nordestino. Santoro, porém, constrói com o mesmo material um discurso tenso e misterioso, dominado pelo denso contraponto das cordas, onde não se nota qualquer intenção folclorista. O segundo movimento, que faz as vezes de scherzo, é uma dança muito viva e colorida, com muito uso de percussão típica brasileira. O tema principal é construído com o uso de notas repetidas, recurso que se verifica em diversas obras desse período nas passagens de caráter nacional mais vigoroso, como no Concerto para piano nº 1, na Tocata para piano ou na Sonata nº 3 para violoncelo e piano. Segue-se o Lento, um tema e variações sobre o canto de Xangô, material do candomblé afro-brasileiro empregado anteriormente por compositores como VillaLobos e Francisco Mignone, que usou o tema num dos movimentos do seu bailado “Maracatu de Chico Rei”.
É um caso muito raro de uso direto de material folclórico na obra de Santoro, que, assim como no primeiro movimento, é empregado de forma mais abstrata, eliminando as referências diretas a elementos tradicionais brasileiros. Após algumas primeiras variações, ouve-se surgir um ostinato rítmico, de caráter indígena, que avança aos poucos à condição de tema secundário e divide com o primeiro as atenções até o fim do movimento. O quarto movimento se abre com um tema grave e sincopado nos sopros, que serve como único material dessa seção, caracterizada pelas constantes rearmonizações do tema e pelos grandes uníssonos orquestrais. O final, muito enérgico, explora, com amplo uso de imitações e sequências, um tema sincopado que parece derivado do segundo tema do primeiro movimento, com uma escrita muito vigorosa para as cordas, que conduzem a uma coda brilhante com o tema reapresentado como coral pelos metais.

A década nacionalista da produção de Santoro encerra-se praticamente com a composição da Sinfonia nº 7, escrita em Londres em 1959 para um concurso de sinfonias promovido pelo Ministério da Educação e Cultura para comemorar a construção de Brasília, a nova capital brasileira, que seria inaugurada em abril de 1960. Santoro tinha nessa sinfonia, uma das mais extensas e complexas da série, uma de suas obras preferidas, que já parece indicar a relevância que essa cidade viria a ter na sua própria vida nas décadas seguintes. Embora a sinfonia não tenha um programa associado, ela reflete com muita intensidade o momento histórico em que foi composta e, sobretudo, as visões de modernidade associadas à construção da nova capital. O primeiro movimento é inteiramente construído sobre um motivo de quatro notas, anunciado pelas cordas logo no primeiro compasso do Andante introdutório. O mesmo motivo abre a seção seguinte, Allegro, enunciado agora de forma heróica pelas trompas, que dão a partida a uma seção vigorosa, em que blocos crescentes de som se constroem sobre ostinatos rítmicos das cordas e percussão. As seções contrastantes do movimento fazem uso do mesmo motivo de quatro notas, em trechos líricos enunciados pela clarineta e pelas cordas. Os blocos crescentes de som se sucedem até a longa coda do movimento, em que se ouve o tema inicial aumentado nos trombones sobre um movimento frenético da orquestra, progressivamente incorporando os metais num grande coral que conduz o movimento a um desfecho grandioso. O Adagio a seguir cumpre à risca a indicação de quasi recitativo: em total contraste com o movimento anterior, esse movimento é um longo discurso contemplativo confiado principalmente às cordas, com solos ocasionais do oboé e das clarinetas, interrompidos em alguns momentos, sobretudo próximo ao final, por fortíssimos em toda a orquestra, de grande efeito dramático. O terceiro movimento é um scherzo, em vários pontos muito aparentado ao da Quinta Sinfonia, muito embora seja mais desenvolvido na sua estrutura, fazendo uso de uma orquestração ainda mais rica. Também aqui, Santoro emprega como material de partida um motivo de quatro notas enunciado pelo oboé, com um segundo tema contrastante em notas repetidas, apresentado pelo trompete. Os temas se sobrepõem no clímax do movimento, de forte caráter dançante. O final, por sua vez, representa uma ruptura total com os movimentos anteriores – e até mesmo com toda a produção anterior de Santoro nessa década. Também aqui o material principal é um motivo de quatro notas, apresentado pelas trompas, que atravessa e impulsiona um movimento arrojado, marcado por rápidas rajadas nas cordas, por grandes saltos intervalares no material melódico e pela alternância violenta de timbres, dinâmicas e blocos sonoros isolados.

Se é possível ver no primeiro movimento um reflexo das imagens monumentais da capital que brotava do chão no então isolado interior do Brasil, pode-se ler esse final como uma representação do discurso de modernidade, voltado para o futuro, que inspirou a construção da capital. A obra seria estreada em 1964, na Alemanha, com Santoro à frente da Orquestra Sinfônica da Rádio de Berlim. Nesse curto espaço de tempo, porém, assim como nas transições entre as décadas anteriores – e como seria sempre a cada uma das décadas seguintes até o fim da vida –, Santoro já havia passado por mais um período turbulento, com um conjunto de experiências que deixaria marcas profundas na sua música: a construção do Muro de Berlim, a fundação da Universidade de Brasília, cujo departamento de música ele criou em 1962, o golpe militar no Brasil no início de 1964... Já naquela altura, sua música, talvez como prenunciado no final da Sétima Sinfonia, também já havia tomado outros rumos, como se depreende da escrita radical da Sonata nº 4 para violoncelo e piano e da Sinfonia nº 8, ambas compostas em 1963.

Era apenas o começo de uma década que o conduziria a paragens até então inéditas para um compositor brasileiro.

Gustavo de Sá


NEIL THOMSON (1956)

Neil Thomson was born in 1966 and studied conducting at the Royal College of Music with Norman Del Mar and at Tanglewood Summer School with Leonard Bernstein.

He has been principal conductor and artistic director of the Goiás Philharmonic Orchestra since 2014, leading the orchestra to national prominence with its championing of Brazilian and contemporary repertoire. He also enjoys a busy international career working with all the major UK orchestras and with the Yomiuri Nippon Symphony Orchestra, Tokyo Philharmonic Orchestra, Tokyo Symphony Orchestra, Russian National Orchestra, São Paulo State Symphony Orchestra, WDR Rundfunkorchester, Israel Symphony Orchestra, Lahti Symphony Orchestra, and the Romanian National Orchestra.

He has performed with many distinguished soloists including Dame Felicity Lott, Sir Thomas Allen, Sir James Galway, Nelson Freire, Jean Louis Steuerman and Antonio Meneses.

From 1992 to 2006 he was Professor of Conducting at the Royal College of Music, London, the youngest person ever to hold this position. He was made an Honorary Member of the RCM in recognition of his services to the institution.

Goiás Philharmonic Orchestra
Since its creation in 1980 by the conductor Braz de Pina Filho, the Goiás Philharmonic Orchestra has committed itself to the democratisation of classical music in the Brazilian state of Goiás by placing particular emphasis on Brazilian music in its programmes. In 2012, the orchestra underwent a major restructure that ushered in its most fruitful and creative period and led to the appointment in 2014 of Neil Thomson as Principal Conductor and Artistic Director. Under Thomson’s leadership the orchestra rapidly grew from its standing as an ensemble of local importance to one of national importance. Now widely regarded as one of the top three orchestras in Brazil, the Goiás Philharmonic Orchestra is known for its energetic and dynamic playing style and innovative approach to programming. The orchestra has given the South American premieres of Messiaen’s Des canyons aux étoiles, Boulez’s Rituel in memoriam Bruno Maderna and Nono’s Como una ola de fuerza y luz. It is also engaged in a ten-year project to film the complete Haydn symphonies, ‘Haydn no Cerrado’.

Claudio Santoro’s Bold Fifth and Seventh Symphonies
Review by: David Hurwitz / Classics Today

Claudio Santoro (1919-89) composed fourteen symphonies over the course of about fifty years, making him one of the most noteworthy twentieth-century Brazilian composers in large forms. On evidence here, they are uneven in quality, with the problems occurring when you might expect–in the larger, more complex outer movements. I’m thinking especially of the Fifth Symphony, whose opening Andante mosso–Allegro moderato consists of a series of crescendos leading, essentially, nowhere. The thematic material isn’t too memorable either. The situation improves in the central scherzo and slow movement (a set of variations), but the same “sound and fury signifying nothing” returns in the finale. Santoro’s style incorporates obvious Brazilian elements without ever turning blatantly “folksy.” Clearly the idiom is his own.
This is even more evident in the Seventh Symphony, subtitled “Brasilia,” and designed for the dedication of the country’s new capital city. A more ambitious and successful work than the Fifth, this time with the scherzo played third rather than second, the music evolves from the relative harmonic simplicity of its opening to a more challenging language in the finale–from rural to urban, you might say. Whether this was Santoro’s intention I have no idea, but I like the result. There’s a good bit of stomping and pounding in this symphony–indeed in both works–with some enthusiastic use of the bass drum, but it all seems to be part and parcel of the music’s boldness and energy, and its confrontational gestural language never sounds merely gratuitous.
Certainly the Goiás Philharmonic under Neil Thomson has every reason to be proud of its achievement here. This is not easy music to play. Santoro’s writing for the violins, in particular, sounds positively wicked, with lots of passage-work at high speed, often reaching upwards into the nether regions of the instrument. The scherzos too offer plenty of rhythmic kinks to keep everyone alert, and the crispness of the orchestra’s response can only provoke admiration. There is another recording of Santoro symphonies on BIS which I reviewed previously, containing the avowedly socialist-realist No. 4 and the more intriguing No. 9. If you’re curious you may want to check that one out. In any case, this looks to be the first issue in a complete symphony edition, a project I look forward to hearing as it progresses.

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