Nascido em 1866 em Honfleur, na Normandia, e morto em 1925, o compositor Erik Satie – nome artístico de Alfred Erik Leslie – era um excêntrico na vida pessoal e um criador liberto das rédeas do Romantismo. Na vanguarda absoluta de seu tempo, deixou uma obra pioneira em relação ao dadaísmo, movimento de ruptura do sentido racional da arte, e do minimalismo que surgiria décadas depois. Era o homem na contramão do status quo artístico – sugeriu, por exemplo, que sua música saísse do centro das atenções e se posicionasse ao fundo das interações sociais, como uma peça de mobília – a Musique d’Ameublement.
O pianista, compositor, produtor André Balboni – um pesquisador de aspectos filosóficos do fazer musical – está lançando sua versão jazzística para a obra de Satie, com bateria, baixo e sopros, no disco Satie for lovers, reunindo nove peças – entre elas, a Gymnopédie n° 1 e Trois morceux en forme de poire.
As elipses e aliterações da música do francês ganham comentários do baixo, do trompete e da bateria. "Mas mantemos a ideia do mínimo para o prazer auditivo”, salienta Balboni em conversa por zoom com a CONCERTO.
Satie for lovers é o segundo disco de Balboni dedicado ao compositor. “Gravei Música-Mobília, no piano, no estilo mais tradicional, se é que se pode usar a palavra para Satie”, conta ele. “E depois me veio a ideia da versão cool jazz, aplicando o estilo de Miles Davis ao Satie, que tem muitos pontos em comum, um jazz mais modal, uma harmonia que se repete com certa estranheza aos ouvidos mais tonais. Escrevi tudo em uma semana, inclusive boa parte dos improvisos."
Não há reverência formal nas nove faixas de Satie for lovers, mas a ironia do compositor está presente na música feita para criar um ambiente – experiências sonoras –, impossível de ignorar. Hipnótica, sinuosa, “oferece o mínimo para o prazer auditivo”, pontua Balboni. “Satie inaugura na música esse conceito do mínimo; penso na doutrina aristotélica do meio-termo, como uma reação aos excessos do Romantismo, que se atira no máximo. Satie chega ao mínimo, mas é uma escola de piano com sua clareza. E isso pega o ouvinte.”
A ideia da música de fundo remete diretamente às trilhas de filmes, com que Satie trabalhou nos primórdios da arte cinematográfica – e à qual Balboni também se dedica, como no premiado curta Penas e em diversas produções com o cineasta Fernando Meirelles. “Fazer trilha é abandonar o personalismo do intérprete, o palco italiano, o artista no centro da arte, e Satie criticava essa postura associada aos burgueses, que degustavam a música como se fosse um vinho.”
Não há nenhum projeto de lançamento oficial de Satie for lovers – bem no espírito do compositor, que fugiria do excesso de lives. “Entrei no espírito satiniano nessa pandemia”, brinca Balboni. “Vamos seguir na sutileza.”
Enquanto isso, ele desenvolve projetos com a Cia. Danças Polifônicas, que mantém com Sofia Tsirakis: já em curso está um trabalho sobre tangos brasileiros de Nazareth e Chiquinha Gonzaga, que encontram o tango argentino. “E estamos preparando o Dança-Mobília, no espírito desse disco, de Satie, que não é o da música feita para agradar, mas a criação da performance na sua própria existência, da qual você sai diferente.”
Ouça abaixo o trabalho Satie for lovers, de André Balboni.
Leia também
Notícias Prepare-se: dezesseis concertos e óperas para ver ao vivo ou na internet
Notícias Filarmônica de Minas Gerais volta a receber público em seus concertos
Notícias Maestro Emiliano Patarra é o novo coordenador da Escola Municipal de Música
É preciso estar logado para comentar. Clique aqui para fazer seu login gratuito.
Comentários
Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da Revista CONCERTO.