Cristian Budu: Beethoven para o terceiro milênio

A tecnologia de gravação tem cerca de um século e meio de história, e suas mudanças ao longo dos tempos não foram pequenas. Minha existência abarca um terço desse período (não, não sou do tempo do fonógrafo de Thomas Edison), e comecei ouvindo música em LP e cassete; maravilhei-me com a tecnologia “eterna” do CD (que as gerações mais novas já nem sabem o que é) e, agora, tento me adaptar às novidades da reprodução digital, sem suporte físico.

A cada inovação, o padrão é mais ou menos o mesmo: inicialmente, os artistas tentam reproduzir no meio novo o que acontecia no antigo para, gradualmente, descobrirem as possibilidades desta novidade e explorá-las. Assim, não surpreende que uma das cabeças mais arejadas da geração atual de músicos, Cristian Budu, tenha concebido um álbum digital já pensado para as tecnologias atuais.

Beethoven: um mundo em transformação não está disponível em formato físico – apenas nas plataformas de escuta. A novidade é que Cristian idealizou o disco como um podcast. Assim, as obras de Beethoven que ele toca são intermeadas por comentários – em clima de conversa informal, mas nem por isso desprovida de exatidão e rigor.

Primeiro colocado no Concurso Clara Haskil, na Suíça, em 2013, Budu foi ungido por ninguém menos do que Nelson Freire como seu sucessor. Não se interessou, contudo, por uma carreira de virtuose internacional do piano nos moldes convencionais. Em vez de se radicar em solo europeu, resolveu residir em Belo Horizonte. E preocupa-se em constantemente repensar seu fazer musical, e conferir-lhe valor social.

A combinação única de carisma e excelência técnica fazem dele um dos melhores comunicadores da música clássica no Brasil, com vocação para conquistar novas plateias, sem alienar as antigas. Nesse álbum-podcast, tais qualidades estão evidenciadas: ele atinge a justa medida de falar de Beethoven de forma acessível sem, contudo, rebaixar ou vulgarizar o discurso.

Porém não há conversa sobre música que se sustente sem uma realização sólida do próprio discurso musical. E aí Cristian é absolutamente sedutor. Ele encara duas das mais célebres sonatas de Beethoven, a Patética e Ao Luar, além de revisitar as Bagatelas Op. 33, que já gravara com absoluto êxito para o selo suíço Claves, em seu álbum de 2016, que era complementado pelos Prelúdios Op. 24 de Chopin.

O frescor e senso de teatralidade com que Budu executa as peças são notáveis, combinando apuro de ourives em cada uma das Bagatelas com sentido amplo de arquitetura em cada uma das sonatas. Trata-se de um Beethoven para o século XXI, executado por uma das mentes musicais mais estimulantes da atualidade. E a vantagem de ouvir em formato digital é que a gente pode repetir à vontade, sem medo de que a agulha risque o disco...

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Cristian Budu [Divulgação]
Cristian Budu [Divulgação]

 

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O texto de Irineu é perfeito ao descrever Cristian Budu. Ele é realmente genial como artista e diferenciado como pessoa. Sou fã.
Mas se o Irineu se mostra assustado com a crescente evolução das mídias musicais, como fico eu, com meus 77 anos de idade, do tempo da vitrola e discos apenas de 78 rotações? Como imagino que boa parte dos leitores e assinantes da Revista Concerto, também estejam encontrando dificuldades em acompanhar as mudanças, sugiro um artigo nas próximas edições, que permita aos mais assustados como eu, entender esse novo mundo.

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