Disco com concerto de Claudio Santoro é ponto alto da Coleção Música do Brasil

por João Marcos Coelho 17/09/2023

Jornalista costuma exagerar no elogio ou na crítica. Neste caso, o elogio derramado se justifica. O recém-lançado álbum do selo Naxos/Música do Brasil em que Neil Thomson e a Filarmônica de Goiás interpretam a Sinfonia nº 8 de Cláudio Santoro é desde já um dos pontos mais altos desse projeto extraordinário, concebido e viabilizado pelo diplomata brasileiro Gustavo de Sá. Não só pela execução entusiasmante da sinfonia de Santoro, mas igualmente pela performance empolgante de Marina Martins no Concerto para violoncelo, para mim a obra central do álbum.

Não é demais repetir a bombástica frase – bombástica mas justa, justíssima, de Gustavo de Sá a respeito desta integral em curso: “As 14 sinfonias de Claudio Santoro representam o maior e mais significativo conjunto de obras no gênero compostas no Brasil”. De fato, elas foram compostas num arco de praticamente meio século, entre 1940 e 1989, ano de sua morte. E a partir de sua audição é possível acompanhar as mudanças estilísticas na obra do compositor. É preciso deixar claro: era absurdo, inadmissível, que estas sinfonias ainda não tivessem sido gravadas, até o início deste projeto revolucionário.

Também não é exagero afirmar que o maestro britânico Neil Thomson vem construindo um acervo extraordinário de gravações orquestrais e concertantes de compositores brasileiros, pois além da integral em curso das sinfonias de Santoro, ele também gravou, entre outras, a Sinfonia dos Orixás, de Almeida Prado, com a Osesp, e peças orquestrais de Guerra-Peixe, em Goiás.

É impressionante o modo seguro e sanguíneo que a jovem violoncelista brasileira Marina Martins imprime a esta partitura particularmente difícil do ponto de vista técnico e ao mesmo tempo prenhe de expressividade

O álbum traz obras de Santoro da década de 1960. O concerto de violoncelo foi composto quando Santoro estabeleceu-se precariamente em Berlim – e no momento dramático em que se erguia o famigerado muro que separou a cidade por meio século. Para vocês terem uma ideia do clima que vivia o compositor, o monumental primeiro movimento, com praticamente 20 minutos de duração, foi composto em agosto de 1961; o curtíssimo movimento lento, pouco menos de 5 minutos, foi escrito quinze dias depois do fechamento das fronteiras; e o terceiro movimento foi concluído em outubro daquele ano.

É impressionante o modo seguro e sanguíneo que a jovem violoncelista brasileira Marina Martins imprime a esta partitura particularmente difícil do ponto de vista técnico e ao mesmo tempo prenhe de expressividade. Preste atenção na longa e sombria introdução orquestral, assim como na cadência. Marina nasceu em 1999 na Nova Zelândia, mas seus pais brasileiros retornaram ao país quando Marina estava com 5 anos. Brasileiríssima, portanto, mais uma grande instrumentista com projeção internacional.

A Sinfonia nº 8 é de 1963, quando Santoro já estava, desde o ano anterior, de volta ao Brasil. Em 1962, assumira como chefe do Departamento de Música da então recém-criada Universidade de Brasília por Darcy Ribeiro. Gustavo de Sá diz que ela “ocupa uma posição isolada  no conjunto das sinfonias. A linguagem é novamente serial, mas francamente expressionista: o uso peculiar que Santoro faz das técnicas seriais, não definindo as séries previamente, mas extraindo-as a partir da observação da própria composição, permite-lhe manter a individualidade e a coerência estilística mesmo nos momentos de maior experimentação”.

Neil Thomson vem fazendo um trabalho extraordinário com a Filarmônica de Goiás. E mantém um nível elevado neste álbum, ao encarar obras tecnicamente desafiadoras e sair vencedor – ele e seus ótimos músicos

Ela demonstra como Santoro se reinventou muitas vezes ao longo de sua vida e não é demais comparar sua trajetória com a de Stravinsky, por exemplo. Interagiu com as realidades duras com as quais conviveu de modo determinado, assim como possuía uma maneira muito pessoal de absorver novas técnicas e estilos composicionais. Esta sinfonia é um bom exemplo dessa atitude. No Allegro inicial os dois acordes iniciais já contêm praticamente a série de doze sons. O segundo, um Andante torturado, introduz um vocalise a cargo de Denise de Freitas nesta gravação estupenda. E o finale acomoda nossos ouvidos a um pulso regular onde se sobressai a percussão. 

Não deixe de ouvir as Três abstrações e sobretudo as Interações assintóticas

Falei pouco sobre a interpretação da Filarmônica de Goiás. Não surpreende a qualidade das execuções. Neil Thomson vem fazendo um trabalho extraordinário com o grupo. E mantém um nível elevado neste álbum, ao encarar obras tecnicamente desafiadoras e sair vencedor – ele e seus ótimos músicos. Longa vida à Filarmônica de Goiás. E que o maestro britânico permaneça entre nós por muitos e muitos anos.

O disco está disponível na Loja CLÁSSICOS; clique aqui.

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Marina Martins durante concerto com a Filarmônica de Goiás e Neil Thomson no Auditório Claudio Santoro, em Campos do Jordão [Divulgação]
Marina Martins durante concerto com a Filarmônica de Goiás e Neil Thomson no Auditório Claudio Santoro, em Campos do Jordão [Divulgação]

 

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