Excelente elenco em uma montagem de amplidão fria

por Jorge Coli 29/07/2019

João Luiz Sampaio já escreveu neste Site CONCERTO sobre o atual Rigoletto do Theatro Municipal de São Paulo, bem melhor do que eu posso fazer. Mas assisti a uma récita no dia 26 e não resisto em pôr minha colher torta na farofa. De qualquer modo, as óperas no Municipal tornaram-se tão raras que a apresentação de uma delas virou um acontecimento fora do comum, merecendo, assim, uma atenção maior.

A impressão musical mais forte que me fica é a de Gilda, cantada pela russa Olga Pudova. Linda, jovem, com voz luminosa, sensível, revelando certa fragilidade nos agudos extremos, infalível no andamento e na afinação, ela campou a mais convincente das Gildas.  Neste link, você pode ouvir um Caro nome cantado por ela no teatro Mariinsky.

Fabian Veloz, barítono argentino que assumiu o papel-título, se não mostrou um volume vocal impressionante, possui musicalidade e timbre de grande beleza: fiquei pensando que certamente faria um esplêndido Rodrigo de Posa, ou um Hamlet, na ópera de Ambroise Thomas. Ouçam-no nesta interpretação de Cortigiani, vil razza.

Fernando Portari, fortemente diminuído por uma gripe, sustentou no entanto seu papel, excelente em cena, e sabendo driblar as dificuldades que seu estado físico impunha.

Luiz-Ottavio Faria é um jovem cantor com grande carreira internacional pela frente, e seu Sparafucile foi sinistro, assustador. Para quem não o conhece ainda, aqui, numa ária de Nabucco, a segurança da emissão e a qualidade do timbre evidenciam-se. Magnífico, o canto de Juliana Taino, mezzo-soprano de apenas 28 anos, como Maddalena. Para ter uma ideia, ouçam-na aqui, numa ária de I Capuleti e i Montecchi, de Bellini. No pequeno papel de Monterone, Davi Marcondes, que no começo do ano encarnou um notável Figaro no Municipal, conferiu ao velho pai uma autoridade, e um vozeirão de primeira linha.

Excelente elenco, portanto. Roberto Minczuk tomou a partitura com grande vitalidade e vibração, por vezes talvez sacrificando os abandonos líricos necessários para o belo desenvolvimento da melodia. Se, no início, tudo parecia exterior, aos poucos a intensidade emotiva cresceu, para culminar num último ato comovente e doloroso.

Cena de 'Rigoletto', de Verdi, em cartaz no Theatro Municipal de São Paulo [Divulgação/Fabiana Stig]
Cena de Rigoletto, de Verdi, em cartaz no Theatro Municipal de São Paulo [Divulgação/Fabiana Stig]

Em sua crítica publicada aqui no Site CONCERTO, João Luiz Sampaio fez uma análise aprofundada da montagem de Jorge Takla. Os cenários de Nicolás Boni são de indiscutível beleza, e as projeções no fundo – sobretudo as do palácio à beira do canal, perto da casa de Rigoletto, e o rio Mincio, com águas revoltas durante a tempestade do último ato. As pinturas de Giulio Romano para a Sala dei Giganti, no Palazzo Te, mandado construir pelo verdadeiro duque de Mântua, serviram para figurar salas em derrocada, numa impressão de amplidão fria.

Resta um problema, porém. A direção de atores pareceu bem ausente e os espaços largos não facilitavam a tarefa dos atores, na maior parte do tempo entregues a si mesmos. Mostravam-se perdidos: os duetos entre Rigoletto e Gilda não ofereciam nenhuma impressão de entrosamento.

Seja como for, um excelente Rigoletto, com montagem, e protagonista, trazidos do Teatro Colón de Buenos Aires.

A direção do Municipal teve que acrescentar uma récita suplementar, tão grande é o sucesso desta ópera. Tal demanda reforça o dever que o poder público tem para com a cidade, em relação à música, e mais particularmente à ópera. Que um teatro como o Municipal se limite a apresentar apenas três óperas e uma opereta, como ocorre este ano, é inadmissível. Esperemos que, enfim, ele adquira a estabilidade necessária para a produção regular de óperas e concertos, em temporadas bem estudadas e planejadas de antemão. É um mínimo.

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