Kristine Opolais encerra temporada da Cultura Artística com fama, fardo e volume

por Márvio dos Anjos 25/11/2023

Kristine Opolais chegou ao Brasil para um concerto no Rio de Janeiro e outros dois em São Paulo carregando uma fama e um fardo. A fama era de uma das melhores sopranos lírico-spinto, despontada nos anos de 2014 e 2015, quando dominou o Metropolitan Opera House em papéis de Puccini, e o fardo é exatamente este. 

Desde 2017, sua carreira se afastou do Lincoln Center, eclipsada por algumas críticas negativas e, lógico, a pandemia. A Rusalka, de Dvórak, foi seu último grande momento. Esse hiato nova-iorquino, porém, há de se encerrar: Opolais está programada na temporada 2024 do Carnegie Hall cantando em janeiro a Lady Macbeth de Mtsensk, de Shostakovich.

Tivemos em terras brasileiras, portanto, uma cantora na preparação de uma guerra de reconquista. 

Assim, todo cuidado é pouco: no recital da quarta-feira, em São Paulo, ela desistiu de cantar o Ritorna Vincitor, de Aida (papel que cantou neste ano na sua Lituânia natal), e a Habanera, de Carmen, papel de que declaradamente não gosta. Apostou assim nos cavalos de batalha mais frequentes de sua recente carreira: em 2022, foi Madame Butterfly em Dresden, Wroclaw (Polônia) e Salerno, na Itália. Em 2021, foi Adriana Lecouvreur (de Cilea) em Bolonha.

A primeira parte do recital, aberta com Io son l'umile ancella, da Adriana Lecouvreur, mostrou que Kristine Opolais tem realmente lidado com fortes dificuldades. É pouco natural que uma grande soprano, aos 44 anos, não tenha mais qualquer frescor na voz. O timbre não é luminoso, o vibrato está prestes a começar a preocupar e há uma difícil compreensão das palavras em língua italiana. Além disso, há um curioso vício no início de frases na região média, em que Opolais parece não ocupar todo o espaço do palato e sente-se uma hesitação a cada primeira nota. 

É inegável, porém, o volume da soprano, e isso confirma o grande dilema de sua carreira. Na tentativa de recuperar o terreno perdido sob a observação de que sua voz soa mais magra do que em seu apogeu, Opolais parece apostar numa capacidade de emitir muito volume, o que até faz sentido dentro do repertório operístico que apresentou, mas nem tanto quando acompanhada por um simples piano.
 
Assim, ária após ária, Opolais emitiu muito, mas não se aproveitou do potencial camerístico de seu recital. Sem lapidar os sons que projetava, sua interpretação de Pace, Pace, Mio Dio – de A força do destino, de Giuseppe Verdi – foi monótona, contrastando-se, porém, com o dramático negro estrelado do conjunto de vestido, capa e luvas que usou na primeira parte. 

Na segunda parte, já de azul e branco, a soprano recorreu ao talento de atriz para dar um pouco mais de distinção ao seu recital, mas a experiência, mesmo quando chegou nas duas árias da Butterfly (Un bel dí vedremo e Con onor muore), não era especialmente encantadora, ainda que se reconheçam a maior intimidade com o texto e uma perceptível emoção da intérprete, que abraçava a pianista como num grande triunfo. Tudo isso tornou a segunda metade um pouco mais interessante que a primeira, para quem estava no exercício de decifração: de qual triunfo estamos falando?

Sua última carta na manga, porém, garantiu-lhe uma simpática aprovação de um público que lhe foi gentil toda vida. Depois que Agnese Eglina tocou Clair de lune, da Suíte Bergamasque op. 75, de Debussy, Opolais surgiu pelos fundos da plateia e cantou a Canção à Lua, delicada ária da Rusalka, do tcheco Antonín Dvórak. O tom de barcarola, a aproximação física do corpo cantante andando pelas passarelas da plateia da Sala São Paulo e o fim do italiano com sotaque de Riga tornou delicado um recital que teve muito de esquecível. 

O público lhe deu a chance de apresentar dois bis, e Opolais mostrou gratidão. Como era de se adivinhar, cedeu a O mio babbino caro, de Gianni Schicchi, e encerrou a noite com o Sonho de Doretta, de La Rondine, ambas de Puccini. 

Num recital em que faltou refinamento vocal e sobrou volume, a Cultura Artística concluiu uma temporada que teve grandes momentos com os recitais de András Schiff (piano), Jordi Savall e Les Concert des Nations (princípio do Barroco). Em 2024, o público finalmente retornará ao restaurado Teatro Cultura Artística.

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A pianista Agnese Eglina e a soprano Kristine Opolais durante concerto na Sala São Paulo [Divulgação/Cauê Diniz/Cultura Artística]
A pianista Agnese Eglina e a soprano Kristine Opolais durante concerto na Sala São Paulo [Divulgação/Cauê Diniz/Cultura Artística]

 

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O programa de Kristine e Agnese para o concerto na sala São Paulo dia 21/11 foi sensivelmente modificado. Kristine parecia se poupar. O programa apresentado, muito bonito sem dúvida, era bem menos exigente que o programa original.
O que houve? Como está a saúde de Kristine?
O concerto foi ótimo, com a magnifica Agnese e a não menos magnífica Kristine. Que Kristine se recupere muito em breve!!
Parabéns Cultura Artística!

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