Domingo, dia 28 de novembro, 18 horas: concerto de câmera na Sala São Paulo.
O Quarteto Osesp (Emmanuele Baldini, Davi Graton, Peter Pas e Rodrigo Andrade) iniciou com Fratres, obra de 1977 escrita por Arvo Pärt. O compositor não previu formação fixa, e isso significa que o resultado tímbrico pode variar. No caso, a sonoridade do quarteto reforçou o caráter espiritual elevado. A fina insinuação da abertura, os etéreos harmônicos que soavam como vindos de outro mundo, as repetições que ocorrem parecendo novas a cada vez, a interação demonstrada entre os instrumentistas, tudo foi íntimo, interior, comovente. Ondulações sonoras fazendo-nos mergulhar no fundo místico que existe dentro de nós mesmos.
Depois desse percurso meditativo, que o quarteto soube traçar do modo o mais maravilhosamente incorpóreo, foi o contraste vindo da obra encomendada pela Osesp, e apresentada em estreia mundial, do compositor brasileiro Caio Facó. Ele é jovem, não tem ainda trinta anos. Sua composição, intitulada O lugar de todas as coisas, é feita de intensidades contidas ou dramáticas. É um romantismo vazado em expressionismos, com apelos, travessias angustiadas, expectativas nervosas, golpes enérgicos, quase violentos, tudo isso traçado numa sombra brilhante, de noturnos intranquilos. Nenhuma frieza, mas nenhuma convulsão, como se estivéssemos à beira de um abismo sem avançar para o passo fatal: o ouvinte compartilha angústias. A obra evoca, ao mesmo tempo, todo um passado da história musical, com força de criação poderosa e nova. O Quarteto Osesp empenhou a fundo suas excelentes qualidades para revelar essa estreia, francamente admirável.
A última obra, o Quarteto para piano e cordas op. 41, de Saint-Saëns, introduziu um contraste complementar ao programa. Saint-Saëns foi considerado um “pompier”, um acadêmico, “de la mauvaise musique, bien écrite” – música ruim bem escrita –, como se disse de suas obras. A forma de suas composições é perfeita e elegante: a questão é que ele foi reduzido, injustamente, apenas a isso: um formalista brilhante.
No entanto, basta ouvir, sem preconceitos e com sinceridade, o op. 41 para se perceber a grandeza de Saint-Saëns, e sua capacidade de criar genuína beleza. Esse quarteto para piano tem a convicção idealista da bela estrutura, a intuição da poesia que combina os timbres, numa amplitude aristocrática. É, sem dúvida, grande arte, elevada e clássica.
Creio ser possível conceber, ao menos, duas maneiras contrastantes de tocar esse quarteto. Uma, é pela fusão camerística de todos os intérpretes, num equilíbrio de manifestações. Outra, é de transformá-lo como que num concerto para piano, acompanhado por um trio de cordas. A complexa escrita para o piano e os traços de virtuosidade pianística autorizam, talvez, esta maneira de conceber.
Em todo o caso, foi o que ouvimos. As cordas se faziam discretas, tomando a função de um pedestal para o piano. Isso fez sobressair a beleza do toque de Juliana Steinbach, que possui algo de carnal e voluptuoso, e sua excelência como virtuose. No final do segundo movimento, essa valorização do piano era particularmente sensível, quando ele adquire de maneira expressiva, aspectos mais concertantes.
Os intérpretes foram calorosamente aplaudidos, com toda justiça, e Juliana Steinbach brindou o público com um bis: a Dança dos espíritos abençoados, que Giovanni Sgambati transpôs para o piano, balé composto por Gluck em sua ópera Orfeu e Eurídice. Bis favorito de Guiomar Novaes, a quem Juliana Steinbach prestou assim uma homenagem, tocando o coração do público com a mais bela e comovente sensibilidade.
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