Na volta à Sala São Paulo, um concerto memorável

por Jorge Coli 30/08/2021

Há um ano e meio a pandemia me impedia de assistir a concertos ao vivo. Foi com emoção que entrei na sala São Paulo na quinta, dia 26 de agosto, para, enfim, depois de tanto tempo, ouvir música ao vivo. Por mais que as gravações sejam companheiras, nada substitui a beleza sonora original. Ainda mais na Sala São Paulo, tão esplêndida e acolhedora, ao mesmo tempo.

Eu esperava descobrir a Sinfonia nº 6 de Christopher Rouse – compositor americano falecido há dois anos. Seria sua estreia na América Latina, sob a direção de Louis Langrée. Mas recebi o aviso que o maestro e o programa haviam mudado. Mantinha-se a Terceira de Brahms, que deveria completar a apresentação de Langrée, mas substituía-se a estreia pela Quarta de Schumann, num programa agora mais habitual. A regência seria de Xian Zhang, chinesa, que se impõe diante de ilustres orquestras internacionais.

Para mim, que a ouvia pela primeira vez, foi uma revelação. E um espetáculo eletrizante: ver a pequenina chinesa, nessa profissão da regência, tão tiranizada, ainda hoje, pelos homens, dominar a massa orquestral com tanta autoridade e tanta precisão, com clareza expressiva nos gestos que os músicos captavam sem hesitar.

Ela infundiu energia efervescente no seu Schumann: sua introdução, feita de apreensões, de expectativas angustiantes, até afirmação alerta do primeiro movimento se fez com finíssima sutileza. Era impressionante como a energia brotava da estrutura “rapsódica” dessa obra, num andamento levado com coerência e constância. Tudo era claro e vivo, sem nenhuma dissecção analítica das notas, mas com um grande sentido da fluência. A Romanze, o segundo movimento, soou contida, mas, por isso mesmo, mais comovente – e como soaram as cordas da Osesp!

Do terceiro para o quarto movimento a passagem fluiu lindamente, e a apoteose final se deu num triunfo verdadeiro, sem nenhuma retórica bombástica, como se ouve às vezes em intepretações à busca do efeito fácil.

 

Entre uma obra e outra não foi concedido intervalo – o que é coerente com as proteções necessárias nestes tempos de pandemia. E, mesmo, a qualidade da primeira interpretação abrira o apetite para mais: foi então melhor assim, que Brahms sucedesse rapidamente a Schumann.

Nada do Brahms pesado e indigesto: tudo estava na leveza, e tudo se construía como um organismo límpido. Zhang obteve uma constante transparência que permitia ouvir as relações mais finas entre todos os naipes. A eloquência nunca se transformou em grandiloquência. A polifonia do segundo movimento, tão delicada, ganhou muito com esse tratamento, alcançando uma graça espiritual, no sentimento de esperança apaziguada transmitido pelas madeiras. 

A música de Brahms oferece, com frequência, longas melodias ondulantes que se manifestam em expansão e retraimento: há algo de “respiratório” nesses momentos. O celebérrimo terceiro movimento da terceira sinfonia é um exemplo esplêndido disso. Xian Zhang inseriu em tudo vibração delicada, acariciante. O último movimento, com seu tema afirmativo, elevou todas as energias do público.

Zhang soube oferecer essas duas obras de modo admirável. Está claro que essa admiração vai conjunta para a alta qualidade da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, em particular grande forma naquela noite.
Um concerto muito curto: começou às 20 horas e terminou às 21h10. Um concerto memorável, porém. Saí renovado, com novas esperanças, que andavam tão murchas em mim.

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Xian Zhang rege a Osesp durante concerto no dia 27 de agosto [Reprodução/YouTube]
Xian Zhang rege a Osesp durante concerto no dia 27 de agosto [Reprodução/YouTube]

 

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