Concerto da Osesp revela uma das mais originais vozes do cenário musical contemporâneo
Esteban Benzecry nasceu em 1970, em Lisboa, mas é argentino. E foi na Argentina que cresceu. Estudou composição com Sergio Hualpa e Haydée Gerardi ao mesmo tempo que se formou em artes plásticas. Com 27 anos transferiu-se para a França, onde estudou no Conservatório de Paris com Jacques Charpentier e Paul Méfano. Hoje, aos 53 anos, Benzecry é autor de uma vasta obra que inclui criações sinfônicas (três sinfonias), concertos para violino, clarinete, piano e violoncelo, música de câmara e vocal.
Eu já conhecia a música de Esteban Benzecry pelo seu CD lançado em 2020, pela Naxos, com a Lviv National Philharmonic Symphony Orchestra da Ucrânia sob direção de Pablo Boggiani (clique aqui para ouvir no Spotify). Ali está registrado o seu concerto para violino, um ciclo de canções e o concerto para clarinete. A sua inventividade e potência musical são de cair o queixo.
Ao lado da Passacalha para o novo milênio de Edino Krieger, dos Três movimentos tanguisticos portenhos de Piazzolla e das Danças sinfônicas de West Side Story de Leonard Bernstein, o Concerto para piano e orquestra de Esteban Benzecry, que leva o título de Universos infinitos, foi apresentado pela Osesp nesta semana. O solista foi o pianista venezuelano Sergio Tiempo e a regência de Roberto Minczuk.
A obra – escrita em 2011 e estreada em 2019 pela Filarmônica de Los Angeles, sob regência de Gustavo Dudamel, também com o pianista Sergio Tiempo, a quem foi dedicada – é de um vigor e criatividade impressionantes. Conforme o texto do programa, redigido pelo próprio compositor, “o concerto recebeu um título [Universos infinitos] que se relaciona ao homem e à sua conexão com seus universos interiores e exteriores, num mundo anterior à nossa civilização, onde o tempo era regido pelos ciclos planetários e agrícolas”. Assim, a música, que também faz citações de temas indígenas, descreve “a percepção dos universos ancestrais”, a “busca pelo equilíbrio entre o apolíneo e o dionisíaco”, “o espírito feminino protetor dos sonhos” ou o início de um novo ciclo agrícola de povos originários da América do Sul.
Se essa temática serviu de inspiração ao compositor, ela não transparece diretamente no resultado sonoro. A obra, vazada em uma linguagem tonal moderna, multifacetada, com clusters sonoros e glissandros orquestrais, desafia rótulos. O piano, brilhante e virtuosístico, tem forte presença concertante, mas também algumas passagens solo, quase como cadências. No todo, o instrumento está organicamente inserido na rica e diversificada malha sonora orquestral, que também inclui a harpa e a celesta. É uma exuberância multicolorida de sons, com mudanças de andamentos e atmosferas sonoras – universos infinitos! –, que denotam um raro artesanato composicional. Sem dúvida, a criação musical de Benzecry é uma das mais originais da atualidade.
Assisti ao concerto de sexta-feira, dia 4 de agosto, e o impacto da música deveu-se também ao extraordinário solista Sergio Tiempo e ao ótimo desempenho da Osesp, dirigida com convicção por Minczuk. Uma narrativa musical fluente, encadeamentos orgânicos, naipes homogêneos e equilibrados aliados a competentes solos instrumentais resultaram em uma apresentação muito consistente da obra. A interpretação prendeu a atenção.
Muito aplaudido, Sergio Tiempo voltou ao palco e tocou, como bis, Joropo, uma breve e cativante obra do compositor venezuelano Moisés Moleiro.
Mas o concerto foi, no todo, um sucesso. Não sou muito adepto desses repertórios “temáticos”, mas aqui, dentro de um festival denominado “diálogos latinos”, a proposta era exatamente esta.
Foi muito boa a interpretação da obra de Edino Krieger que abriu a noite, Passacalha para um novo milênio, encomendada pela Osesp e estreada em 1999 sob direção do próprio Minczuk. Após o intervalo, seguiu-se a obra de Piazzolla e, fechando a apresentação, uma brilhante e inspirada interpretação das Danças sinfônicas de West Side Story, de Bernstein.
O programa desta semana marcou ainda, após 12 anos, o retorno de Roberto Minczuk à Sala São Paulo dirigindo a Osesp. O maestro foi diretor artístico adjunto e regente associado da orquestra de 1997 a 2005, época em que a orquestra era dirigida por John Neschling e viu a inauguração da Sala São Paulo. Um dos mais brilhantes músicos brasileiros da atualidade, Minczuk é regente titular da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo desde 2017, onde tem se destacado também como regente de óperas.
Clique aqui para ouvir a gravação do concerto da Osesp no YouTube.
[A Filarmônica de Minas Gerais também apresenta a peça de Benzecry nos dias 10 e 11, com Sergio Tiempo e José Soares; veja mais detalhes no Roteiro do Site CONCERTO]
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