Venham a Campinas!

por Jorge Coli 01/06/2022

Quando houver um recital na Sala Watari, venham a Campinas. O lugar tem uma poesia mágica. Parece que mudamos um pouco de mundo ao chegar naquela chácara, à noite, situada nos confins de Barão Geraldo, ao subir até a sala acolhedora e requintada, com acústica que valoriza os sons, e passar duas horas ouvindo a melhor música.

Foi assim no sábado, dia 28, com a apresentação do duo Hugo Pilger e Ney Fialkov, num programa muito bem pensado para violoncelo e piano. 

Pilger extrai uma sonoridade sedosa e íntima do violoncelo e, com um fraseado perfeito, se entrega a um desenho lírico da melodia. Fialkow é mais estrito, mais reflexivo. São temperamentos musicais diferentes que, no entanto, se combinam com rara integração. 

Os dois Villa-Lobos que abriram o programa, O canto da nossa terra – da Bachianas nº 2 – e O canto do cisne negro, mostraram a altura estratosférica da qualidade interpretativa. Em seguida, a Sonata nº 2, de Claudio Santoro constituiu um ponto altíssimo. Essa partitura complexa, de difícil execução, numa escrita dodecafônica ma non troppo, nem sempre dispensando o conforto do acorde tonal, mostra que Santoro compôs obra digna das maiores que o século XX viu nascer. A fusão da voz do violoncelo e do rigor das teclas, obtida pelos intérpretes, foi impressionante. 

Pilger e Fialkov gravaram um CD propriamente histórico, com a obra integral de Santoro para violoncelo e piano (quatro sonatas mais três obras avulsas): o disco foi indicado para o Grammy Latino de 2021, na categoria de “Melhor Álbum Clássico”. Não era preciso essa mais que merecida indicação: sua beleza, qualidade e importância revelam-se por si só.

A segunda parte do programa começou com a transcrição e transposição que Villa-Lobos fez do Prelúdio nº 8 de O cravo bem temperado, de Johann Sebastian Bach: magnifica melancolia, em que as cores do violoncelo se carregaram de matizes infinitos.

Grande momento conclusivo: a Sonata nº 1 em mi menor, op. 38, de Johannes Brahms, obra que tem vínculos estreitos também com o mestre de Leipzig e que foi concebida como fusão completa entre o piano e o violoncelo.

No primeiro movimento, o expressivo legato, primeiro tema, nobre, plástico, se irradia e se insinua dentro da alma: somos imediatamente conquistados pela plenitude sonora e pela concentração estrutural obtidas pelos dois intérpretes. 

No segundo, o Allegretto quase minueto prossegue bi temático, como o primeiro, numa elegância que parece sonhar com nostalgias dos requintes rococó. 

Contrastante, afirmativo, enérgico, eloquente, complexo, o último movimento é um desafio para os intérpretes. Dentro de  seu estilo fugato, evita qualquer rigidez: a fantasia, por vezes sugerindo mesmo o improviso, se mescla à estrutura. Como os dois intérpretes se complementaram para atingir a beleza e a profundidade concebida por Brahms!

Depois disso, os bis: uma linda composição de Nelson Ayres, Perto do coração, noturno de grande sentimento e, enfim, O cisne, de Saint-Saens, parceiro do outro cisne, o negro, de Villa-Lobos.

O duo formado por Hugo Pilger e Ney Fialkow apresenta-se nesta quarta-feira, dia 1º, na Sala Cecília Meireles; veja mais detalhes aqui.

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Ney Fialkow e Hugo Pilger [Divulgação/Leo Aversa]
Ney Fialkow e Hugo Pilger [Divulgação/Leo Aversa]

 

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