Cantar brasileiro para celebrar 85 anos do Coral Paulistano

por Camila Fresca 27/05/2021

Com a súbita suspensão das atividades presenciais pela pandemia de coronavírus, susto e paralisia tomaram conta do meio erudito. Pouco tempo depois, nossas grandes instituições foram paulatinamente transferindo as atividades presenciais para o universo digital, com a gravação ou transmissão ao vivo de concertos, live de debates, cursos online etc. 

Parece que agora chegamos a um novo momento: o de pensar uma programação musical considerando, desde a sua concepção, o meio pelo qual ela chegará ao público. Isso abre um novo leque de possibilidades, improváveis ou mesmo impensáveis antes da pandemia.  

Este é o caso do ciclo “Cantar Brasileiro”, uma feliz iniciativa do Theatro Municipal de São Paulo para comemorar os 85 anos do Coral Paulistano. Em 1936, quando era diretor do Departamento de Cultura da prefeitura de São Paulo, Mário de Andrade criou o grupo com um objetivo específico: interpretar o canto lírico em português. Para Mário, o canto erudito podia unir elementos do folclore nacional (na composição das obras) à “fala brasileira”, ou seja, o uso local da língua portuguesa, que se manifestava na oralidade e era diferente do português europeu praticado na escrita. 

Mário se aprofundou nesse assunto em artigos, no projeto inacabado “Gramatiquinha da fala brasileira”, bem como no Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada, que aconteceu no Theatro Municipal de São Paulo em julho de 1937 com convidados de diversos estados do país. Um dos resultados do encontro foi o documento “Normas para boa pronúncia da língua nacional no canto erudito”, publicado na Revista do Arquivo Municipal de São Paulo. 

É com esse contexto em mente que o Municipal lançou o “Cantar Brasileiro”. Quatro vídeos do Coral Paulistano procuram explorar as possibilidades de se realizar o canto lírico em português. O primeiro deles, estreado no dia 18 de maio, é dedicado a Beba coca-cola, de Gilberto Mendes. Sem falas ou qualquer tipo de introdução, o vídeo se inicia com a icônica peça de Mendes, escrita em 1966 a partir de poema de Décio Pignatari e que já se tornou um clássico do repertório coral brasileiro. 

 

A arejada concepção visual procura captar a irreverência da peça com uma edição ágil, que alterna a imagem dos cantores em pequenos quadros com animação do texto, e em alguns momentos transforma essas pequenas imagens dos músicos numa animação em si. Depois da interpretação, a regente do Paulistano, Maíra Ferreira, conversa sobre a obra com Renato Figueiredo, pianista do conjunto e ex-aluno de Gilberto Mendes. 

No último dia 25, o segundo vídeo do ciclo trouxe uma estreia: a peça Carrega-me contigo no amanhã, para coro feminino e piano, escrita pela compositora Juliana Ripke para o projeto, a partir de poema de Hilda Hilst. Mais uma vez, o visual foi pensado a partir do material sonoro, e temos uma delicada participação da bailarina Camila Ribeiro, do Balé da Cidade de São Paulo, e da pianista Rosana Civile. Após a peça, Maíra conversa com a autora, Juliana Ripke, sobre a concepção da obra e seus significados. 

 

O preparo, ensaios e gravações foram virtuais e os vídeos têm dez minutos de duração, o que também é pouco usual para os padrões clássicos. Em poucos minutos, um conteúdo visualmente atraente apresenta música bem interpretada e promove uma breve, mas eficiente, discussão. Ainda há mais dois lançamentos: no dia 1º de junho, a estreia de Motetos do pretérito – III. Libera me, para coro masculino, do compositor Antonio Ribeiro e, na semana seguinte, dia 8, o encerramento será dedicado à Suíte dos pescadores, de Dorival Caymmi, no arranjo de Damiano Cozzella.

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Cena do vídeo dedicado a obra de Juliana Ripke [Reprodução]
Cena do vídeo dedicado a obra de Juliana Ripke [Reprodução]

 

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Comentários

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Mario de Andrade fez mais do que abrir portas para o canto lirico em português. Ao criar o Coral Paulistano o fez para que existisse um grupo capaz de CANTAR EM BRASILEIRO a música universal, ou seja: um grupo que desse à interpretação de obras universais, em qualquer língua e estilo, a personalidade Brasileira.

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