Sonoridade especial

por Camila Fresca 01/08/2019

Coro Lírico Municipal de São Paulo comemora 80 anos com espetáculo no Theatro Municipal de São Paulo

No fim dos anos 1930, o Theatro Municipal de São Paulo, fundado em 1911, era uma jovem instituição prestes a completar três décadas. À época, a casa atendia aos desejos da elite cafeicultora e industrial paulistana de um espaço que pudesse sediar os espetáculos das companhias estrangeiras que por aqui aportavam e que, ao mesmo tempo, simbolizasse o poder e o desenvolvimento da cidade. 

O Municipal já contava com o Coral Paulistano, criado em 1936 pelo então secretário de cultura Mário de Andrade, que queria estimular o canto coral em português. Também por influência dele, a casa passou a ter um primeiro corpo estável de instrumentistas, por meio de uma parceria entre o Departamento de Cultura e a Sociedade de Cultura Artística. Em 1939, esse grupo foi definitivamente integrado ao teatro com o nome de Orquestra do Theatro Municipal de São Paulo (até ser rebatizado, dez anos depois, como Orquestra Sinfônica Municipal – OSM). 

Faltava, no entanto, um conjunto vocal dedicado a acompanhar as montagens de ópera que, agora, podiam ser feitas pelos artistas locais, não dependendo apenas das companhias estrangeiras. Essa lacuna foi preenchida também em 1939, com a criação do Coro Lírico Municipal. O maestro Fidelio Finzi, seu primeiro diretor, preparou os cantores para a estreia numa montagem de Turandot, no dia 13 de junho do mesmo ano. 

O diretor seguinte, a partir de 1947, foi Sisto Mechetti, mas somente em 1951 o coro foi oficializado. Desde então, o grupo já foi dirigido por Tullio Serafin, Olivero de Fabritis, Eleazar de Carvalho, Armando Belardi, Francisco Mignone, Villa-Lobos, Roberto Schnorrenberg, Marcello Mechetti, Fábio Mechetti e Bruno Greco Facio. 

Mário Zaccaro assumiu a direção em 1994 e permaneceu até 2013, reassumindo a função em 2017. No entanto, sua relação com o grupo é ainda anterior, data de 1977, ano em que ingressou no Coro Lírico como cantor. Sob sua batuta, o grupo recebeu os prêmios de Melhor Conjunto Coral (1996, pela APCA) e o Carlos Gomes na categoria Ópera (1997). 

O Coro Lírico Municipal em cena da ópera Cavalleria rusticana [Divulgação]
O Coro Lírico Municipal em cena da ópera Cavalleria Rusticana [Divulgação]

O Coro Lírico atualmente é formado por 88 cantores. Sua função primordial é atuar nas montagens de ópera das temporadas do Theatro Municipal. Também integram sua agenda concertos coral-sinfônicos com a OSM, espetáculos com o Balé da Cidade e apresentações próprias. Zaccaro revela que, sob seu comando, o coro já teve 124 cantores e que há alguns anos pleiteia um aumento do número atual. “Em meu entendimento, deveríamos ter no mínimo 106 cantores”, diz.

A idade dos membros é variada, e o grupo pode se subdividir em até oito naipes. “É um trabalho profissional que implica um aprendizado contínuo”, afirma Zaccaro. “O cantor não apenas melhora sua posição no coro, ele também melhora como solista a partir de seu trabalho aqui”, completa. Muitos dos coralistas que integram o Coro Lírico, de fato, dividem-se entre o grupo e trabalhos solo. 

Décadas de atividades com centenas de cantores guardam sem dúvida muitas histórias. Músicos que passaram toda a vida profissional no conjunto, outros que conheceram o cônjuge e formaram família ali. Com mais de vinte anos de carreira no Coro Lírico, a mezzo soprano Mônica Martins é uma que tem muito a contar. Foi a cantora mais nova a ingressar no grupo, aos 19 anos, na década de 1990. Logo foi escalada para solar nas produções da casa e, em 1996, resolveu tentar carreira solo na Europa. Ficou quatro anos fora e voltou por questões familiares.

“No Brasil, temos uma realidade difícil, com poucas oportunidades para cantores solistas”, explica. “Assim, muitos cantores que teriam condições de se tornarem solistas optam por uma situação mais segura, que é estar empregado num coro.” O efeito colateral disso, no entanto, é um grupo de alto nível formado em boa parte por solistas. “Creio que o Coro Lírico é um dos melhores do mundo no gênero por causa da sonoridade e do profissionalismo dos cantores que dele fazem parte. Os artistas internacionais que ouvem o coro ficam impressionados”, conta Mônica.

Ela também relembra que, quando entrou no conjunto, “cantava ao lado de estrelas da ópera no Brasil”: “Elas eram rígidas e me ensinaram muita coisa. Foi com elas que aprendi que o público não vai ao teatro apenas para ouvir, mas também para ver”. Para Mônica, estar no palco do Municipal ao lado dos colegas é participar de algo sagrado. “A importância do Coro Lírico é justamente essa junção de solistas que emprestam sua voz e formam essa sonoridade especial. Fico sempre emocionada, orgulhosa e feliz de fazer parte desse som.”

Para celebrar os 80 anos, o Coro Lírico se apresenta nos dias 23, 24 e 25 ao lado da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo em grandes peças corais e trechos de óperas, sob regência de Mário Zaccaro e com direção cênica de Nelson Baskerville. Também integra as comemorações uma exposição com imagens históricas do grupo, que deve estrear em outubro. 


AGENDA
Orquestra Sinfônica Municipal
e Coro Lírico Municipal de São Paulo
Mário Zaccaro – regente / Nelson Baskerville – direção cênica
Dias 23, 24 e 25, Theatro Municipal de São Paulo