Há doze anos à frente da orquestra do Theatro da Paz, Miguel Campos Neto abre ano com viagens pelo exterior
A conexão de vídeo para a conversa da CONCERTO com o maestro Miguel Campos Neto oscilava. Ele falava de Parauapebas, município paraense 719 quilômetros ao sul de Belém, onde a Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz, da qual é regente titular desde 2011, faria um concerto de Natal. “Viajamos doze horas para tocar aqui”, conta ele. “É uma missão, a nossa; afinal, somos uma das duas únicas orquestras profissionais do Norte do país”.
Miguel é elogiado por seu detalhismo e seu cuidado – Irineu Franco Perpetuo, por exemplo, descreveu na CONCERTO sua regência de O peru de Natal, de Leonardo Martinelli, em 2019: a “batuta firme e precisa de Miguel Campos Neto, sempre atento às demandas de cantores e instrumentistas, demonstrou todo o carinho e a dedicação que uma partitura executada pela primeira vez merece”.
Ele cursou violino e piano no Conservatório Carlos Gomes (“minha mãe, que tentava nos proporcionar de tudo, me matriculou”), fez mestrado em regência na Mannes School of Music em Nova York. Lá, intrigado com a ausência de treinamento para o mundo lírico, teve aulas particulares com o maestro do Metropolitan Opera Joseph Collaneri, do corpo docente. “No currículo regular, havia uma única aula sobre regência de voz… E eu sempre adorei ópera, mesmo quando era violinista no fosso, em Belém.”
Mas sua verdadeira formação, ele considera, veio a partir de 2008, quando se tornou assistente de Luiz Fernando Malheiro em Manaus. “Assistia às óperas do Met, claro, mas quando comecei a trabalhar com Malheiro… Bem, quem o conhece sabe que ele respira ópera. Foi um fascínio total. Ele foi meu grande mentor, junto com Marcelo de Jesus.” Eram três ensaios por dia, dos diferentes títulos do Festival Amazonas de Ópera. Miguel se sentiu em casa. “Finalmente eu colocava a mão na massa. Os três anos em Manaus me deram uma visão completamente nova da música. Já no primeiro ano ensaiei grandes títulos líricos.”
Em 2007, Miguel havia se tornado regente da Orquestra Vale Música, projeto sociomusical da empresa mineradora em que trabalhou até 2019 e ainda atua como convidado. Naquela época, recebeu um convite da grande educadora musical Glória Caputo, à frente da Fundação Amazônica de Música: criar uma orquestra jovem. “Ela me conhecia desde o conservatório. Ali formamos ótimos músicos, muitos deles hoje na Orquestra do Theatro da Paz.” No mesmo período, entrou por concurso na Escola de Música da universidade federal. “Dou aulas de regência e prática de orquestra na Sinfônica Altino Pimenta, da faculdade.”
Mas ele volta ao assunto que abriu a conversa: “Não é possível um estado imenso como o Pará ter apenas uma orquestra profissional! Só no estado, pelo menos cinco cidades poderiam ter – e gostariam de ter – orquestras sinfônicas. Há desejo, há dinheiro, por que não se faz? Precisamos fundar, manter e valorizar núcleos culturais pelo Brasil todo, em todas as modalidades, pelo efeito polinizador na sociedade. Temos muito poucas orquestras e escolas – e ainda menos casas de ópera no país”.
O 2023 profissional se inicia com a participação tradicional da OSTP na festa de fundação de Belém do Pará, em 12 de janeiro. Ele segue, então, para Nova York, onde criou, com Yaniv Segal, a Chelsea Symphony. “Rejo o grupo, agora como laureate conductor, nos dias 20 e 21 no DiMenna Centers; e vou para Los Angeles com a Irvine Symphony.” Na Europa, além de compromissos na Espanha e na Hungria, ele volta em março pela quinta vez consecutiva – com exceção de 2021, pela pandemia – ao pódio da importante Orchestre National Avignon-Provence. “Desta vez, farei com eles Il turco in Italia, de Rossini.”
No Brasil, além das performances com o grupo paraense, estará à frente da Orquestra do Theatro São Pedro e da Orquestra de Guarulhos, em São Paulo. “No São Pedro, vou fazer um programa que tem El amor brujo, de De Falla, a Quinta de Mendelssohn e peças de Augusta Holmès. E tem ópera em nosso festival em setembro, com Lucia di Lammermoor”.
É bom que haja energia, talvez a do açaí, para ele militar em todas as áreas – da performance à sala de aula, do mergulho nos clássicos à descoberta e à abertura de novos compositores, outro dos interesses do regente. “A gente vive numa terra em que há, ao mesmo tempo, muito e pouco, fartura e carência. São dualidades, e temos a obrigação de transformar essa riqueza num resultado extraordinário. É possível.”