Texto de Camila Fresca na Revista CONCERTO de outubro de 2014
Importante representante da primeira fase do período romântico, Felix Mendelssohn está longe de corresponder à figura conturbada e atormentada que se tornou o arquétipo do compositor da época. Seu pai era um banqueiro judeu que, querendo evitar dificuldades para os filhos, batizou-os na religião luterana. Assim, o nome Bartholdy, de uma pequena propriedade da família, foi incorporado a Jacob Ludwig Felix, e a posteridade o conheceria como Felix Mendelssohn-Bartholdy.
Nascido em Hamburgo em 3 de fevereiro de 1809, Mendelssohn era o segundo de quatro irmãos – a primogênita, Fanny, nascida em 1805, também revelaria dotes musicais. Mendelssohn estudou piano e violino e revelou-se menino-prodígio – dizem que tão impressionante como Mozart –, mas seus pais, que desfrutavam de uma situação financeira confortável, o pouparam da exaustiva carreira de viagens e concertos a que eram submetidas as crianças que, ainda bem novas, demonstravam talento musical. Mendelssohn ingressou na Berliner Singakademie, passando a ter aulas de composição com Carl Friedrich Zelter, diretor da instituição. Além da música, o jovem recebeu uma apurada educação em história, filosofia, literatura e arte.
Quando completou 15 anos, Zelter disse que nada mais tinha a lhe ensinar. E aos 18 anos, após algumas composições de câmara, Mendelssohn revelava sua dimensão como compositor com a abertura Sonho de uma noite de verão. Se com esta obra inaugurava de fato sua carreira de compositor, dois anos depois ele dava início a outra atividade de grande importância: no dia 11 de março de 1829, regeu Paixão segundo São Mateus, de Bach, na Berliner Singakadamie – exatamente um século após sua primeira audição –, tornando-se responsável pela redescoberta da música de Bach no século XIX.
Schumann definiu a abertura Sonho de uma noite de verão como “um derramamento de juventude”. De fato, trata-se de uma obra extraordinária para um compositor tão jovem, e o esplendor da orquestração remete ora a Weber, ora a Rossini, ora a Schubert. Quinze anos mais tarde, em 1843, Mendelssohn acrescentaria à abertura uma importante música de cena, ainda hoje bastante popular e cuja “marcha nupcial” pode ser ouvida em nove entre dez cerimônias de casamento.
Após reger Paixão segundo São Mateus, Mendelssohn partiu para uma série de viagens que serviram como complemento de sua formação, ao mesmo tempo que inspiravam novas obras. De uma primeira viagem à Inglaterra e à Escócia surgiu a hoje conhecida como Sinfonia nº 5 (“Reforma”) e o esboço da “Escocesa” (nº 3) e da abertura As hébridas (também chamada de A gruta de Fingal). Em seguida, uma grande viagem para a Itália lhe deu material para a luminosa Sinfonia italiana (nº 4), talvez a mais famosa de todas as suas obras do gênero. Em Roma, Mendelssohn estabeleceu amizade com Berlioz; em Paris, encontrou Chopin e Liszt.
Ao voltar à Alemanha, no início da década de 1930, Mendelssohn se engajou na carreira musical. Entre 1833 e 1835, envolveu-se em atividades musicais em Düsseldorf. Em 1835, seguiu para Leipzig, onde tornou-se diretor da Orquestra da Gewandhaus, contribuindo para dar ao conjunto o nível de excelência pelo qual é conhecido ainda hoje. Além disso, Mendelssohn revelou-se não apenas um excelente regente, como também um programador bastante ousado. Recuperou os concertos para piano de Mozart e programou com regularidade obras de Beethoven e Weber. Seu interesse pelo oratório fez com que fossem redescobertas grandes obras de Händel e Haydn no gênero – mais tarde ele próprio comporia dois grandes oratórios, Paulus (1836) e Elias (1844). Mendelssohn ainda apresentou mais uma vez Paixão segundo São Mateus, dessa vez na igreja São Tomás em Leipzig, na mesma onde se deu a primeira audição.
O interesse pela música de Bach não se esgotou nessa Paixão, pois Mendelssohn promoveu recitais dedicados à obra para órgão de Bach, atuando como intérprete, e em várias ocasiões interpretou o Concerto para três cravos do compositor (numa das vezes, ao lado de Liszt e Hiller). Para a biógrafa Brigitte Massin, Mendelssohn praticamente estabeleceu o conceito de “concerto histórico”, revelando o sentido de encadeamento da história da música ao público alemão.
Em 1837, se casou com Cécile Jeanrenaud. Ao que tudo indica, foi uma união tranquila, sem grandes sobressaltos amorosos que acometeram outros compositores românticos, como Berlioz ou Chopin. Dessa união, nasceram cinco filhos. Mas, se a vida familiar era tranquila, a profissional seguia a todo vapor. Os 15 anos que vão de 1830 a meados de 1840 foram um período bastante agitado para o compositor. Além da intensa atividade como regente em Leipzig, ele seguia compondo e, sempre que podia, realizava viagens – ia frequentemente a Londres, onde o público recebia com entusiasmo suas novas obras. Em 1841, aceitou o cargo de mestre de capela do rei da Prússia, tendo que se dividir, a partir de então, entre Leipzig e Berlim. E, após muita articulação, conseguiu fundar um conservatório de música em Leipzig, em 1843. A instituição teve como primeiros professores de composição e piano Mendelssohn e Schumann. O curso de violino, por sua vez, ficou a cargo de Ferdinand David, a quem Mendelssohn dedicaria, em 1844, seu famoso Concerto para violino op. 64. Como se sabe, a obra permanece até hoje como uma das joias do repertório para o violino. É também nessa época que Mendelssohn conclui outra de suas obras mais importantes, o ciclo Canções sem palavras, oito volumes de pequenas peças para piano que estava escrevendo desde 1830 e que terminou em 1845.
O último grande trabalho sinfônico de Mendelssohn foi a sinfonia Lobgesang, de 1840. Sua produção de música de câmara (na qual se destacam quartetos e quintetos de cordas), no entanto, continuou ativa até pouco antes de sua morte.
O compositor sofreu um grande impacto com a morte de sua irmã mais velha, Fanny, em maio de 1847 – seus pais haviam morrido alguns anos antes. A perda de Fanny, educada junto com ele e tão dotada para a música quanto, significou para o compositor, segundo Brigitte Massin, o desaparecimento dele mesmo, “a extirpação definitiva da lembrança de uma infância encantada”. Mendelssohn morreu seis meses depois, em 4 de novembro de 1847, devido a um derrame cerebral idêntico ao que matara a irmã.
“Um belo acidente da música alemã”, chegou a dizer Nietzsche sobre Mendelssohn, afirmando que a música dele “olha sempre para trás”. Para Brigitte Massin, “a preocupação de ver-se integrado, no sentido que desejava o pai, a vasta cultura acumulada desde a infância e uma educação musical orientada para o passado levaram Mendelssohn mais para o lado da exploração e do desenvolvimento dos valores adquiridos que para a descoberta de novos caminhos”. De toda forma, seus dotes de melodista e seu domínio da escrita musical, somados a sua enorme cultura, resultaram em uma obra que prima pela perfeição e, ao mesmo tempo, pela emoção.
Linha do tempo
1809
Nasce em Hamburgo, Alemanha, no dia 3 de fevereiro
1824
Carl Zelter, professor de composição de Mendelssohn, declara que nada mais tem a lhe ensinar
1827
Escreve a abertura Sonho de uma noite de verão, revelando seus enormes dotes para a composição
1829
No dia 11 de março, em um concerto histórico, Mendelssohn rege a Paixão segundo São Mateus, de Bach, marcando a recuperação da obra do compositor
1833
Após retornar de um período de viagens pela Europa, estabelece-se em Düsseldorf, atuando intensamente na vida musical da cidade
1835
Transfere-se para Leipzig, onde viveria a maior parte da vida, e passa a ser diretor musical da orquestra da Gewandhaus
1836
Compõe o oratório Paulus
1837
Casa-se com Cécile Jeanrenaud, com quem tem cinco filhos
1840
Escreve sua última sinfonia, Lobgesang
1843
Funda o conservatório de Leipzig
1844
Compõe o Concerto para violino op.64 e o oratório Elias
1845
Conclui o ciclo pianístico Canções sem palavras
1847
Morre no dia 4 de novembro, seis meses após sua irmã Fanny