Livia Sabag, diretora cênica
“O ano de 2020 foi de luto, perdas e retrocessos. No campo artístico, esse processo foi muito profundo. Artistas, produtores, técnicos e muitos outros profissionais sofreram com os cancelamentos de espetáculos, com o fechamento dos espaços culturais, com a falta de remuneração e com a hesitação do poder público em lidar com o momento. Como a maioria de meus colegas, senti o baque logo de início. Com a suspensão e, posteriormente, o cancelamento definitivo da ópera Don Giovanni, que eu iria dirigir no Theatro Municipal de São Paulo, vi meses de trabalho e energia serem perdidos de um dia para o outro.
Mas, de diferentes modos, o mundo das artes aproveitou a desestabilização como um catalisador de iniciativas importantes. A pandemia provocou movimentos e transformações positivas ao interromper, de forma brusca, um certo automatismo de seus ideários e modos de produção, criando espaço, tempo e energia para discutirmos e repensarmos o fazer artístico no Brasil em suas variadas dimensões – estéticas, éticas, políticas.
Tive a alegria de participar de uma dessas iniciativas, no papel de curadora da oitava edição do Festival de Música Erudita do Espírito Santo, dirigido por Tarcísio Santório e Natércia Lopes. Ao propor uma reformulação dos moldes do Festival e uma abordagem curatorial a partir de reflexões sobre a pandemia, procurei discutir a questão das fronteiras físicas e simbólicas que tecem a sociabilidade e que passaram a ser prementes não apenas em uma dimensão sanitária mas em inúmeras outras, entre elas, a artística. Procurei lançar olhares para o regime de visibilidade construído pelo campo da música de concerto e suas tensões habituais na tentativa de vislumbrar pontes mais do que abismos. Procurei também explorar os modos de endereçamento ao público, afirmando decididamente o papel do audiovisual como um importante elemento de linguagem, em vez de um mero registro da performance musical. Nesta jornada, tive a preciosa colaboração do maestro Gabriel Rhein-Schirato, que atuou como consultor musical do Festival.
Torço para que, em 2021, todas as experimentações e reflexões realizadas em 2020 pelos participantes do meio artístico continuem e sejam aprofundadas. E, além disso, torço para que o momento nos torne cada vez mais conscientes de que as dinâmicas internas do campo artístico – suas relações institucionais, de poder, de funcionamento – estão intrinsecamente ligadas ao desenvolvimento da sociedade como um todo e que, assim, o mundo da música de concerto possa construir relações profissionais igualitárias, respeitosas e justas, que alimentem e impulsionem um ambiente fértil em criação e humanidade.”
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