Uma importante reflexão sobre a arte da interpretação

por Camila Fresca 30/12/2021

No Brasil, ainda são poucas as produções acadêmicas voltadas para discussões gerais da técnica violinística. Por isso, o livro Ciência na arte – arte na ciência: técnica violinística e concepção de interpretações musicais, de Mariana Isdebski Salles, já nasce obrigatório para acadêmicos e intérpretes de instrumentos de cordas.

Mariana é professora de violino e música de câmara na Unirio, além de violinista atuante em orquestras e conjuntos camerísticos. Ela se propõe a fazer uma abordagem objetiva de algo essencialmente subjetivo: a interpretação musical. A discussão é rica e aprofundada e se utiliza de uma bibliografia ampla que transcende a área violinística.

Num livro anterior (Arcadas e golpes de arco), Mariana já trazia uma contribuição importante ao mundo da técnica violinística ao tratar das arcadas e golpes de arco. Além de descrever as diferentes técnicas à luz dos mestres Ivan Galamian, Carl Flesch e Max Rostal, propunha uma definição e classificação própria de arcadas e golpes de arco a partir da técnica violinística praticada e ensinada no Brasil, visando uma uniformização de termos. 

Obra amadurecida e muito desenvolvida em relação à anterior, o livro Ciência na arte – arte na ciência parte de algumas questões que certamente ocupam a mente dos músicos. “Por que determinadas interpretações são magistrais? Por que para a maioria de nós não é possível chegar perto de algo que nos satisfaça em nossas performances? Como um verdadeiro artista consegue proferir uma frase musical saturada de significações emocionais?”, pergunta-se a autora. 

Na tentativa de obter respostas, ela passa a abordar os aspectos objetivos relacionados ao subjetivismo da performance de uma obra musical, assim como sua aplicação prática, tanto no aprendizado quanto na performance. O livro está estruturado em quatro capítulos: 1. Performance musical e o seu ensino; 2. Sonoridade e seus elementos de ordem técnica; 3. Parâmetros de concepção interpretativa; 4. Obras mais significativas para violino e piano de Marcos Salles na perspectiva do executante violinista. 

Ponto alto da obra, o terceiro capítulo parte de elementos de ordem técnica e os analisa sob um ponto de vista estético e histórico – um exemplo: quais os diferentes usos e significados do vibrato ao longo do tempo? Outros elementos também têm lugar: fraseado, dinâmica, agógica, articulação. Ao falar do dedilhado como ferramenta expressiva, Mariana faz uma interessante conexão entre a música e a linguagem falada, aproximando a entonação de frases – interrogativas, exclamativas etc. – às frases musicais e suas entonações.

No último capítulo, o conhecimento explorado nas páginas anteriores é colocado em prática ao olhar para as peças do violinista e compositor Marcos Salles (1885-1965), avô da autora e um dos pioneiros na escrita para violino solo no Brasil. Ainda que proponha soluções interpretativas a partir de dados objetivos fornecidos pela obra e por seu subtexto, ela reconhece que “apesar de todos os esforços no sentido de mapear e clarear os aspectos relativos ao campo da interpretação, com ênfase na procura por dados concretos, a interpretação continua sendo, em última instância, uma escolha artística individual”.

Em Ciência na arte – arte na ciência, Mariana Salles nos mostra que diversos aspectos das habilidades expressivas podem ser aprendidos e manipulados conscientemente. É possível, portanto, relacionar o mundo subjetivo da performance com as características objetivas do desempenho do intérprete. Claro que, nesse caso, o músico corre o risco de “cientificar a expressão”, ou seja, transformar a expressão controlada por parâmetros em algo tão frio e sem expressão quanto aquilo que se pretende combater. 

Para não cair em tal armadilha e ao mesmo tempo buscar uma interpretação satisfatória a partir da manipulação de elementos técnicos, a autora afirma que são necessários “conhecimento, sensibilidade e um certo grau de intuição para saber quando ‘deixar acontecer’ ou intervir de forma variada e totalmente adaptada à necessidade premente da situação”. 

Mesmo quando entra em aspectos bastante técnicos, o livro nunca perde de vista aquilo que quer investigar: a interpretação musical, suas possibilidades e seus sentidos. Por isso, embora altamente especializada, a discussão é ao mesmo tempo enriquecedora para todos os que se interessam em pensar a arte da interpretação.

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Detalhe da capa do livro "Ciência na arte - arte na ciência", de Mariana Salles [Divulgação]
Detalhe da capa do livro "Ciência na arte - arte na ciência", de Mariana Salles [Divulgação]

 

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