Lars Hoefs e diálogos musicais construídos com rara habilidade

por Jorge Coli 08/07/2024

Com o CD Bach bem acompanhado: Suíte 3, o Villa-Lobos International Chamber Music Festival cria pontes culturais e afirma a presença da música latino-americana nos Estados Unidos em interpretações de altíssimo nível

Há um Villa-Lobos International Chamber Music Festival que acontece no sul da Califórnia todos os anos, agora em sua oitava edição. Sob a liderança apaixonada de Lars Hoefs, excelente violoncelista radicado no Brasil, desde 2013, professor de violoncelo na Universidade Estadual de Campinas, esse festival leva ao público norte-americano uma rica tapeçaria de sons brasileiros e latino-americanos.

Hoefs, um entusiasta da música brasileira e latino-americana, tem sido o motor por trás do festival, garantindo que um repertório diversificado seja apresentado em várias cidades, ampliando o alcance e a apreciação dessas culturas musicais. Para se ter uma ideia melhor, clique aqui.

Além disso, o festival conta com o apoio da University of California e de vários patrocinadores, o que permite a gravação e publicação de CDs. Até agora, são seis ao todo. O último, recém-lançado, se intitula Bach bem acompanhado: Suíte 3. É um exemplo perfeito da missão do festival: combinar a excelência técnica e a expressividade emocional, criando uma ponte entre o repertório europeu e as tradições musicais da América Latina. Interpretado por Lars Hoefs e a pianista Aline Alves, o CD oferece uma experiência auditiva rica, destacando a beleza e a profundidade das obras de Bach e Villa-Lobos.

Clique aqui para ouvir o disco
    
O álbum começa com Miniatura pernambucana nº 15 de Beetholven Cunha, um talentoso compositor nascido na cidade de Goiana, em Pernambuco. Essa Miniatura tem dois momentos. O primeiro, intitulado Cantiga, é uma elegia expressiva, romanticamente confessional e nostálgica. A interpretação ao violoncelo captura cada nuance, trazendo à tona a melancolia da composição.

O segundo, Maracatu, exala a pulsação rítmica vibrante que o título sugere, ao mesmo tempo em que envolve um núcleo altamente lírico. A música combina a intensidade percussiva do maracatu com melodias emotivas, criando uma peça que é ao mesmo tempo enérgica e tocante. O violoncelo de Lars Hoefs as faz soar admiravelmente.

As duas faixas seguintes sugerem um confronto. Uma é a Ave Maria, “Tanti anni prima”, de Astor Piazzolla, obra que pode ser descrita como um nostálgico e saudoso acalanto; a outra é a Méditation sur le premier prélude de piano de J. S. Bach, de Charles Gounod, conhecida universalmente como Ave Maria. Construída sobre o primeiro prelúdio do Cravo Bem Temperado de Bach, adiciona uma melodia que se tornou celebérrima. A sublime melodia, desgastada pela própria celebridade, retoma seus direitos com o violoncelo de Hoefs, tão nuançado e expressivo, e se deixa ouvir como se fosse a primeira vez.

Este confronto entre as duas "Ave Marias" – a contemporânea e introspectiva de Piazzolla e a clássica e elevada de Gounod – exemplifica a habilidade do álbum em explorar diferentes dimensões da espiritualidade musical.

Passa-se então para uma interpretação propriamente esplêndida da Suite nº 3, de Bach, toda ela muito refinada: cada movimento é executado com uma clareza cristalina e uma elegância natural que evitam qualquer traço de afetação ou maneirismo. A execução de Hoefs ao violoncelo revela uma fluência franca e expressiva, permitindo que a música flua com uma energia que não apaga o caráter contemplativo.

O programa se conclui com um Trenzinho do caipira, o último movimento, a Toccata, da Bachianas nº 2 de Villa-Lobos. Mas é um trenzinho bem especial, porque Lars Hoefs enxerta no meio da peça um trecho do Prelúdio da Suíte nº 3, de Bach: nada mais vernacular! Bach e Villa-Lobos num belo encontro. Esta fusão inesperada demonstra o talento de Hoefs para criar diálogos musicais entre diferentes culturas e épocas.

Com o CD Bach bem acompanhado: Suíte 3, o Villa-Lobos International Chamber Music Festival cria pontes culturais e afirma a presença da música latino-americana nos Estados Unidos em interpretações de altíssimo nível.

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O violoncelista Lars Hoefs [Divulgação/Unicamp]
O violoncelista Lars Hoefs [Divulgação/Unicamp]

 

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