Álbum de Alessandro Santoro com a sonatas para piano do compositor é a melhor porta de entrada para quem deseja conhecer a sua música. E se impõe, desde já, como performance de referência destas obras
Claudio Santoro é daqueles compositores que vai se agigantando na medida em que o tempo passa. Possivelmente nenhum outro, na história da música brasileira dita clássica, de concerto ou "de invenção”, alimentou-se de uma inquietude criativa tão aguda e sem limites. Mergulhou na música dodecafônica nos anos 1940; embebeu-se do realismo socialista à la russe; sorveu as lições de Hindemith e Scherchen; assumiu o comunismo, atitude que lhe custou caro no tacanho ambiente ideológico brasileiro; nos anos 1970, experimentou com a música aleatória, eletroacústica; e, nos anos 80, transcendeu tudo isso em obras-testamento luminosas como a ópera Alma e as sinfonias nº 9 e nº 10.
Pode-se resumir esta trajetória criativa camaleônica como sua necessidade vital de responder artisticamente ao seu tempo, o da guerra fria do pós-segunda guerra mundial que aterrorizou o planeta até 1989 – justamente o ano em que ele nos deixou, aos 69 anos.
Sete das suas doze sinfonias já estão finalmente disponíveis em interpretações de qualidade, resultado do projeto Brasil em Concerto, do Ministério das Relações Exteriores, concebido e concretizado pelo diplomata brasileiro Gustavo de Sá. É na série “A Música do Brasil”, parte deste projeto, internacionalmente lançado pela Naxos, que se insere o álbum recém-lançado com a integral de suas sonatas para piano, com seu filho Alessandro Santoro.
O pianista Alessandro Santoro completará 59 anos no próximo dia 1º. de dezembro. E com certeza este é um de seus projetos de vida mais importantes, ao lado da integral das sonatas para violino e piano de Santoro com Emmanuele Baldini (2020, selo SESC). Ele estudou no Conservatório Tchaikovsky de Moscou na classe de Elena Richter, e gravou o Concerto para piano nº 1 de seu pai na então União Soviética. Fez mestrado de cravo na classe de Jacques Ogg no Conservatório Koninklijk, em Haia, onde depois foi professor. Atualmente é professor de cravo e baixo contínuo na EMESP em São Paulo e responde pelo acervo material e virtual da Associação Cultural Claudio Santoro.
As seis sonatas, distribuídas por praticamente toda a vida criativa de Santoro, espelham seu itinerário como compositor. Afinal, aqui é mais verdadeira do que nunca a afirmação de que a música absorve, expressa e questiona passo a passo os problemas da sociedade que lhe é contemporânea. O próprio Alessandro assina o texto do encarte. Começa dizendo que estas sonatas abrangem “as mais diversas linguagens composicionais do século XX, incluindo dodecafonia, realismo socialista, serialismo, música aleatória e música eletrônica”.
As duas primeiras – a Sonata 1942 e a Sonata nº 1 – são dodecafônicas; a nº 2 é uma ponte que pavimenta seu caminho para a fase nacionalista (sonatas nº 3 e nº 4). A quinta e última sonata, composta em 1988, um ano antes de sua morte, é a que mais me impressiona. Talvez por causa de uma sensação absolutamente pessoal minha, que não implica juízo de valor em relação às demais. Sempre me interessei pelas obras tardias. São momentos em que o criador entrega-se de modo mais profundo ao seu credo artístico e vital. Por isso, esta sonata transcende estilos, movimentos, ideologias.
A sonata foi dedicada ao pianista Ney Salgado, que foi professor na Universidade de Brasília a seu lado. Alessandro escreve que ela “transmite o tormento sofrido pelo compositor nos últimos meses de sua vida” e cita as palavras de Gisèle Santoro, pianista e sua segunda esposa: “Santoro foi um peregrino incansável que não reconheceu nenhuma diferença entre a vida e a arte. Homem de caráter forte e postura estética comprometida, ele era incorruptível tanto como artista quanto como ser humano; mas, por mais intratável e fervoroso que fosse, sofreu muito para permanecer fiel às suas ideias radicais”. E ela nos remete ao título do terceiro movimento de sua Sonata nº 5, para defini-lo: “Livremente angustiante”.
Este álbum é a melhor porta de entrada para quem deseja conhecer a música de Claudio Santoro. E se impõe, desde já, como performance de referência destas obras. Aliás, assim como o registro da integral das sonatas para violino e piano com Emmanuele Baldini.
[O álbum está disponível na Loja CLÁSSICOS; mais informações aqui.]
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