No Theatro São Pedro, mais um belo e raro Rossini

por Jorge Coli 14/12/2021

Rossini em cena: depois do raro Il turco in Italia, dramma buffo, apresentado excelentemente pelo Festival de Ópera de Guarulhos, em setembro, numa estreia nacional, o Theatro São Pedro, agora, montou o raríssimo Il signor Bruschino, ossia il figlio per azzardo (O senhor Bruschino, ou seja, o filho por acaso).

É uma farsa veneziana, a última que um Rossini (de 21 anos e já com oito obras escritas e encenadas, a primeira, Demetrio e Polibio, composta aos 14 anos!) em início de carreira compusera para o teatro San Moisè de Veneza.

A farsa foi um gênero que teve sucesso no final do século XVII e início do XIX, presente em Veneza. Eram engraçadas, breves, entre 60 e 90 minutos, de um ato só, destinadas a programas duplos, que se completavam por balés e concertos instrumentais. Os programas naquele tempo eram muitíssimo mais longos do que os de hoje. As farsas também tinham montagens econômicas, com poucas, ou sem nenhuma mudança de cenários.

A abertura de Il signor Bruschino, com seu efeito surpreendente de percussão produzido pelos arcos dos violinos, é muito conhecida, mas a obra é pouquíssimo representada. Salvo erro, essa montagem do São Pedro deve ser uma estreia nacional.

As duas iniciativas de levar em cena essas óperas de juventude em que o imenso gênio rossiniano já mostrava plenamente suas estupendas qualidades, são ótimas. A música de Rossini não envelheceu nem um tico: continua produzindo no público o mesmo poder energético, a mesma força cênica, a mesma complexidade inventiva. Reviver essas obras é dar a elas o lugar importante que merecem.

A montagem do São Pedro ocorreu num cenário delicado e delicioso. Tudo foi feito com elegância e a concepção de Caetano Vilela fluía, dando clareza às confusões do enredo. Talvez, apenas, o caráter bufo, revestido de um espírito circense, tenha sido sublinhado de modo um pouco forte, fazendo esmaecer os momentos sentimentalmente líricos que a obra possui, e que são uma herança desse romantismo que se elabora no final do século XVIII, para eclodir no século XIX. Desde os primeiros compassos, depois da abertura, um tom sinceramente sensível, que faz pensar em Paisiello, irá perpassar pela obra, em meio às risadas das situações burlescas.

Isso me leva a pensar sobre a escolha que, no mundo inteiro, tantos encenadores fazem pelo grotesco, pelo caricatural, por vezes excessivo, quando se trata de comicidade nas óperas. Não foi, de modo algum, o caso do Signor Bruschino do São Pedro, mas é uma constante frequente, hoje, nem sempre muito feliz. O cômico, para funcionar, precisa de um mundo sério, com o qual ele contrasta ou subverte. O palhaço cômico precisa do palhaço sério, e basta examinar os gênios da farsa cinematográfica, como Chaplin ou os irmãos Marx – para não mencionar Buster Keaton, que trazia a seriedade imperturbável em si, meio de expor a loucura do mundo – e perceber que as óperas bufas não deveriam ser dissolvidas no puro ridículo.

Caetano Vilela, no entanto, é fino o suficiente para não cair nessa armadilha, e sua elegância intrínseca se transmitiu com felicidade para seu excelente espetáculo.

A mesma enorme dupla de baixos que atuara em Guarulhos, Saulo Javan e Savio Sperandio, assumiu os papéis essenciais de Bruschino pai e Gaudezio, e dominaram o elenco. Um terceiro baixo, Gustavo Lassen, marcou com felicidade o papel de Filiberto.
Daniel Umbelino emprestou seu belo timbre ao apaixonado Florville, e Lina Mendes – com alguma acidez e estridências na voz – assumiu o papel da jovem Sofia. No elenco de suporte, Fernanda Nagashima, Fellipe Oliveira e Eduardo Javier Gutierrez foram, todos, eficazes e engraçados.

Claudio Cruz foi o regente, sustentando as forças enérgicas da música, sem cair na superficialidade, compreendendo todas as sutilezas da partitura, que ele transmitiu à orquestra do São Pedro.

Em suma, um outro belo e raro Rossini nestes últimos meses de 2021. Um bravo a todos. Vamos torcer para que a obra rossiniana continue sendo explorada, e que venham, no futuro, mais montagens, de óperas bufas ou sérias.

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Cena de 'O senhor Bruschino', de Rossini [Divulgação/Heloisa Bortz]
Cena de 'O senhor Bruschino', de Rossini [Divulgação/Heloisa Bortz]

 

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