Compositor brasileiro Caio de Azevedo fala sobre a vitória no Concurso de Genebra e de sua trajetória
“A ficha ainda não caiu”, disse o compositor Caio de Azevedo à Revista CONCERTO após chegar à sua casa, em Munique, vindo de trem, de Genebra, onde acabara de ganhar o primeiro prêmio de composição (empatado com o suíço Léo Albisetti) do 78º Concurso Internacional de Genebra. “Não tenho plano nenhum. Não sei nem o que vou fazer amanhã de manhã, quando acordar”, contava Caio, ainda sob o efeito do prêmio e da jornada (que costuma durar cerca de 6h, porém tomou mais de nove, devido a atrasos que, segundo ele, sempre acontecem por lá).
A final teve lugar na cidade suíça no último domingo, dia 20, no Victoria Hall, a charmosa sala inaugurada em 1894, e pode ser assistida no YouTube (veja aqui). Caio venceu com Marionnette (veja aqui), para viola e orquestra de câmara, interpretada pela excelente Orquestra de Câmara de Genebra, sob a batuta do francês Pierre Bleuse (titular da Sinfônica de Odense, na Dinamarca, e diretor artístico do Festival Pablo Casal de Prades, na França), e com solo de Georgy Kovalev, georgiano que foi pupilo de Yuri Bashmet em Moscou, aperfeiçoando-se posteriormente com Nobuko Imai e Tabea Zimmermann.
Ouvindo a obra, é impossível não ficar impressionado com a fertilidade da imaginação de Caio. O regulamento previa dois instrumentos extras, para além da formação tradicional da orquestra, e ele fez escolhas bem pouco ortodoxas: um cimbalon (instrumento húngaro utilizado por Zoltán Kodály em Háry Janos e Stravinsky no Ragtime) e um bandolim – afinado um quarto de tom abaixo, e com arco em determinados instantes. Há toda uma variedade de surdinas nas cordas e metais (incluindo kazoo nos trompetes), itens variegados de percussão (como flexatone, escaleta, thai gong, panelas, garrafas, latas, pedaços de madeira, etc) e, entre os teclados, cravo (com as cordas por vezes varridas por uma vassourinha de metal) e piano de brinquedo.
“Eu queria mudar o timbre da orquestra”, explica o compositor. “De uma forma, a percussão tem um papel muito importante, está criando ‘beiras e cartilagens’ para a peça e mudando o som da orquestra”, descreve. “Por causa do Neojiba, eu adoro orquestra. Uma orquestra de câmara tira o peso de uma grande orquestra e tem flexibilidade. Ela pode ter massa sonora e virar música de câmara. Na minha obra, há duetos, trios e quintetos simultâneos.”
Ele deliberadamente evitou classificar sua obra de concerto para viola. “Queria fugir desse nome pretensioso, pomposo, heroico de concerto, e chamei de ‘bagatela concertante’. Uma obra mais crua, mais improvisada, uma gambiarra sinfônica”, define. Quanto ao título, ele conta que começou “pela história de Pinóquio, e queria emular a estética do teatro de marionetes, trazendo um lado lúdico, como se a coisa fosse visual”.
Eu fiquei quatro meses compondo e dois revisando. Todo dia acordava às 5h da manhã e compunha até meia-noite. Cancelei outras coisas por causa disso. Daí na final isso de repente vira real, são três dias para colocar a obra de pé, com pouquíssimo ensaio
O processo de criação foi intenso. “Um concurso de composição é diferente de um de instrumento. Eu fiquei quatro meses compondo e dois revisando – foram seis meses absorto na obra. Todo dia acordava às 5h da manhã e compunha até meia-noite. Cancelei outras coisas por causa disso”, conta. “Daí na final isso de repente vira real – são três dias para colocar a obra de pé, com pouquíssimo ensaio.”
Ele diz ainda ter ficado surpreso com o resultado, pois os membros do júri (presidido por Pascal Dusapin e constituído ainda por Milica Djordjevic, Francesco Filidei, Hector Parrà e Francesa Verunelli) têm uma estética que ele enxerga como diferente da sua. “A melhor coisa é ter a obra tocada no Victoria Hall, por músicos excelentes e um grande regente”, diz.
De musical, em sua família, Caio tem o irmão dois anos mais velho, Yuri de Azevedo – vencedor do Prêmio Eleazar de Carvalho em 2012, e que chegou a atuar como regente assistente da Orquestra Experimental de Repertório, em São Paulo.
Para ele, a composição veio praticamente junto com o estudo de música. “Eu disse ao Yuri: ouço umas músicas na minha cabeça e não sei como escrever. Ele, que já estava no Neojiba, aconselhou-me a estudar violoncelo. E tinha razão: com duas semanas de estudo eu já estava escrevendo.” Relembrando: Neojiba é a sigla de Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia, programa criado em 2007 pelo pianista e regente Ricardo Castro, que promove o desenvolvimento e integração social prioritariamente de crianças, adolescentes e jovens em situações de vulnerabilidade, por meio do ensino e da prática musical coletivos.
Caio foi professor, regente assistente do coro e violoncelista no Neojiba, tocando em algumas das turnês nacionais e internacionais do grupo. “O Neojiba para mim foi fundamental. Um aprendizado múltiplo. Eu aprendia muito só de ver Ricardo Castro tocando e piano e regendo”, diz. “Os ensaios diários eram uma escola de orquestração. Eu ficava parado ouvindo os instrumentos consertarem os problemas, e anotava na partitura.”
Eu quero que minha peça tenha consistência, substância, tenha profundidade, pelo menos para mim
A atividade no programa de formação ocorria paralelamente à Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde ele estudou violoncelo com Suzana Kato e composição com Paulo Costa Lima. A rotina era frenética: “Durante a semana, meu dia começava às 7h30, com ensaio na orquestra da UFBA. Às 10h, eu fazia cachê na Orquestra Sinfônica da Bahia. Depois, dava aula no Neojiba, onde tinha também ensaio de orquestra. Aos sábados, tocava na orquestra popular do Luciano Calazans e, aos domingos, em casamento”. Tempo para compor? “Eu compunha à noite.”
De Salvador, ele foi diretamente para Munique, onde se encontra há oito anos, para aulas de composição com Moritz Eggert. Terminou os estudos há um ano e meio, e sustenta-se dando aulas, compondo e tocando violoncelo – é membro do Quarteto Zentaur, dedicado à música contemporânea, e também faz cachês, como todo freelancer.
“Um dos motivos que me fez querer vir para a Alemanha é que aqui há suporte financeiro para o compositor. Há um esquema no qual pagam honorários para você trabalhar por uns dois, três meses para teatro musical”, conta.
Quando pedido para definir sua estética, ele hesita. “Não é que não pense nisso. Mas a questão é que, toda vez que penso, mudo de opinião. Eu quero que minha peça tenha consistência, substância, tenha profundidade pelo menos para mim. O pior é você não ter tempo suficiente e escrever qualquer coisa, achar que a obra ficou mais ou menos”, diz. Com Marionnette, certamente, não foi o caso.
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