A notícia da morte do compositor argentino radicado no Canadá alcides lanza – assim mesmo, em minúsculas, como ele queria – no último dia 17 de julho, às vésperas de completar 95 anos, chegou-me pelas redes sociais numa postagem de Jorge Antunes.
lanza nasceu em 1929 em Rosário, cidade hoje mundialmente conhecida por causa de Lionel Messi. Mudou-se para Buenos Aires em 1954, mas só estudou no Centro Latinoamericano de Altos Estudios Musicales (Claem) dez anos depois, em 1964.
Neste meio-tempo, foi encaminhado para estudar com Alberto Ginastera (1916-1983). “Depois de três ou quatro aulas, decidi que não era o que eu queria” disse em uma entrevista, que vou situar adiante; nela, lanza também afirma que “ele criticava muito a música nova, incluindo palavras duras contra Luigi Nono. Ginastera era tradicional demais pra mim. Três anos e meio depois, quando comecei no Claem, topei com ele de novo. Mas desta vez aprendi muito com ele... Talvez eu tenha amadurecido neste ínterim”.
Ele ganhou a bolsa para o Claem em função de composições como plectros I. E aí encaixa uma estória hilária. “Eu tinha escrito a obra como uma piada com Gandini [o pianista Gerardo Gandini, professor no Claem], em seu aniversário.” Resumindo: Ginastera gostou dela a sério e arrumou-lhe até um editor e viabilizou a gravação. “Era minha primeira peça de teatro musical, experimentei com uma partitura gráfica, escrevi coisas impossíveis de serem tocadas. É para dois pianistas: um toca no teclado, o outro apenas nas cordas do instrumento.”
Fixou-se em Nova York a partir de 1965, onde dirigiu o Centro de Música Eletrônica Columbia-Princeton até 1971, quando se tornou professor de composição na Faculdade de Música da Universidade McGill em Montreal. Lá construiu uma admirável carreira como compositor, professor e diretor do Estúdio de Música Eletrônica por trinta anos, entre 1974 e 2004. Dedicou toda a sua vida, como professor, compositor e pesquisador à música das três Américas, escreve Jonathan Goldman, autor de uma bela entrevista com lanza num número especial da revista canadense Circuit – musiques contemporaines, de 2007, dedicada “às vanguardas musicais da América Latina no século 20”.
Foi, aliás, por esta entrevista que comecei a gostar de lanza, mesmo sem conhecê-lo nem nunca ter falado com ele. A leitura deixava claras suas afinidades criativas com o nosso Gilberto Mendes. Nunca perguntei ao Gilberto sobre lanza, mas, como o autor de Santos Football Music e Ópera Aberta, o argentino também era dado ao teatro musical. Compôs muitas peças cênicas para sua mulher, a cantora Meg Sheppard. lanza fundou, com Claude Schryer e John Oliver, o grupo g.e.m.s. (Goup of the Electronic Music Studio), um ensemble modular dedicado à performance de composições envolvendo instrumentos, eletrônica interativa e teatro musical.
Dois parênteses:
1.O Centro Latinoamericano de Altos Estudios Musicales foi fundado em 1961 pelo compositor Alberto Ginastera nas dependências do Instituto Torcuato di Tella em Buenos Aires. Sobreviveu até 1971, mas teve seu auge nos primeiros seis anos, quando foi financiado pela Fundação Rockefeller. Luigi Nono, Olivier Messiaen, Aaron Copland, Iannis Xenakis e John Cage, entre outros, deram cursos para um grupo seleto de doze jovens compositores, selecionados entre todos os países latino-americanos. O Claem oferecia US$ 5 mil, por exemplo, para nomes como Nono ou Messiaen lecionarem em Buenos Aires por períodos de dois meses, em média. Parece que os únicos brasileiros que lá estudaram foram Marlos Nobre e Jorge Antunes. Engalfinhavam-se em brigas estéticas e pessoais o radical Juan Carlos Paz e o mais eclético, digamos, Alberto Ginastera.
2. Gerardo Gandini foi muito amigo de Ricardo Piglia (1941-2017) autor do libreto de sua ópera La ciudad ausente (1995). Para mim, Piglia é um dos maiores escritores do século XX. E escreveu sobre Gandini no microconto Retrato do artista, publicado no livro Formas breves, lançado no Brasil em 2004 pela Companhia das Letras. É mais do que um retrato de Gandini: é o retrato do compositor contemporâneo.
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