A regente Simone Menezes, brasiliense de 45 anos, há sete radicada na Europa, está vivendo seu momento mágico. É o período em que o músico destaca-se no oceano de talentos da competitiva cena internacional, sobretudo a europeia, e assume uma identidade artística pessoal que une determinação com talento. Ela está fazendo uma carreira internacional meteórica. Nesta terça-feira, dia 29, por exemplo, ela vai reger a Filarmônica de Los Angeles no Hollywood Bowl, um espaço ao ar livre para até 17 mil pessoas – num programa Beethoven: a Eroica e o concerto para violino (a solista é Clara-Iumi Kang). E, daqui a duas semanas, o seu álbum “Amazonia – Villa-Lobos. Glass” será lançado pelo selo francês Alpha.
Vamos por partes. Primeiro, é um feito gigantesco reger a Filarmônica de Los Angeles. E num programa Beethoven. Em segundo lugar, o projeto Amazônia une ousadia e um encontro virtuoso com o maior fotógrafo brasileiro da atualidade, mundialmente reverenciado, Sebastião Salgado.
A ousadia fica por conta da coragem de Simone de construir, a partir de Floresta do Amazonas, de Villa-Lobos, uma suíte de 48 minutos e onze números (o original tem 23 partes e praticamente 80 minutos), para os quais Salgado “compôs” uma trilha visual com suas fotos da Amazônia que vêm percorrendo o mundo.
“Villa-Lobos dizia que sua música cantava a floresta, cantava os rios, e eu sinto a força da natureza quando ouço ou rejo esta música”, conta a regente. ”A construção deste projeto foi feita em parceria com Sebastião Salgado. Ele escutou esta suíte várias vezes, procurando encontrar imagens para cada frase musical.”
O depoimento do fotógrafo consegue transmitir o impacto que esta música teve sobre ele: “Foi pra mim muito difícil adaptar minhas fotografias a esta suíte. Tive de escutar esta suíte mais de 50 vezes, 100 vezes, E comecei a identificar partes da música... e aí, quando as fotos foram sendo mostradas enquanto a música fluía, foi pra mim uma emoção imensa, de sentir que na realidade, aquelas fotografias que fiz não foram só para apresentar a Amazônia, eu fiz para esta música de Villa-Lobos”.
Tive a chance de ouvir o álbum na íntegra. Uma execução de alta qualidade da Philharmonia Zurique e de Simone Menezes. Além disso, a soprano Camila Titinger Provenzale está em grande forma. O concerto oficial de lançamento vai acontecer com Simone à frente da Orquestra Nacional da Espanha, em Madri, em 14 de outubro próximo.
Confesso a vocês que me emocionei especialmente com esta suíte. E fui correndo reler um trecho de uma resenha de Mário de Andrade de 1930. Ele não se refere a esta suíte, do finalzinho de sua vida, 1958, mas ao poema sinfônico Amazonas. Um comentário que se aplica porque aqui o importante é o modo como Mário qualifica bem o talento único de Villa em retratar a floresta.
Está no livro Música, doce música, num bloco de sete artigos encadeados sobre Villa-Lobos. Ele coloca em palavras tudo que sinto ao ouvir esta música: “Música aprendida com os passarinhos e as feras, com os selvagens e os tufões, com as águas e as religiões primárias. Música da natureza, junto da qual a 6ª Sinfonia [de Beethoven] ou o Siegfried (não como beleza, está claro, mas como significação cósmica) não passam de amostras bem-educadinhas de natureza, pra expor nas vitrinas, natureza já comercializada, limpinha e vestida na civilização cristã. Nada conheço em música, nem mesmo a bárbara Sagração da Primavera de Stravinsky (aliás de outra e genialmente realizada estética), que seja tão, não digo 'primário', mas tão expressivo das leis verdes e terrosas da natureza sem trabalho, como a música ou, pelo menos, certas músicas de Villa-Lobos". Vasco Mariz, em seu livro, escreve que Villa lhe disse o seguinte: “Depois de Amazonas [ele se refere ao poema de 14 minutos), perdi o pudor e a timidez de escrever coisas arrojadas”.
Termino recomendando que vocês ouçam também a excelente gravação da Osesp com John Neschling de 2010 da versão original de Floresta do Amazonas, nascida como trilha para Green Mansions, mas não utilizada no filme.
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