Compositor Ricardo Tacuchian celebra aniversário com estreias
A impressionante vitalidade física de um esguio Ricardo Tacuchian, correndo na praia do Leblon ou caminhando apressado pelas ruas do Rio de Janeiro, reflete-se em sua produção artística – em termos de continuidade, diversidade, quantidade e qualidade. Esse carioca filho de armênio com libanesa completa 80 anos no dia 18 de novembro, com 280 peças para as mais diversas formações em catálogo, tocadas em mais de 2 mil apresentações ao vivo, gravadas em cerca de cinquenta CDs. Ao lado de Edino Krieger, é provavelmente o compositor vivo brasileiro mais tocado atualmente.
A data redonda intensifica a programação e tem um centro de gravidade: dia 12 de julho, sua Sinfonia das florestas terá primeira audição no Brasil, com a Orquestra Sinfônica Nacional, regência de Tobias Volkmann e a soprano Marianna Lima. “Os movimentos têm nome de florestas brasileiras, mas é um manifesto pelo verde no mundo”, diz ele. “Já foi tocada na Espanha e traz poemas de Thiago de Mello e Gerson Valle. Na música, explorei muitos poetas.”
Poesia, literatura e escrita acadêmica são parte essencial da vida do compositor. “O único gênero que nunca abordei foi a ópera”, lembra esse pianista de formação, aluno de Francisco Mignone, Claudio Santoro e José Siqueira – seu mais influente mentor e a quem é dedicada a Sinfonia das florestas. Inquieto, curioso, escreveu para variadas formações. “Sempre me interessou buscar o idiomatismo dos instrumentos. Bato na porta do músico, pergunto, ajusto a escrita para que não fique convencional demais nem ultrapasse as possibilidades do instrumento ou da execução.”
Há em seu catálogo peças para formações inusitadas, como Light and Shadows, para contrabaixo, harpa, clarone, vibrafone e dois grupos de percussão. “É um conjunto bem heterodoxo, sim. Mas, se eu fosse selecionar três peças para um ouvinte começar a me conhecer, essa seria uma delas.” E as outras duas? “O Quarteto de cordas n° 5, o último, o da maturidade; e a Sonata para violão, que terá primeira audição em agosto, no Encontro Fred Schneiter de Violão.” O evento é dedicado a Tacuchian. A relação do compositor com o violão, aliás, é intensa: foi dele a ideia de criar o primeiro curso superior dedicado ao instrumento, na UFRJ, em 1980.
Foram quarenta anos de magistério em duas das principais escolas de música de Brasil, as da UniRio e da UFRJ. Aposentado há doze anos, brinca que tem trabalhado muito mais desde então (“vou pedir suspensão da aposentadoria para poder descansar”) e fala de sua permanente busca para escapar da zona de conforto. “Somos produto de nossas épocas e, como um compositor de longa vida, que começou cedo, atravessei muitos momentos, a partir da visão nacionalista de Siqueira e Mignone”, recapitula. “As grandes mudanças dos anos 1960 e 1970, em direção à ‘vanguarda’, ao ‘experimental’, ao ‘contemporâneo’, negavam os princípios de tudo o que era feito até então, a estrutura formal, o idiomatismo clássico dos instrumentos. O signo novo envelheceu rapidamente e, na década de 1980, eu já repensava meu papel. O processo de composição passa pelo autor, pelo intérprete e também pelo ouvinte, que o decodifica. Eu brincava: não faço música para marcianos, mas para terráqueos.”
A reafirmação do compromisso com o ouvinte e a superação da polaridade rígida que antagoniza tonalidade e atonalidade são chamadas por Tacuchian de síntese ou “pós-modernismo” – o desgaste do termo não o preocupa. Afinal, a tradição é “sempre latente”, na visão do compositor. “Segundo Hindemith, o tonalismo nunca desaparece, nem mesmo em sua mais peremptória negação: você sempre pensa num centro tonal, um ponto de referência.” Na esteira dessa reflexão, ele criou o Sistema T, que permite ao compositor o controle de alturas, articulando sistemas composicionais do século XX. “Não se trata de estética, mas de mera ferramenta”, disse em um artigo.
Para quem trabalhou com o tempestuoso e genial Darcy Ribeiro na cultura do Estado do Rio de Janeiro em meados dos anos 1980 – entre outros projetos, revitalizou bandas de música pelo estado inteiro –, o triste desmonte da cultura é resultado da chegada ao poder de gente despreparada. “E se agrava na ausência de uma ideologia cultural. Mas, tenho certeza, isso não vai durar muito. A história é implacável”, garante. Além da impressionante vitalidade, Ricardo Tacuchian chega aos 80 anos com lucidez e até otimismo.
AGENDA
Sinfonia das florestas
Orquestra Sinfônica Nacional
Tobias Volkmann – regente
Marianna Lima – soprano
Dia 12, Sala Cecília Meireles (Rio de Janeiro)
Sinfonieta para Fátima
Orquestra de Cordas da UFRJ
Aylton Escobar – regente
Dia 13, Sala Cecília Meireles
Orquestra Camerata Sesi-ES
Leonardo David – regente
Dia 14, Sala Cecília Meireles
Obras para viola e piano
Duo Burajiru: Fernando Thebaldi – viola
e Yuka Shimizu – piano
Dia 18, Sala Cecília Meireles