Seleção de março de 2022

por Redação CONCERTO 24/02/2022

TELEMANN
Trio sonatas para flauta e viola da gamba
Erik Bosgraaf – flauta doce
Robert Smith e Lucile Boulanger – pardessus de viole e viola da gamba
Carl Rosman – tenor chalumeau
Lançamento Brilliant Classics.
Importado. R$ 82,30.

Telemann

Em 1728, o compositor George Philipp Telemann (1681-1767) escreveu sobre seu trabalho como compositor. “As notas agora me procuram tão rapidamente quanto eu um dia procurei por elas.” Há na frase uma ideia de espontaneidade que com certeza se revela nos trios que escreveu para flauta doce e viola da gamba, gravados agora por um grupo de especialistas no repertório barroco liderado por um músico de exceção, Erik Bosgraaf. Nascido na Holanda, ele se formou nesse tipo de repertório na Universidade de Utrecht e desde então tem colaborado com grupos como a Orquestra Real do Concertgebouw, de Amsterdã, além de ter criado o Ensemble Cordevento, dedicado à música antiga. Seu olhar para o repertório do álbum é interessante. “Se Bach é um masterchef, então Telemann é o livro de receitas do masterchef”, disse em uma entrevista. “Bach serve os pratos prontos para consumo; Telemann, os ingredientes com o qual se deve cozinhar.” Se for para seguir em sua metáfora, então não há outra maneira além de preparar o apetite e se deliciar com a riqueza das obras e da interpretação de uma obra excepcional.


NINE TRUMPETS AND ONE PIANO
Trumpet music from around the world
Fábio Brum – trompete
Santiago Báez – piano
Lançamento Naxos. Importado.
R$ 88,30.

Fabio Brum

O trompetista brasileiro Fábio Brum já percorreu o mundo. Não é só maneira de dizer. Formado no Brasil e, em seguida, na Alemanha, integrou orquestras em toda a Europa, na América Latina e nos Estados Unidos. É professor convidado em diferentes instituições e segue com uma importante carreira como solista. Nesse caminho, manteve contato com compositores, que escreveram para ele peças que exploram as sonoridades de seu instrumento. E parte delas está registrada em seu novo álbum, com obras de autores espanhóis, italianos e brasileiros, em que é acompanhado pelo pianista Santiago Báez. Entre os destaques estão o Prelúdio carioca, de Daniel Freiburg; Canzuá, de Gilson Santos; e Cór, de Douglas Braga, que se unem às Quatro estações brasileiras, de Dimitri Cervo, em uma exploração de linguagens ligadas à cultura brasileira. Vale a pena também ouvir Parallel, de Juan Carlos Valencia Ramos, e Heterónimos, de Pacho Flores, assim como a Canção de sobriedade, de Misha Mullov-Abbado, filho do maestro Claudio Abbado e da violinista Viktoria Mullova e uma das principais vozes da nova música produzida na Itália.


ENESCU
Quarteto para piano nº 1
Trio com piano
Stefan Tarara – violino
Molly Carr – viola
Eun-Sun Hong – violoncelo
Josu de Solaun – piano
Lançamento Naxos. Importado.
R$ 88,30.

George Enescu

A obra do compositor romeno George Enescu (1881-1955) sempre contou com defensores importantes. O violoncelista Pablo Casals o definia como “o maior fenômeno musical desde Mozart”. Já o violinista Yehudi Menuhin dizia que sua música lhe havia oferecido a luz pela qual guiou sua existência. E esse impacto segue vivo em uma nova geração de músicos, como o violinista Stefan Tarara, a violista Molly Carr, a violoncelista Eun-Sun Hong e o pianista Josu de Solaun. Todos eles venceram o Concurso Internacional George Enescu, realizado na Romênia. E aqui oferecem leituras de duas obras marcantes de sua produção de câmara. A primeira delas é o Quarteto para piano nº 1, escrito em 1909, que mostra um autor já maduro aos 28 anos de idade: o destaque é a invenção rítmica, o pulsar da música, do último movimento. O Trio com piano, por sua vez, escrito décadas depois, carrega influências da música impressionista francesa, assim como da música alemã, alternando e combinando sonoridades de maneira rica e envolvendo o ouvinte, que passa a ter a medida da riqueza de sua obra. Um álbum com sonoridade reveladora, para quem já conhece e para quem quiser conhecer Enescu.


NIKOLAI KAPUSTIN
Piano music for jazz trio
Frank Dupree – piano
Jakob Krupp – contrabaixo
Obi Jenne – bateria
Lançamento Capriccio. Importado.
R$ 138,60.

Nikolai Kapustin

O compositor ucraniano Nikolai Kapustin (1937-2020) começou na música estudando piano. Preparava-se para uma carreira como concertista quando conheceu o jazz, o que mudaria sua trajetória e o faria construir uma carreira única no cenário da música de seu país no século XX. Suas obras não propõem apenas a união das duas linguagens. “Ele criou uma maneira muito original de compor sua música: escreve a partitura como se improvisasse”, anotou o crítico João Marcos Coelho em texto no ano de sua morte. É uma proposta estimulante, pois, ao piano, esses improvisos são criados e anotados na partitura. É preciso ouvir para entender as cores únicas que isso dá a suas obras. E o álbum de Frank Dupree é uma excelente porta de entrada para esse universo. O pianista já gravou outras peças de Kapustin, como o Concerto para violino, piano e cordas ou o Concerto para piano nº 4. E aqui se une a Jakob Krupp e Obi Jenne na leitura da música para trio de jazz. Seu envolvimento com essas obras revela ao ouvinte um compositor original, dono de uma imaginação musical que faz dele um músico a ser redescoberto.


BRAHMS
Late Piano Works
Paul Lewis – piano
Lançamento Harmonia Mundi. Importado. R$ 148,20.

Paul Lewis

Em uma recente entrevista ao jornal The New York Times, o pianista Paul Lewis contou que durante muito tempo evitou as últimas obras para piano de Brahms (1833-1897). Havia nelas, explicou, uma ambiguidade: de um lado, um forte conteúdo emocional, uma tristeza enorme; de outro, uma clareza direta em sua comunicação com o ouvinte. Há alguns anos, porém, após gravar o Concerto para piano nº 1 do compositor, voltou-se a essas peças. O resultado é seu novo álbum, em que interpreta as 7 Fantasias op. 116; os 3 Intermezzi op. 117; as 6 Peças op. 118; e as 4 Peças op. 119. São as últimas criações do compositor para piano, que sinalizam, como diz Lewis, ambiguidades. Nelas, Brahms encontra a medida de um sofrimento muitas vezes desesperado em partituras nas quais domina o tom introspectivo. Menos do que força, trata-se de intensidade. E Lewis revela-se mais uma vez um grande intérprete da atualidade do repertório do século XIX, depois de álbuns marcantes dedicados a Beethoven e Schubert. Fundamental.


CLAUDIO SANTORO
Sinfonia nº 5 – Sinfonia nº 7, Brasília
Orquestra Filarmônica de Goiás
Neil Thomson – regente
Lançamento Naxos. Importado. R$ 88,30

Claudio Santoro

Em 2019, o meio musical brasileiro celebrou o centenário do compositor Claudio Santoro (1919 1989). E livros, álbuns e concertos ajudaram a resgatar a música e a história de um autor-chave para a compreensão da música brasileira do século XX, cujas sinfonias, nas palavras do maestro Neil Thomson, deveriam ter no cenário internacional a mesma importância que as escritas por Shostakovich. Não por acaso, naquele ano o maestro britânico e sua orquestra, a Filarmônica de Goiás, embarcaram em um projeto ambicioso: gravar a integral sinfônica do autor para a série A Música do Brasil, do selo Naxos. E, agora, essas gravações começam a chegar ao público, com o lançamento do álbum com as Sinfonias nº 5 e nº 7. A carreira de Santoro foi marcada por diferentes períodos, ao longo dos quais dialogou com várias correntes estéticas. As duas sinfonias aqui reunidas pertencem a seu período nacionalista, mas as raízes brasileiras são apenas ponto de partida para uma escrita extremamente pessoal, que com gravações de alto nível como essa ressurge em toda a sua riqueza. Leia mais sobre esse álbum na seção Especial dessa edição.


CD DIGITAL
OSPA E CONVIDADOS
Orquestra Sinfônica de Porto Alegre
Evandro Matté
– regente
Lançamento independente.
Disponível apenas por streaming.

Orquestra Sinfônica de Porto Alegre

Sob o comando do maestro Evandro Matté, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre tem realizado importantes conquistas nos últimos anos. Ganhou uma sala de concertos, a Casa da Ospa, que hoje inclui ainda uma sala de recitais e espaços para ensaios. Ampliou seu repertório. E agora lança o seu primeiro álbum em duas décadas, com peças de cinco autores brasileiros. A primeira é Mba’epu Porã, na qual Arthur Barbosa explora a música do Rio Grande do Sul – a obra foi encomendada para a inauguração da casa. Em seguida, o Quinteto Porto Alegre, formado por músicos da orquestra, toca o Concerto grosso de Fernando Deddos, que tem se destacado pela escrita para metais. Com um caráter que vai do lírico ao dançante, o Improviso para violino e orquestra, de João Guilherme Ripper, vem na sequência, com solo de Emerson Kretschmer. De Dimitri Cervo, é tocada Canauê, nona obra da Série Brasil. E, fechando o álbum, o Divertimento para marimba e cordas, em que Radamés Gnattali dilui as fronteiras entre erudito e popular. Uma amostra da diversidade da música brasileira e do momento especial vivido pela orquestra.


CD DIGITAL
BACH BWV 998
Nicholas Abdo
– violão
Diego Pereira – bateria
Lançamento Amellis Records.

Nicholas Abdo

Disponível apenas por streaming. A música de Bach (1685-1750) é um patrimônio da cultura ocidental e, como tal, tem sido relida ao longo dos séculos. É um exercício de constante encantamento e das múltiplas viagens sonoras que suas partituras permitem empreender. E este novo álbum oferece um trajeto rico e fascinante. Nele, o violonistaNicholas Abdo, ex-aluno de Henrique Pinto e Paulo Martelli, grava o Prelúdio, fuga e alegro BWV 998, combinando o violão com a bateria de Diego Pereira. “Entre as composições de Bach, estas peças para alaúde funcionavam como puro entretenimento social das noitadas na corte de Leipzig”, explica o próprio Abdo sobre a escolha. A mistura pode parecer estranha a princípio, mas a audição revela uma interpretação que traz as principais qualidades da melhor música de câmara: atenção entre os intérpretes e uma combinação de sonoridades capaz de revelar meandros da partitura. Como um manancial, a obra de Bach segue inspirando diferentes possibilidades de leitura. E diálogos ricos como o proposto por Abdo e Pereira.


CD DIGITAL 
CLAUDIO SANTORO 

Integral da obra para violão solo 
Felipe Garibaldi – violão 
Lançamento independente. 
Disponível apenas por streaming.

Felipe Garibaldi

A diversidade da obra de Claudio Santoro não cessa de desafiar convenções. E, no mesmo mês em que é lançado o primeiro volume da gravação integral das suas sinfonias, o violonista Felipe Garibaldi revela ao ouvinte o fruto de anos de pesquisa por meio do registro de outra faceta do músico: sua obra integral para violão solo. Garibaldi começou a estudá-la na Universidade de São Paulo, dedicando a ela seu mestrado. Pouco depois, mudou-se para os Estados Unidos, onde seguiu com sua pesquisa e realizou doutorado no Peabody Conservatory. Foi lá que gravou o álbum, no qual podemos ouvir seus Prelúdios, o Estudo e a Fantasia Sul América, escritos no início dos anos 1980. São obras desafiadoras, em que Santoro experimenta a música atonal, explorando sonoridades únicas do instrumento. Por conta disso, elas tornam-se um desafio para o intérprete, superado por Garibaldi, cujo envolvimento com essas partituras permitem serem recriadas em toda a sua riqueza e complexidade. 


CD DIGITAL 
LIEDER OHNE WORTE 

Obras de Schumann, Schubert e Brahms Raïff 
Dantas Barreto – violoncelo e Flávio Augusto – piano 
Lançamento Azul Music. 
Disponível apenas por streaming 

Lieder ohne Worte

No repertório do século XIX, há um lugar especial reservado às canções. O chamado Lied evoca a sensibilidade romântica e seus principais temas a partir da delicada união entre música e poesia. E rendeu verdadeiras obras-primas, como os ciclos Winterreise (Viagem de inverno), de Schubert, e Dichterliebe (Amor de poeta), de Schumann. E foi o fascínio por esse universo que fez o violoncelista Raïff Dantas Barreto, spalla dos violoncelos da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, formatar ao lado de Flávio Augusto esse projeto. A alma do álbum é o ciclo de Schumann, cuja variedade de estados de espírito é capturada com sensibilidade por Raïff, que com seu violoncelo substituiu o canto, acompanhado com elegância e intensidade pelo pianista. A cada canção, é como se o instrumento de cordas se transformasse, dando à leitura um caráter múltiplo muito rico. O que acontece também em peças como Ständchen de Schubert ou Sommerabend, de Brahms, que completam o repertório. 


LIVRO
HEITOR VILLA-LOBOS: VIDA E OBRA
Eero Tarasti

Editora Contracorrente. 600 páginas. R$ 190.
Desconto de 10% para assinantes.
[Comprar]

Heitor Villa-Lobos: Vida e obra

Nos anos 1970, o musicólogo finlandês Eero Tarasti viajou ao Brasil com o objetivo de pesquisar a música indígena na Amazônia. Sua primeira parada foi o Rio de Janeiro, onde pediu permissão ao governo brasileiro para seguir à região norte do país. A autorização, porém, foi negada após uma longa espera, mas a viagem não foi em vão. No período em que esteve no Rio, aproveitou para conhecer a fundo a obra de Villa-Lobos. E dessa pesquisa nasceu Heitor Villa-Lobos: vida e obra, que só agora ganha edição em português, trinta e cinco anos após seu lançamento. É uma obra fundamental para a compreensão do compositor. “É notável a alteridade que o livro demonstra, o olhar que ele desenvolve na relação com uma cultura tão complexa como a brasileira”, explica o musicólogo e professor da USP Paulo de Tarso Salles, um dos tradutores do livro. “É uma visão abrangente a que ele nos oferece. Tarasti contribuiu com a construção de um Villa-Lobos menos folclórico, mais real.” O livro articula dados biográficos com comentários sobre as obras, com insights importantes. Ao contrário de outros comentaristas da carreira de Villa-Lobos naquele momento, o autor dedica-se, por exemplo, a suas sinfonias, mostrando uma importância que apenas mais tarde seria celebrada por especialistas. É apenas um dos muitos exemplos a fazer do livro obra indispensável na bibliografia sobre o compositor e a música brasileira.