Figuras da Dança: memória da dança preservada

por Redação CONCERTO 26/04/2025

Por Eleni Destro

“Tenho uma pergunta para a qual ainda não consegui obter a resposta: Qual foi e quando foi o primeiro evento cênico da dança no Brasil?”. A pergunta é da bailarina, coreógrafa e diretora Sônia Mota. A preocupação de Sônia com a memória da dança brasileira é a de muitos outros fazedores e amantes dessa arte, não tão valorizada e documentada quanto se deseja. Felizmente, nas últimas décadas, a memória da dança no e do Brasil tem ganhado projetos aliados. Um deles teve início em 2008 com a série de documentários Figuras da Dança, criada pela São Paulo Companhia de Dança (SPCD), gerida pela Associação Pró-Dança, que em 2025 chega a 45 personagens documentados – o 45º será o bailarino brasileiros reconhecido internacionalmente Marcelo Gomes, que estreia em agosto –, que dividiram suas histórias em vídeo, texto e fotografias.

Inês Bogéa, idealizadora do projeto e diretora artística da São Paulo Companhia de Dança, conta que o Figuras da Dança começou a ser desenhado a partir do desejo de conhecer mais profundamente quem fez e faz a dança no Brasil. “Comecei a me aproximar dessas histórias por meio do olhar documental – e foi nesse momento que criei, em parceria com o Sergio Roizenblit, três vídeos sobre grandes nomes da dança: Renée Gumiel (1913-2006), Klauss Vianna (1828-1992) e Maria Duschenes (1922-2014). Esses trabalhos me mostraram como o vídeo pode ser um espaço de continuidade da dança: pela narrativa, pelo ritmo, pelas imagens e depoimentos. Criamos uma coreografia que conecta o passado e o presente, como se fosse possível suspender o tempo”, descreve.

A primeira temporada estreou em 2008, na TV Cultura, parceira desde o início, depois vieram também o canal Arte1 e o Curta!. 

“A proposta sempre foi essa: valorizar a memória da dança brasileira por meio de quem a constrói com o próprio corpo, com afeto e com resistência”, ressalta Bogéa. Para escolher os personagens, ela utilizava como critério principal a contribuição singular que cada um deixou ou continua deixando – seja no balé clássico, na dança contemporânea, na pesquisa de movimento, na formação de novos artistas ou na criação de espaços e linguagens para a dança acontecer. “Desde o início, a série busca reunir diferentes vozes e histórias que atravessam o país e que refletem a riqueza e a multiplicidade da dança brasileira. Há artistas que dedicaram a vida à cena clássica, como Tatiana Leskova, Ana Botafogo e Cecília Kerche, e outros que mergulharam na experimentação contemporânea, como Sonia Mota, Célia Gouvêa, Ismael Ivo (1955-2001) e J. C. Violla. Há aqueles ligados ao ensino, como Ivonice Satie (1950-2008), Edson Claro (1949-2013) e Marilene Martins, e quem ampliou a dança para além do palco, como Paulo Pederneiras e Clyde Morgan”, descreve.

PERSONAGENS

Ana Botafogo, um dos maiores e mais conhecidos nomes da dança e símbolo do balé clássico no Brasil, foi uma das homenageadas, em 2011. “O Figuras da Dança é um projeto de grande importância e de uma enorme responsabilidade sobre a memória da cultura da dança no nosso país. Através desses documentários, todos nós, bailarinos, bailarinas, professores e todos que amam a dança puderam conhecer trajetórias que fizeram história e ajudaram ao desenvolvimento da dança no Brasil. É um projeto especial e necessário à nossa memória”, pontua. 

Sônia Mota, além de personagem da série em 2010, se lançou no trabalho de salvaguardar a memória da dança com seu livro “Arte da Presença/Presença na Arte”, de 2024, no qual transcreve seu método de ensino e sua trajetória na dança, iniciada em 1956. “Sempre tive uma grande vontade de que houvesse, no Brasil, uma central de dança, um local que tivesse arquivado todos os registros possíveis da dança cênica feita no país desde a sua primeira apresentação”, conta. “Infelizmente isso ainda não existe. Mas, felizmente, nas últimas décadas, começaram a surgir iniciativas privadas com o intuito de cuidar desse registro, tanto no formato impresso, como no digital. Por isso, quando o Figuras da Dança dedicou um dos seus episódios à minha história, fiquei feliz e orgulhosa de poder ter minha vivência registrada em vídeo e por poder passar para eles grande parte do meu acervo”, revela.

Em 2014, um dos nomes foi o de Eliana Caminada, bailarina, intérprete e pesquisadora dedicada à história da dança “O Figuras da Dança recupera a memória do balé no Brasil, das figuras mais importantes ou que tiveram uma grande importância, não apenas no eixo Rio-São Paulo, mas em diferentes estados do Brasil”, conta ela, que também participou como depoente ou escritora de outros títulos.

Eliana também destaca livros da Série Memória, do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, publicados com patrocínio do Ministério da Cultura – Funarte, como documentos de preservação da memória da dança. “São muitos os contemplados com essas biografias, pessoas da dança, música e ópera. Eu, pessoalmente, escrevi sobre três personalidades: Maryla Gremo (1911-1995), Yuko Lindbergh (1906-1948) e Vaslav Velchek (1896-1968). O Velchek foi uma personalidade muito importante, que além de ter sido diretor do corpo de baile do Theatro Municipal, foi também o criador, o fundador e o primeiro diretor da Escola de Bailados de São Paulo”. Eliana também cita os livros da série Nacionalidade Bailarina, como um dos materiais de registro de memória da dança que temos no país. 

MEMÓRIA(S) DA DANÇA

Também é preciso destacar como ferramenta de conservação da memória da dança o projeto Missão Memória da Dança no Brasil, idealizado por Arnaldo Alvarenga, dançarino, professor, coreógrafo e pesquisador. O seu objetivo é destacar a dança no Brasil, recolhendo informações sobre os artistas, grupos e companhias que vivem e trabalham no território nacional e, em alguns casos fora dele. 

Também merece destaque o Acervo RecorDança, um coletivo de pesquisadoras com 18 anos de história que se dedicam a cuidar das memórias das danças de Pernambuco. O Acervo reúne, em ambiente virtual, registros de danças em fotos, vídeos, áudios, programas e cartazes de espetáculos, entre outros documentos, produzidos majoritariamente na região metropolitana do Recife, assim como informações de artistas e grupos atuantes nesse cenário, cultivando a dança como ponto de partida na construção de conhecimentos. 

Pode ser citado ainda o Projeto Memorial da Dança da Ufba (Universidade Federal da Bahia). Seu objetivo é tornar acessível a dança, em suas diferentes dimensões, enquanto área de conhecimento e práticas artísticas e/ou socioculturais. Outro projeto de memória da dança é o Historiografias da Dança Brasileira, que se estruturou como uma série de 5 videoconferências sobre as diferentes narrativas das histórias da dança no Brasil tendo como objetivo principal colocar em diálogo a diversidade de perspectivas sobre a dança e problematizar o olhar hegemônico do eixo Sul-Sudeste. O projeto é uma proposição da equipe de Artes Cênicas do Departamento Nacional do Sesc, realizado em parceria com a Gerência de Formação e Pesquisa com a assessoria da artista, pesquisadora e professora de dança Flavia Meireles.

O livro “História em Movimento: Biografias e Registros em Dança”, organizado por Roberto Pereira (1965-2009), Sandra Meyer e Sigrid Nora, de 2007, é outra fonte de informação sobre a memória da dança no Brasil. Ele surgiu durante o Festival de Dança de Joinville, resultado de um seminário sobre o tema que reuniu 21 acadêmicos e especialistas de 11 estados brasileiros, que apresentaram dissertações, teses, relatos de pesquisas, experiências cênicas e registros nas diversas mídias. São vinte textos que formam um mosaico de estudos, biografias e registros em dança no Brasil. 

Sob a coordenação do pesquisador e curador Arnaldo Siqueira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o projeto “Biografias de Mulheres da Dança” é uma iniciativa dedicada a visibilizar e valorizar a memória da dança nas cidades de Recife e Rio de Janeiro. “O projeto destaca o rico percurso de importantes figuras femininas da dança, como Flavia Barros, Ana Regina e Tânia Trindade. Essas figuras da dança, com suas contribuições artísticas e pedagógicas, ajudaram a formar a cena do balé e da dança moderna no Recife e entorno. O projeto busca não apenas documentar suas histórias, mas também inspirar novas gerações de bailarinas e coreógrafas. Ao resgatar essas biografias, é promovido um reconhecimento essencial do papel das mulheres na arte da dança, celebrando suas conquistas e legados”, explica Siqueira.

Esses exemplos evidenciam que a dança no Brasil tem um passado vibrante, construído com paixão nos palcos, nas salas de aula e nos bastidores. Graças ao empenho de artistas, pesquisadores e instituições comprometidas com sua preservação, essa história tem sido registrada, contada e compartilhada. Assim, a memória da dança segue viva – inspirando novas gerações e garantindo que, no presente e no futuro, ela continue em movimento.


SAIBA MAIS

Figuras da Dança (clique aqui para acessar)
Confira a playlist no youtube Figuras da Dança
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Acervo RecorDança (clique aqui para acessar)

Projeto Memorial da Dança da Ufba (clique aqui para acessar)

Projeto Muntu: Memórias Solares em Movimento (clique aqui para acessar)

Projeto Memória em Dança (clique aqui para acessar)

Projeto Missão Memória da Dança
Projeto que resultou na coletânea de oito livros que contam a história da dança em Belo Horizonte
 
Projeto Histografias da Dança Brasileira
Projeto que visa criar arquivos digitais sobre a dança no Brasil, bem como desenvolver tecnologias de memória e ferramentas de documentação

LIVROS

História em Movimento: biografias e registros em dança; Organização: Roberto Pereira Sandra Meyer Sigrid Nora – Instituto Festival de Dança de Joinville

Arte da Presença/Presença na Arte, de Sônia Mota – Programa Funarte Retomada 2023 – Dança
 


 

Gravação do Figuras da Dança com Inaicyra Falcão (divulgação)
Gravação do Figuras da Dança com Inaicyra Falcão (divulgação)

 

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