Morre Roberto de Regina, pioneiro do cravo e da música antiga no Brasil, aos 98 anos

por Redação CONCERTO 25/04/2025

O Brasil perdeu hoje, sexta-feira, 25 de abril, uma de suas figuras mais emblemáticas da música clássica: o cravista, maestro, construtor de instrumentos e médico Roberto de Regina faleceu aos 98 anos, em seu sítio em Guaratiba, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, de causas naturais. 

Nascido em 12 de janeiro de 1927, no Rio, Roberto de Regina foi um dos principais responsáveis pela introdução e difusão da música antiga no país. Sua trajetória é marcada por pioneirismo e dedicação à arte, deixando um legado que moldou gerações de músicos e amantes da música barroca. 

“Ele foi um grande artista, um grande mestre, inspirador de tantas carreiras. Ao mesmo tempo em que ensinava, nos fazia rir com seus trocadilhos. Visitou os grandes compositores da música barroca – Bach, Scarlatti, Rameau, Couperin –, sempre com interpretações marcadas pela vivacidade e brilhantismo. O vigor do seu toque e a agilidade de sua mente, imortalizados em suas gravações, ficam como um legado para nos lembrar da transcendência da música”, diz à CONCERTO a cravista Rosana Lanzelotte.

“Penso hoje no Roberto e passa um filme na minha cabeça”, diz o cravista e professor Marcelo Fagerlande. “Eu o conheci quando tinha 10 anos de idade, fui levado a ele pelo meu pai, e aquele encontro mudou minha vida completamente. Eu era uma criança começando a aprender a tocar piano e, pouco depois, aos 12 anos, já tinha um cravo na minha casa.”

Para Fagerlande, “a personalidade e a inteligência dele foram marcantes”. “Mesmo depois dos meus estudos na Alemanha, sempre segui admirando ele. Em tudo o que ele tocava, ele fazia arte de uma maneira viva, inteligente, bem-humorada.”

Roberto de Regina formou-se em medicina, mas dedicou a vida à música, inicialmente como pianista, depois como cravista e regente. Era um apaixonado pelo Barroco. Em entrevista concedida a Luis S. Krausz e publicada na edição de janeiro-fevereiro de 1998 na Revista CONCERTO, Roberto de Regina afirmou: “De tudo o que a humanidade fez, o que mais me deslumbra é o barroco, que, surpreendentemente, é ainda muito pouco conhecido. Só se conhecem as obras fundamentais. Quantas pessoas mergulharam de cabeça nos oratórios de Händel? Muitas vezes há um desprezo pelo rótulo barroco, mas quem se aprofundar neste repertório reconhecerá que a música teve, nesta época, seu ponto culminante. A partir daí fez uma curva, deixou de lado muita coisa, e perdeu um pouco o seu esplendor. Depois do barroco, o vermelho púrpura e o vermelho sanguíneo da música viraram rosa bebê. Mozart, para mim, é cor de rosa se comparado com o esplendor escarlate da música barroca”.

Na década de 1950, Roberto de Regina iniciou a construção de cravos, sendo o primeiro a fabricar esse instrumento no Brasil. “Roberto foi um grande divisor de águas como intérprete, mas também como construtor de instrumentos. Antes dele, era preciso importar cravos, o preço era muito alto. E, com ele, os brasileiros puderam começar a ter acesso a preços muito mais acessíveis, e isso mudou muita coisa”, diz Fagerlande. 

Sua paixão pelo cravo o levou a gravar os dois primeiros discos dedicados ao instrumento e à música antiga no Brasil. Com uma discografia que inclui 26 álbuns e 5 DVDs, Roberto de Regina recebeu diversos prêmios e honrarias ao longo de sua carreira, a última sendo no ano passado a outorga do título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Em 1974, ao lado da cravista Ingrid Müller Seraphim, Regina fundou a Camerata Antiqua de Curitiba, atuante até hoje e um dos mais importantes grupos dedicados à música antiga no Brasil. Outra de suas paixões era o trabalho como artesão e pintor, que pode ser conhecido no museu e na Capela Magdalena, que ele criou em seu sítio em Guaratiba. Ali há uma pequena sala de concertos, com pinturas estilizadas e inspiradas no período barroco e um cravo do século XVIII, tudo feito por Regina.

A vida e obra de Roberto de Regina representam um marco incontornável da história da música brasileira e são um testemunho de dedicação, talento e amor à música. Seu trabalho fixou balizas e marcou novas perspectivas para música antiga no Brasil.

No final do ano passado, foram finalizadas as filmagens do documentário O cravista, de Luiz Eduardo Ozório, sobre a trajetória do artista. A produção teve como locação final a Casa Julieta de Serpa, e contou com a reprodução de um baile real com dançarinos e músicos da UFRJ. 

“Para mim o documentário será muito positivo para reverberar o valor que o cravo representa para a música. Acredito que é um instrumento que tem um potencial de se manter vivo, crescer, porque ele tem algo especial. O som é parecido com as cordas da guitarra, então acho que o futuro do cravo será promissor com os jovens”, disse Regina na ocasião.

O cravista Roberto de Regina durante recital de despedida na Academia Brasileira de Letras [Fernando Frazão/Agência Brasil]
O cravista Roberto de Regina durante recital de despedida na Academia Brasileira de Letras [Fernando Frazão/Agência Brasil]

 

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