Academia Brasileira de Música lança catálogo e biografia de Mário Tavares

por Luciana Medeiros 23/03/2020

Praticamente todos os músicos de concerto que atuaram no Rio de Janeiro entre a década de 1950 e o fim dos anos 1990 conheceram, conviveram ou tiveram algum contato com o regente e compositor Mário Tavares – e o mesmo vale para muitos artistas da música popular. Nascido em 1928, em Natal, violoncelista de formação, Tavares somava os dons musicais a uma postura apaixonada e às vezes folclórica. Respeitado pelos colegas, habilidoso como regente, era o que chamaríamos hoje de “sincerão”. Parecia ranzinza, mas quem se demorava um pouco ao seu lado percebia a fina inteligência e o humor logo abaixo do jeito brusco. 

Essa grande figura da música brasileira está bem retratada no volume digital Mário Tavares: a música como arte e ofício – Biografia e catálogo de obras, de André Cardoso, que acaba de ser disponibilizado no site da Academia Brasileira de Música. O livro é repleto de detalhes saborosos da vida de Mario Tavares e começa com a chegada ao Brasil do primeiro Albuquerque Maranhão, seu ascendente, vindo de Portugal no século XVI. A trajetória do menino violoncelista bordeja momentos importantíssimos da música no Brasil. E o catálogo levantado por André Cardoso representa principalmente uma oportunidade para se revisitar o trabalho de Tavares como compositor de uma centena de obras, muitas ainda inéditas.

“O compositor Mário Tavares foi muitas vezes eclipsado pelo regente”, diz o presidente da ABM João Guilherme Ripper na apresentação do livro. E Cardoso reforça: “Estamos também, na Academia, editando as partituras para que estejam disponíveis e possam ser programadas”.

Com 96 obras detalhadas, o catálogo lista ainda alguns arranjos e orquestrações guardados no acervo e aponta cinco obras cujas partituras não foram localizadas. “Ele foi essencialmente um compositor nacionalista, aluno de Francisco Mignone e de Victor Tevah, contemporâneo de Claudio Santoro”, continua Cardoso. “Muitas de suas obras são inéditas ou estão há muito tempo sem ser tocadas. A mais famosa delas talvez seja Ganguzama, na qual Tavares insere, pela primeira vez na música sinfônica, um berimbau como instrumento da percussão. A Academia Brasileira de Música estimula a programação dessas obras nas suas Brasilianas, a Sinfônica Nacional também vem tocando.” Tavares foi também responsável por importantíssimas primeiras audições, como as óperas O Chalaça e O sargento de milícias, de Mignone, e peças de Guerra-Peixe, Radamés Gnattali, Ronaldo Miranda e muitos mais.

Mário Tavares [Reprodução]
Mário Tavares [Reprodução]

O livro surgiu quando André Cardoso propôs em 1998 à Escola de Música da UFRJ a concessão do título de Doutor Honoris Causa a Tavares e a Edino Krieger, que nasceu no mesmo ano. “Ao montar a documentação que justifica o título, com material cedido pelo próprio Tavares, fui me dando conta de que sua obra era conhecida de poucos intérpretes”, explica. “Ele faleceu em 2003. Em 2008, quando faria 90 anos, retomei a ideia do catálogo e decidi detalhar sua biografia.”

O arquivo pessoal estava preservado pela viúva Gláucia Tavares e foi franqueado a Cardoso. “Fotos, documentos, partituras me desenharam um retrato mais completo de Tavares”, prossegue o autor. “Ele não se dedicou ao magistério. Eu próprio tentei ter aulas com ele, que repetiu a atitude de sempre: me disse que eu poderia observar, acompanhar e perguntar o que quisesse, mas não daria aulas formais.” Dos cursos pontuais que Tavares ministrou, o mais longo deles foi na Escola de Música, como professor visitante, em 1994 e 1995. Também foi fundador de instituições – uma delas, a Ordem dos Músicos do Brasil. 

Mario Tavares, como outros compositores e regentes de sua geração – Radamés Gnattali, Leo Peracchi, Alceo Bocchino, entre outros – teve uma forte atuação na música popular. Foi regente e arranjador de orquestras radiofônicas – rádios Mundial e Tupi – e regia grandes festivais de MPB. “Era Mario quem estava à frente da orquestra quando Sabiá, de Tom e Chico, levou aquela vaia monumental ao vencer o 3º Festival Internacional da Canção em 1968”, lembra André Cardoso. Há elogios de Edu Lobo e de Egberto Gismonti, por exemplo, discorrendo sobre a capacidade e a simplicidade do regente – “Mário Tavares guiou-me em tudo que fiz. Aprendi demais, estudando com ele. Foi muito bacana. Não teve a atitude de quem sabe mais e menospreza o outro, mas me ajudou o tempo todo”, disse Lobo.

Se muita gente ainda desconhece a trajetória de Mário Tavares, outros ainda se lembram apenas do maestro “ranzinza” (“ele brigava muito pelas melhores condições de trabalho, por isso se zangava”, pontua Cardoso). O livro que agora está ao alcance do público – gratuitamente – ajuda a recolocar o natalense radicado no Rio em lugar de destaque na música brasileira do século XX.

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