Uma estreia brasileira no centro das celebrações do cinquentenário da Revolução dos Cravos

por Luciana Medeiros 24/04/2024

João Guilherme Ripper tinha 14 anos e estudava no colégio carioca Marista São José quando estourou – ou floresceu – a Revolução dos Cravos, em Portugal, no dia 25 de abril de 1974. “Naquela época, as notícias do exterior demoravam a chegar e não me lembro de ter registrado. Lembro-me de que a notícia da Revolução em Portugal tornou-se assunto de conversas reservadas dos adultos, pois continuávamos a viver num país sob ditadura”, conta ele de Lisboa, dias antes de estrear sua Sinfonia de abril. A peça foi uma encomenda do Ministério das Relações Exteriores do Brasil para as comemorações do cinquentenário da volta à democracia em terras lusitanas.

Dedicada à Orquestra Metropolitana de Lisboa, que faz as duas primeiras apresentações da peça, Sinfonia de abril sobe ao palco no próprio dia 25, no Pavilhão Paz e Amizade, em Loures, na Grande Lisboa, com entrada gratuita. A orquestra será regida por José Eduardo Gomes. Dia 26, o concerto será repetido no Pavilhão da Ajuda, em Alcântara. No programa, além da estreia, a Quinta sinfonia de Beethoven; Histórias de abril, de Anne Victorino d’Almeida; Canções heroicas, de Fernando Lopes Graça; e um arranjo sinfônico de Tanto Mar, de Chico Buarque.

“Demorei exatos 10 dias para compor e orquestrar a obra”, revela Ripper. “Tinha acabado de escrever a ópera Devoção, que estreia em julho no Palácio das Artes. Mas por meses, antes de começar a escrever, assisti a documentários e li inúmeros artigos sobre o 25 de Abril, reproduzindo o método auto-indutivo que sempre adoto quando vou abordar um novo tema em ópera.” 

O resultado é uma peça sinfônica com três momentos, por assim dizer. No primeiro, o politonalismo faz referência aos sons ouvidos pelas ruas em festa, com timbres e dinâmicas variadas, trechos de músicas, inclusive Grândola, Vila Morena – canção de Zeca Afonso que se tornou um hino da revolução. O movimento seguinte é lento e melancólico: “Vermelho: sangue e cravos evoca as vidas perdidas em mais de 40 anos de luta pela liberdade”, diz o compositor. “O terceiro, Terra da fraternidade, tem a forma de rondó-sonata, cujo refrão é baseado no ritmo do fandango.” A canção-hino de faz presente de diversas formas. “Em uma das seções, utilizei o trecho inicial de Grândola para construir dois cânones cerrados sucessivos nos metais e cordas.”

A relação do compositor carioca com a música de concerto portuguesa vem se solidificando há alguns anos. “A obra integra a série de minhas composições criadas especialmente para instituições portuguesas como a ópera Cartas portuguesas (Fundação Gulbenkian, 2020), a versão da ópera Domitila com orquestra sinfônica (CCB e Metropolitana, 2022) e Pequeno concerto para Mafra (Palácio Nacional de Mafra, 2023).”

Segundo Ripper, o intercâmbio musical entre Brasil e Portugal efetivamente cresceu com as iniciativas do Ministério e da Embaixada do Brasil em Lisboa, graças principalmente ao diplomata e compositor Gustavo de Sá e, no Brasil, a Alexandra Pinho, diretora do Instituto Camões. “Em 2021, a partir de seu convite, reuni o Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa, a MEC FM a Antena 2 para criar o podcast Torna Viagem: as idas e vindas da música entre Portugal e Brasil, veiculado nos dois países”, acrescenta ele, que acrescenta: “Pelo lado português, os pianistas Artur Pizarro e Bernardo Santos apresentaram-se nesta semana com a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais dirigida por Ligia Amadio; a soprano Carla Caramujo, que já cantou os papéis de Mariana Alcoforado em Cartas portuguesas e Domitila, no Brasil e em Portugal, criará o papel de Mercês em Devoção, com libreto de André Cardoso, que estreia em julho.”

A Sinfonia de abril terá sua estreia brasileira dia 16 de maio, em Goiânia, com a Filarmônica de Goiás sob a batuta de Neil Thomson. O concerto vai ser transmitido pela MEC FM.

Em Lisboa para os ensaios, Ripper está no centro das celebrações. “A cidade está repleta de cartazes e faixas anunciando eventos comemorativos ao cinquentenário do 25 de Abril; livrarias expõem títulos sobre a Revolução, o Estado Novo, PIDE; lojas vendem cravos vermelhos artificiais, camisetas, botons. Durante o dia, haverá festas e manifestações na Av. da Liberdade e em outros locais de Lisboa. À noite, haverá concertos em diferentes freguesias. Será bonita a festa, ó pá.”

Serviço
A estreia de Sinfonia de Abril no concerto da Orquestra Metropolitana de Lisboa em comemoração aos 50 anos da Revolução dos Cravos será transmitida ao vivo pelo YouTube, dia 25/04, às 17 horas horário do Brasil (21 horas em Portugal).
Clique aqui para ir à transmissão do YouTube.

Programa
Ludwig van Beethoven – Sinfonia nº 5
João Guilherme Ripper – Sinfonia de Abril (estreia mundial)
Anne Victorino d’Almeida – Histórias de Abril
Fernando Lopes Graça – Canções Heroicas (arr. Luís Cardoso)
Chico Buarque – Tanto Mar (arranjo para coro e orquestra de Sara Ross)

Direção de orquestra: José Eduardo Gomes
Direção de coro: Isaac Fernandes e Pedro Galego (Conservatório Artallis)
Participação do CoraLiCiMus - Coral dos alunos da licenciatura em Ciências Musicais da Universidade Nova-FCSH

Leia também
Especial 
Compositoras em foco: Clarice Assad e ‘Raízes’
Notícias Semana do Cravo realiza vigésima edição no Rio de Janeiro
Crítica Uma tarde de descobertas no ‘Elixir do amor’ do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, por João Luiz Sampaio
Crítica ‘O barbeiro de Sevilha’ na casa de bonecas, por Nelson Rubens Kunze

O compositor João Guilherme Ripper [Divulgação]
O compositor João Guilherme Ripper [Divulgação]

 

Curtir

Comentários

Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da Revista CONCERTO.

É preciso estar logado para comentar. Clique aqui para fazer seu login gratuito.