João Guilherme Ripper tinha 14 anos e estudava no colégio carioca Marista São José quando estourou – ou floresceu – a Revolução dos Cravos, em Portugal, no dia 25 de abril de 1974. “Naquela época, as notícias do exterior demoravam a chegar e não me lembro de ter registrado. Lembro-me de que a notícia da Revolução em Portugal tornou-se assunto de conversas reservadas dos adultos, pois continuávamos a viver num país sob ditadura”, conta ele de Lisboa, dias antes de estrear sua Sinfonia de abril. A peça foi uma encomenda do Ministério das Relações Exteriores do Brasil para as comemorações do cinquentenário da volta à democracia em terras lusitanas.
Dedicada à Orquestra Metropolitana de Lisboa, que faz as duas primeiras apresentações da peça, Sinfonia de abril sobe ao palco no próprio dia 25, no Pavilhão Paz e Amizade, em Loures, na Grande Lisboa, com entrada gratuita. A orquestra será regida por José Eduardo Gomes. Dia 26, o concerto será repetido no Pavilhão da Ajuda, em Alcântara. No programa, além da estreia, a Quinta sinfonia de Beethoven; Histórias de abril, de Anne Victorino d’Almeida; Canções heroicas, de Fernando Lopes Graça; e um arranjo sinfônico de Tanto Mar, de Chico Buarque.
“Demorei exatos 10 dias para compor e orquestrar a obra”, revela Ripper. “Tinha acabado de escrever a ópera Devoção, que estreia em julho no Palácio das Artes. Mas por meses, antes de começar a escrever, assisti a documentários e li inúmeros artigos sobre o 25 de Abril, reproduzindo o método auto-indutivo que sempre adoto quando vou abordar um novo tema em ópera.”
O resultado é uma peça sinfônica com três momentos, por assim dizer. No primeiro, o politonalismo faz referência aos sons ouvidos pelas ruas em festa, com timbres e dinâmicas variadas, trechos de músicas, inclusive Grândola, Vila Morena – canção de Zeca Afonso que se tornou um hino da revolução. O movimento seguinte é lento e melancólico: “Vermelho: sangue e cravos evoca as vidas perdidas em mais de 40 anos de luta pela liberdade”, diz o compositor. “O terceiro, Terra da fraternidade, tem a forma de rondó-sonata, cujo refrão é baseado no ritmo do fandango.” A canção-hino de faz presente de diversas formas. “Em uma das seções, utilizei o trecho inicial de Grândola para construir dois cânones cerrados sucessivos nos metais e cordas.”
A relação do compositor carioca com a música de concerto portuguesa vem se solidificando há alguns anos. “A obra integra a série de minhas composições criadas especialmente para instituições portuguesas como a ópera Cartas portuguesas (Fundação Gulbenkian, 2020), a versão da ópera Domitila com orquestra sinfônica (CCB e Metropolitana, 2022) e Pequeno concerto para Mafra (Palácio Nacional de Mafra, 2023).”
Segundo Ripper, o intercâmbio musical entre Brasil e Portugal efetivamente cresceu com as iniciativas do Ministério e da Embaixada do Brasil em Lisboa, graças principalmente ao diplomata e compositor Gustavo de Sá e, no Brasil, a Alexandra Pinho, diretora do Instituto Camões. “Em 2021, a partir de seu convite, reuni o Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa, a MEC FM a Antena 2 para criar o podcast Torna Viagem: as idas e vindas da música entre Portugal e Brasil, veiculado nos dois países”, acrescenta ele, que acrescenta: “Pelo lado português, os pianistas Artur Pizarro e Bernardo Santos apresentaram-se nesta semana com a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais dirigida por Ligia Amadio; a soprano Carla Caramujo, que já cantou os papéis de Mariana Alcoforado em Cartas portuguesas e Domitila, no Brasil e em Portugal, criará o papel de Mercês em Devoção, com libreto de André Cardoso, que estreia em julho.”
A Sinfonia de abril terá sua estreia brasileira dia 16 de maio, em Goiânia, com a Filarmônica de Goiás sob a batuta de Neil Thomson. O concerto vai ser transmitido pela MEC FM.
Em Lisboa para os ensaios, Ripper está no centro das celebrações. “A cidade está repleta de cartazes e faixas anunciando eventos comemorativos ao cinquentenário do 25 de Abril; livrarias expõem títulos sobre a Revolução, o Estado Novo, PIDE; lojas vendem cravos vermelhos artificiais, camisetas, botons. Durante o dia, haverá festas e manifestações na Av. da Liberdade e em outros locais de Lisboa. À noite, haverá concertos em diferentes freguesias. Será bonita a festa, ó pá.”
Serviço
A estreia de Sinfonia de Abril no concerto da Orquestra Metropolitana de Lisboa em comemoração aos 50 anos da Revolução dos Cravos será transmitida ao vivo pelo YouTube, dia 25/04, às 17 horas horário do Brasil (21 horas em Portugal).
Clique aqui para ir à transmissão do YouTube.
Programa
Ludwig van Beethoven – Sinfonia nº 5
João Guilherme Ripper – Sinfonia de Abril (estreia mundial)
Anne Victorino d’Almeida – Histórias de Abril
Fernando Lopes Graça – Canções Heroicas (arr. Luís Cardoso)
Chico Buarque – Tanto Mar (arranjo para coro e orquestra de Sara Ross)
Direção de orquestra: José Eduardo Gomes
Direção de coro: Isaac Fernandes e Pedro Galego (Conservatório Artallis)
Participação do CoraLiCiMus - Coral dos alunos da licenciatura em Ciências Musicais da Universidade Nova-FCSH
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