Encontro sobre ópera discute parcerias e impacto do gênero

por Redação CONCERTO 26/11/2019

A diretora executiva da Ópera Latinoamérica Alejandra Martí anunciou na manhã de segunda-feira a realização em Manaus da assembleia de 2021 da entidade, que reúne teatros e companhias de ópera do continente. Será a primeira vez que a reunião anual da OLA acontecerá no Brasil. “Queremos avançar em um plano específico para o Brasil como um piloto para a América Latina”, disse. “Estar aqui hoje com vocês é um abraço caloroso na ideia de um futuro proposto pela arte e pela música.”

O anúncio foi feito durante o encontro Ópera em Pauta, realizado no Theatro Municipal de São Paulo. Ao longo do dia, Martí e os membros brasileiros da OLA falaram de suas experiências a uma plateia formada por representantes de outros teatros e instituições brasileiras, por jornalistas e artistas. Entre os temas abordados, estiveram novas formas de se criar espaço para a ópera no imaginário do público e na cena cultural do país, além de possíveis formas de colaboração.

O primeiro a falar foi o diretor artístico do Municipal de São Paulo, Hugo Possolo. Ele chamou atenção à necessidade de organização dos profissionais da ópera com o objetivo de buscar um envolvimento cada vez maior do público. “E também para enfrentar resistências que o gênero encontra nas políticas públicas e a noção de que é uma manifestação elitista”, disse. Para tanto, ele acredita que é preciso um aceno maior em direção ao contemporâneo, a um novo e mais jovem público e uma nova colocação da ópera na sociedade na direção de um “sentido mais contundente”.

Possolo também transmitiu um recado do secretário municipal de Cultura Alê Youssef, que trata a atividade artística a partir de uma “perspectiva de resistência”. “Hoje vivemos vários ataques ao fazer cultural, uma criminalização da arte e da cultura por motivos ideológicos. Há o avanço de um pensamento de característica fascista e fazer arte não é apenas se contrapor a essa ideia. A arte e a cultura defendem o valor do pensamento, que é muito mais forte do que a ignorância.”

[Divulgação]
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Para o diretor artístico do Municipal, a ópera é “uma expressão artística de alteridade”, é um olhar para o outro. Por conta disso, ele defende uma programação para o teatro que se abra também a outras linguagens. “A arte cênica é a arte do diálogo. E tudo o que fazemos aqui dentro do teatro alimenta a ópera”, complementou. 

Na sequência, Alejandra Martí apresentou os eixos de trabalho da Ópera Latinoamérica, entidade sem fins lucrativos cujo objetivo é possibilitar uma ação em rede de teatros da região: comunicação, colaboração, formação de artistas, formação de público e tecnologia. Ela tratou em especial da necessidade de trabalho com as crianças. “Não há desenvolvimento de audiência sem elas e suas famílias”, afirmou, falando da importância da perseverança dos teatros. Ela também defendeu que as programações invistam em novas obras, que possam contar “as nossas histórias”. 

Depois do Municipal, o próximo membro brasileiro da OLA a se apresentar foi o Teatro Amazonas, com o secretário de Estado da Cultura Marco Apolo Muniz. Ele falou da cidade de Manaus como uma fábrica de cultura, com nove corpos artísticos criados na esteira do investimento do estado na ópera. Lembrou que hoje são 7 mil alunos de música e dança no Amazonas e chamou atenção para o impacto econômico que o Festival Amazonas tem em Manaus. 

Flavia Furtado, diretora executiva do Festival Amazonas, colocou o foco de sua fala na economia criativa: além da questão social e educacional, destacou a importância para a economia local de uma cadeia produtiva. “Hoje há no Brasil 91 teatros com fosso, prontos para a ópera, dos quais apenas seis produzem espetáculos. Todos eles custam aos cofres públicos, mas não retornam nada. Reativar esses teatros é reativar uma cadeia criativa econômica, social e educacional, como Manaus fez.”

Para ela, é importante ter em mente que o Brasil tem hoje um quarto dos teatros da América Latina. “Precisamos nos unir como setor, montar um plano de trabalho, levantar dados e nos apresentar de uma forma diferente para o poder público. Com um plano de metas, podemos atuar em rede e junto com a OLA”, explicou, ressaltando que hospedar uma assembleia da entidade pode ser “um grande momento de prospecção de imagem para o país”. “Em outras reuniões, o que percebemos é a presença não apenas de representantes da Cultura, mas também dos ministérios de relações exteriores, profissionais de comércio exterior ou então dos ministérios de turismo.”

A experiência do Theatro da Paz, em Belém, foi compartilhada em seguida pelo secretário adjunto de Cultura Bruno Chagas e pelo diretor do teatro, Daniel Araújo. A arte, lembrou Chagas, precisa ser vista como “agente de transformação da vida de qualquer pessoa e não apenas de uma elite”. 

Nesse sentido, ele diz entender o Theatro da Paz como símbolo do desejo de acesso à cultura. Araújo, por sua vez, abordou a importância de um trabalho conjunto, da construção de um corredor do norte, por exemplo, com maior parceria entre Belém e Manaus. “Ninguém pode largar a mão de ninguém. Precisamos pensar em nós mesmos nacionalmente e então internacionalmente, por meio da OLA.”

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Araújo também comentou a respeito da mudança no formato do Festival do Theatro da Paz, que agora passa a acontecer ao longo de todo o ano, alternando produções líricas e concertos, e com uma preocupação pedagógica, com o objetivo de se formar em Belém uma companhia estável de cantores líricos, processo já iniciado neste segundo semestre. 

O último a falar na mesa promovida durante a manhã foi Paulo Esper, da Cia. Ópera São Paulo. Ele relembrou o conselho que recebeu na Itália do barítono Gino Becchi: se for voltar ao Brasil, forme uma companhia de ópera para os jovens. 

“O que fazemos é motivar e formar os jovens para que possam estar nos palcos dos grandes teatros”, explicou. Ele citou como exemplo recente o tenor Daniel Umbelino, que após vencer o Concurso Maria Callas está iniciando uma carreira europeia. “Trazemos ao Brasil professores e profissionais que possam ouvir nossos artistas”, disse, informando que em 2020 virão ao Brasil o tenor Francisco Araiza, o baixo Paata Burchuladze e a mezzo soprano Luciana D’Intino.

Durante a tarde, uma mesa reuniu Hugo Possolo, Flavia Furtado, Daniel Araújo, Alejandra Martí e Carla Vidal. Em geral, foram detalhados conceitos e experiências já apresentadas pela manhã. Possolo fez panorama da arte do século XX a partir da Semana de Arte Moderna, defendendo mais uma vez a necessidade de se “agregar linguagens artísticas” na busca de um sentido para a ópera que vá além do século XIX, em um processo no qual é fundamental buscar uma nova relação com o público e seu tempo, refletindo o próprio processo de transformação da sociedade. Martí citou os recentes protestos no Chile, relembrando que há muitos jovens ali procurando espaço para a própria voz – um espaço que a arte pode ajudar a dar. Flavia Furtado, por sua vez, ressaltou a importância da maturidade das instituições e de não se aceitar mais que trocas políticas signifiquem trocas artísticas. Araújo defendeu a nova configuração do Festival do Theatro da Paz como “a plantação de sementes” para o setor no Pará, que tem seu símbolo maior na criação de uma companhia estável. E Carla Vidal falou da possibilidade de se criar políticas públicas que preservem a memória dos teatros. 

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