Novas ações, novos públicos, novos teatros. Foi esse o tema da primeira mesa da quinta-feira, dia 15, do webinário #ÓperaHoje.
“Desde alguns anos os teatros e casas de ópera vem passando por um novo posicionamento, em que a sua conexão com a sociedade ganha uma nova importância e significado. É missão dos teatros aproximar suas montagens de novos espectadores e atuar na formação de plateias. Como fazer isso? Que experiências podem ser destacadas no país?” – foram essas as questões colocadas aos participantes: Beth Ponte, gestora cultural e pesquisadora, André Brant, maestro assistente da Sinfônica de Minas Gerais, Flávio Gabriel, idealizador do Fimuca (Festival Internacional de Música em Casa) e Mere Oliveira, mezzo soprano e idealizadora do Opera Studio de Taubaté. A mediação foi de Nelson Rubens Kunze.
André Brant foi o primeiro a falar. Ele lembrou da experiência com a formação no Cefart, centro de formação da Fundação Clóvis Salgado, e a ligação que ela pode ter com a busca de novos públicos. “Já há quatro anos, no Opera Studio, terminamos o ano com um espetáculo, como Um homem só, de Camargo Guarnieri, e Dido e Enéas. A ópera nem sempre é tratada na academia da forma como deveria. Temos que levar aos alunos informações. Para ter novos públicos, para aumentar a plateia, temos que ter profissionais. No ano passado, fizemos o Dido em Sabará: uma produção com alunos é capaz de ser levada para um teatro que há muito tempo não via uma montagem. E isso contribui para que a gente atinja públicos fora dos grandes centros.”
Já a Companhia Mineira de Ópera, da qual Brant é um dos criadores, trabalha com profissionais. Ainda assim, a difusão é um objetivo central. “Vamos ao interior, levamos produções para escolas, para oitocentas crianças. Fazer óperas menores, e levá-las para fora do centro, tem retorno impressionante. Há claro as dificuldades financeiras. Muitas vezes os prefeitos querem a nossa presença, mas não ajudam. Mas, em resumo, para formar público é importante sair dos grandes teatros e grandes centros, dando também aos profissionais a chance de desenvolver também seus trabalhos, testando, experimentando, para estarem mais aptos quando chegam aos principais teatros.”
Flávio Gabriel refletiu sobre a experiência do Fimuca, que reuniu duzentos professores e 17 mil alunos inscritos em julho, de forma on-line. Lembrou de um espírito coletivo que o festival acabou criando – e deu frutos, com novas edições dedicadas a outras áreas. “O Fimuca nasceu despretensioso mas a reação a ele fez nascer uma ideia gigante: usar as tecnologias para criar um sistema de ensino de música no país, tentando unificar todas as ações no país, criando uma plataforma para que os alunos tenham informações sobre o que acontece em educação musical no país, fazer um mapeamento de onde se ensina musica no país. Depois de saber disso, vamos tentar descobrir qual a metodologia utilizada. E colocar os professores para conversar e criar uma espécie de currículo para cada instrumento, para que um garoto de oito anos saiba que caminho seguir em seu trajeto para se transformar em um músico.”
Beth Ponte fez uma ponte entre a ópera e outras áreas. “Desde que retornei ao Brasil tenho atuado como consultora e tido contato com muitos diretores artísticos de áreas diferentes da cultura. E isso me fez ver como nossos desafios são similares. Nesse momento de crise é fundamental que a gente se enxergue como parte de um ecossistema”, colocou. “O museólogo Dan Spock diz que inovar é pensar fora da caixa, e a pandemia nos prendeu fora das caixas. Mesmo depois da reabertura estaremos fisicamente muito limitados. Uma museóloga de Washington apresentou uma pergunta para o setor de museus, em um momento de autoanálise: quem somos nós agora que não temos mais visitantes? E podemos colocar isso também para a ópera. O que é a ópera sem chance de contato com o público, sem poder usar nossos teatros? A ópera deixa de existir? Claro que não. Mas há uma necessidade de reconexão com os ‘por quês’. E os eles precedem os rumos. Precisamos nos perguntar coisas que muitas vezes nos parecem óbvias. Por que as casas de ópera existem? Por que devem continuar existindo? Por que elas devem ser apoiadas?”
Para ela, a ópera é uma forma de contar histórias. “E nunca precisamos tanto disso, de falar do nosso passado e de criar novas narrativas para o presente e o futuro”, afirmou, antes de colocar três perspectivas a respeito da questão da relevância. “A primeira é pensar em produções em diálogo com nosso tempo, em termos de formato e temática. A segunda é o engajamento social, que anda de mãos dadas com a questão das narrativas para o nosso tempo: o Metropolitan Opera House de Nova York, quando voltar, será com a primeira ópera de sua história escrita por um compositor negro. E a terceira é a ideia de ecossistema, de pensar a ópera em diálogo com outros segmentos artísticos.”
Mere Oliveira começou sua fala com uma experiência pessoal. “Eu me lembro de uma vez em que aceitei cantar numa escola só para adolescentes e havia 600 alunos em um pátio de escola do ensino médio. E me acompanhava o maestro Joaquim Paulo do Espírito Santo. Fiquei apreensiva. Mas foi uma das experiências mais tocantes da minha vida, o silêncio durante quarenta e cinco minutos ouvindo ópera comigo. A partir dali entendi que precisava fazer ações que promovessem o entendimento da ópera.”
Para ela, “a centralização em ações de capitais ela tem tornado muito frágil instituir algo que possamos chamar de mercado”. “É como se no interior não houvesse público ou a possibilidade de construir teatros. A gestão artística da união e do estado poderia pensar em corredores pelo interior. No interior, pode-se formar o primeiro núcleo de plateias. E uma cadeia produtiva que resulta em empregos locais. Já dirigi oitenta e um espetáculos aqui na região do vale do Paraíba. O inovar pode ser alimentar novos rumos que nos permitam ir a novos lugares. Entendendo que cada público precisa ser buscado de acordo com a forma como vive, com a sua realidade.”
O mediador Nelson Kunze colocou a questão do financiamento e perguntou aos convidados como fazem para realizar seus espetáculos. “No Opera Studio, vendo apresentações dos espetáculos e com esse recurso nós montamos os espetáculos, cenários, figurinos, legendas. E aí cubro os cursos básicos”, contou Mere Oliveira. “É uma situação longe do ideal. E tem sido bastante difícil. Pois preciso vender uma boa média de apresentações para fazer uma produção. Mas conto no momento com alguns músicos do conservatório, ou seja, união de muitas forças trabalhando juntos.”
“No nosso caso”, diz André Brant, “começamos com a bilheteria. Depois, vamos estabelecendo parcerias, recebemos como doação os figurinos do acervo de Francisco Mayrink, buscamos apoios. É, como diz a Mere, muito difícil. E o dinheiro não é o que deveria ser. Mas para os artistas é uma forma realmente de refinar a formação. Mas é difícil. Temos projetos, mas não conseguimos captar. É difícil.”
“Isso me lembra o que já falamos em outas mesas”, afirmou Kunze, “que é a falta de políticas públicas que pudessem olhar para projetos como o de vocês”. Nesse sentido, Beth Ponte colocou uma distinção importante. “Quando a gente fala em inovação, a gente sempre achar que inovar é criar coisas novas. Mas às vezes é jogar um novo olhar sobre os recursos que você tem. Em um momento como o que estamos vivendo, que vai exigir produções menores, em espaços abertos, com menos recursos, é essencial que os grandes promotores desloquem os recursos para as pequenas companhias. Para o bem do ecossistema. Resiliência talvez tenha a ver com adaptação.”
Flávio Gabriel e Mere Oliveira ressaltaram a importância do diálogo, chamando atenção de que instituições não são grandes prédios que agem sozinhos, mas, sim, controladas por pessoas, que precisam ser cobradas a respeito de seu trabalho. “Mas é natural que cada pessoa esteja preocupada com sua instituição, mas o diálogo ajuda a todos”, disse Gabriel. “Talvez as grandes instituições sejam mais lentas pela responsabilidade que carregam. Então não podemos sair batendo nelas, porque são as poucas que temos. Quem está dentro de casa sabe onde está a sujeira. Não podemos torcer para que nossos concorrentes tenham problemas, porque vamos acabar tendo também.”
Assista abaixo ao vídeo completo a mesa.
#ÓperaHoje – Mesa 4 – Novas ações, novos públicos, novos teatros
Mediação: Nelson Rubens Kunze. Convidados: André Brant (MG), Beth Ponte (BA), Flávio Gabriel (RN) e Mere Oliveira (SP)
Apresentação de caso
O maestro Wendell Kettle fez a terceira apresentação de caso do webinário, falando do Festival de Ópera de Pernambuco. “O movimento de ópera em Pernambuco começou no segundo semestre de 2016, quando cheguei à Universidade Federal de Pernambuco. A ópera estava um pouco parada no estado. Criamos dois projetos ligados à universidade, a academia de ópera e a Sinfonieta UFPE. Com eles, temos feito concertos corais-sinfônicos e as óperas. Fomos criando repertório. Estamos ainda numa crescente. Mas o mais importante é que o projeto reuniu boa parte dos cantores líricos daqui. São professores de música ou então profissionais de outras áreas e os alunos do bacharelado da universidade. É uma reunião de vários segmentos da sociedade. Formamos um coro do qual tiramos os solistas para as óperas. Temos dois ensaios semanais. E vamos criando uma rotina. Tem sido um congraçamento muito interessante e profícuo. E atuamos na questão da formação de público, com récitas voltadas para escolas da rede pública. E a reação é muito positiva. A ópera começou a retornar à cidade. E criamos o festival de ópera, com títulos mais ambiciosos”. Entre eles, estão I Pagliacci, de Leoncavallo, Carmen, de Bizet – o grupo guarda as produções e com isso tem remontado espetáculos, ampliando o escopo de sua atuação.
Confira a cobertura completa da Temporada de Óperas on-line da Fundação Clóvis Salgado.
É preciso estar logado para comentar. Clique aqui para fazer seu login gratuito.
Comentários
Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da Revista CONCERTO.