Na segunda mesa da tarde de quarta-feira, dia 14, do Webinário #ÓperaHoje, realizado pela Fundação Clóvis Salgado, o tema foi Intercâmbio de montagens e trabalho em rede, abordando as dificuldades em se articular colaborações efetivas, como coproduções ou intercâmbios de montagens e formas de se fomentar parcerias com a iniciativa privada e influenciar políticas públicas.
Os participantes foram o maestro André Cardoso, da UFRJ, Eliane Parreiras, presidente da Fundação Clóvis Salgado, Evandro Matté, diretor da Sinfônica de Porto Alegre, Tarcísio Santório, do Festival de Música do Espírito Santo, e Alejandra Martí, da Ópera Latinoamerica. A mediação foi de Flavia Furtado, diretora executiva do Festival Amazonas e uma das curadoras do webinário.
Alejandra Martí abriu a mesa reforçando a importância da criação de um espaço de diálogo entre instituições de toda a América Latina. Um diálogo que se refere à coprodução, à troca de artistas e experiências, mas também de informações em diferentes aspectos inerentes à produção de ópera. Um deles é o compartilhamento de trabalhos na conquista de novos públicos; outro, na formatação de políticas públicas para a ópera, que muitas vezes são criadas sem a participação de profissionais do setor.
“A pandemia nos força a reimaginar como opera o setor artístico. Nossa indústria está em um momento crucial. Durante a pandemia, houve aumento no consumo de espetáculos pela internet e isso nos leva a pensar na criação de novas oportunidades digitais, tendo em vista o aumento de público e a monetização. Nosso setor é altamente especializado, mas não pode ficar fechado em si. Temos a oportunidade de ser coluna vertebral das sociedades em que operamos, mas para isso o trabalho de rede é muito importante”, afirmou.
André Cardoso, que ocupou o posto de diretor artístico do Theatro Municipal do Rio de Janeiro em 2015 e 2016, abordou a necessidade de se pensar na cooperação e na troca de produções como uma política consistente.
“Quando chegamos ao Municipal, no meio da temporada 2015, imaginamos manter a temporada prevista para o segundo semestre, mas ela não existia. Recorremos às coproduções, uma solução naquele momento emergencial. Mas não se pode pensar nas parcerias apenas nessas horas. Temos que pensar nelas como uma solução para ajudar a baixas os custos de produção, viabilizar a criação de mais espetáculos e de mais oportunidades para os profissionais do setor”, afirmou.
Presidente da Fundação Clóvis Salgado, Eliane Parreiras falou em seguida, ressaltando como, para se criar parcerias, é preciso enfrentar o problema da fragilidade institucional. “Outra realidade, muito presente nas instituições públicas, é a dificuldade de trabalhar a médio e longo prazo. Não há possibilidade de fazer isso quando não se tem a garantia dos recursos com o tempo necessário para programar com antecedência.”
Para ela, é fundamental também que exista maior diálogo entre as instituições. “Sinto a ausência de um diálogo em torno de um calendário conjunto anual. Às vezes perdemos oportunidades por falta de compartilhamento das agendas anuais. Outra questão tem a ver com a dificuldade de compatibilizar os planejamentos artísticos. Você, claro, precisa fechar o seu planejamento, mas pode deixar espaço para a coprodução. É necessário ter planejamento, mas também um pouco de flexibilidade.”
Ela vê, no entanto, iniciativas e movimentos muito positivos. “Há quanto tempo conversamos sobre isso? Mas agora acho que há um momento propício, o diálogo entre as instituições tem aumentado. Ele precisa ainda ser ampliado, organizado e facilitado, o que tem acontecido com a ajuda da OLA e do Fórum de Ópera, Dança e Música de Concerto. Quando você institucionaliza e formaliza parcerias, a chance de que elas prossigam, mesmo com mudanças de gestão, é maior. São esforços históricos que estamos fazendo A criação da memória desse esforço é importante, ela está dentro de cada um de nós. E acredito que esse debate está colaborando para evoluirmos nesse tema no sentido de uma política pública e de uma ação concreta continuada.”
Diretor da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, Evandro Matté também defendeu o trabalho em rede. “Falta uma formatação de unidade no que é feito em ópera no Brasil. Não sabemos o que está sendo feito. Coproduções podem funcionar se, desde o início do planejamento, as instituições estiverem juntas, dialogando.” Para o maestro, é preciso pensar em políticas de estado no nível federal para o setor, com a criação de um calendário único e “a esperança de ter um recurso e não ter que ficar trabalhando no curto prazo”. “Um fundo poderá ajudar essas parcerias a caminhar.”
Tarcísio Santório ofereceu o olhar de uma companhia independente para o trabalho em rede. Ele citou exemplos de parcerias feitas entre a Companhia de Ópera do Espírito Santo e o Palácio das Artes como bem sucedidas e falou da necessidade de outros teatros do Brasil estarem abertos a conversar com essas companhias, sendo facilitadores desse trabalho. Da mesma forma, ele chamou atenção para o trabalho em rede entre os independentes, citando parcerias do Espírito Santo com companhias da Bahia, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. “É importante que esses grupos, esses artistas, sejam mapeados, precisamos ser enxergados. Pois a companhia independente é um incentivo para que o Estado possa cada vez mais investir na ópera.”
Ao retomar a palavra, Flávia Furtado disse que o fórum está mostrando que a ópera brasileira “é muito maior do que imaginávamos”. “Rose Marie Muraro me disse certa vez que as grandes revoluções começam silenciosas e acho que já há alguns anos essa revolução começou na ópera brasileira e estamos agora trazendo isso à tona.” Flavia também perguntou aos participantes da mesa se eles percebem, hoje, um discurso já mais unificado do setor, a compreensão da necessidade do trabalho em rede, junto à Funarte, às secretarias de cultura.
“O diálogo aumentou entre as instituições e há muito ainda a percorrer. Do ponto de vista da política pública específica para o setor, é um desafio maior. Somos muitos especializados, a ópera demanda questões específicas e acho que esse ainda não é um espaço institucionalizado. O Fórum e a OLA têm um peso importante para fazer essas proposições, para mostrar o tamanho do mercado, o impacto econômico e cultural da ópera e desmistificar a questão da ópera como elitista e para poucos. Esse é um trabalho que precisa ser feito em paralelo. Com essas discussões, há um acúmulo maior de conhecimento, de experiências e de proposições e agora podemos ir em uma velocidade maior, mostrando esse impacto de forma mais clara para a sociedade”, disse Eliane Parreiras.
“Nós, como orquestra, temos que provar e mostrar a importância do que fazemos e as nossas necessidades. Isso não acontece sozinho. Existe uma evolução lenta, mas existe. Mas é preciso representatividade, um lobby saudável para induzir a criação de políticas públicas”, afirmou Matté.
Cardoso concorda. “Quando se fala em copo meio cheio ou meio vazio, prefiro pensar que posso esvaziar ou encher o copo. Depende de nós. Dependemos menos de níveis de gestão acima de nós do que do trabalho que podemos fazer, como setor, das propostas que podemos organizar. Nunca houve política para a ópera porque a ópera nunca soube formular essa política. Sem isso, não adianta recorrer a prefeito, governador...”
Tarcísio Santório destacou a importância do fórum ao mostrar o tamanho do setor e a importância que ele tem – ressaltando como fundamental o trabalho conjunto para os projetos. “Quando, em conversas com o poder púbico, você se coloca como parte desse grupo e mostra o tamanho que ele tem, o quanto ele é representativo e está difundido pelo país, as coisas mudam de figura, isso chama a atenção.”
Alejandra Martí mostrou também a importância da diversidade do ecossistema da ópera. “Companhias independentes podem ajudar a levar a ópera a outros palcos, centros culturais, teatros, levando o gênero a outros públicos. E a formação de público é o futuro da indústria. Formar o jovem é o que vai garantir a sustentabilidade no futuro. A gente é elitista quando se limita ao grande teatro de ópera. Uma solução é produzir mais ópera de baixo custo para circular mais. Quando trabalhei no Liceo de Barcelona, tudo o que se fazia em termos de ações paralelas era com companhias independentes, dando maior capilaridade aos projetos.”
Assista abaixo ao vídeo:
#ÓperaHoje dia 14/10/2020 (PARTE 1)
13'00" a 1h43'00 Mesa 2 – Compor ópera hoje
Mediação: Nelson Rubens Kunze. Convidados: Elodie Bouny (França), Leonardo Martinelli (SP),Mário Ferraro (RJ) e Marcos Balter (EUA)
2h00'00" a 2h20'00' – Apresentação de caso 2 – Pequeno teatro do mundo, com Fabiana Vasconcelos Barbosa
3h22'00" ao fim – Mesa 3 - Intercâmbio de montagens e trabalho em rede (PARTE 1)
Mediação: Flávia Furtado (AM). Convidados: Alejandra Martí (OLA), André Cardoso (RJ), Eliane Parreiras (MG), Evandro Matté (RS) e Tarcísio Santório (ES)
#ÓperaHoje dia 14/10/2020 (PARTE 2)
0'00" ao fim – Mesa 3 - Intercâmbio de montagens e trabalho em rede (PARTE 2)
Mediação: Flávia Furtado (AM). Convidados: Alejandra Martí (OLA), André Cardoso (RJ), Eliane Parreiras (MG), Evandro Matté (RS) e Tarcísio Santório (ES)
Confira a cobertura especial da Temporada de Óperas on-line da Fundação Clóvis Salgado.
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