Documento mantém problemas atuais, mas aponta incremento da atividade lírica; com propostas polêmicas, escolas de dança e música também entrarão no contrato de gestão
Com o título de “Parâmetros para a parceria de gestão do Complexo Theatro Municipal / Praça das Artes”, a Prefeitura de São Paulo apresentou ontem (17/02) uma consulta pública online. Nela, a Secretaria de Cultura esboça as linhas mestras que devem nortear o chamamento para Organizações Sociais (OSs) interessadas em assumir a administração do complexo, abrindo espaço para sugestões, comentários e dúvidas. Os novos contratos de gestão incluirão a Escola de Dança e a Escola de Música e serão assinados pela Fundação Theatro Municipal (leia mais sobre a FTM abaixo). No texto da consulta pública são apresentadas “as orientações estratégicas, o modelo de gestão e de governança, a descrição dos equipamentos e corpos artísticos, as metas, o orçamento, a forma de julgamento das propostas e cronograma do chamamento”. Sem citar nomes, o documento afirma que “os parâmetros foram estabelecidos após diagnósticos e reuniões com especialistas em gestão de equipamentos culturais, nas diversas linguagens artísticas abrangidas”. Ao mencionar que a diretriz que deve guiar o equipamento deve ser a de “conjunção de excelência e vanguarda”, o texto afirma que a linha curatorial deve “levar em conta equipamentos culturais similares de primeira linha no cenário internacional”, sem explicitar exemplos.
Uma das principais novidades do edital é que ele se destinará exclusivamente a Organizações Sociais (diferentemente do atual, que aceitava também outras organizações da sociedade civil) e selecionará três OSs distintas, cada uma responsável por um dos três “componentes” do complexo: o componente 1 inclui a gestão do espaço físico integral, da Orquestra Sinfônica Municipal, do Balé da Cidade, dos dois corais e do quarteto de cordas, bem como da agenda e programação do próprio Theatro Municipal e da Praça das Artes; o componente 2 é formado pela Escola de Dança e pelo Balé Jovem; e o componente 3 pela Escola de Música de São Pualo, Orquestra Jovem e Orquestra Experimental de Repertório. Com essa subdivisão, o edital mantém um dos principais problemas da administração atual, que é a sobreposição da gestão da Praça das Artes (integrante do componente 1) com a das escolas de música e de dança que ali tem a sua sede (e pertencem aos componentes 2 e 3).
Outro ponto que deverá gerar discordâncias é o que diz respeito à escolha dos diretores artísticos, maestro titular e regentes principais dos coros, que deverá ser realizada “com a participação da Secretaria Municipal de Cultura e da Fundação Theatro Municipal, por uma Comissão cuja composição será definida em edital, considerando as propostas recebidas por meio da presente consulta”. A Secretaria argumenta que essa regra “visa garantir alinhamento à política municipal de cultura”. A regra, contudo, também significa uma ingerência em decisão técnica que deveria ser de responsabilidade da OS, que assim acaba forçada a fazer contratações responsabilizando-se por elas. Além de ir contra um conceito fundamental que norteia a parceria público privada – o da autonomia de gestão da OS –, a regra também coloca em xeque a imparcialidade do controle que a Secretaria deveria exercer no contrato, uma vez que a própria Secretaria seleciona os contratados.
O documento também apresenta um detalhado plano de reorganização da Escola de Dança e da Escola Municipal de Música. Uma leitura mais cuidadosa aponta uma redução de vagas nas escolas: na de dança, das atuais 372 vagas restarão 240; e na Escola Municipal de Música, os 600 alunos regulares passarão a ser apenas 450. O texto não cita a manutenção do Coro Adulto e da Orquestra Infantojuvenil da Escola Municipal de Música e traz algumas propostas polêmicas, como a de fixar o ingresso na escola somente para crianças maiores de 12 anos e estipular a duração máxima do curso em 6 anos (com exceções). O novo edital prevê a celetização de todos os funcionários e professores das escolas, como já é realidade para os contratados do Theatro Municipal.
Em sua abertura, o documento afirma que “o Theatro Municipal é [...] vocacionado à ópera, à música sinfônica orquestral e coral e à dança contemporânea e aberto a múltiplas linguagens conectadas com o mundo atual (teatro, cinema, literatura, música contemporânea, moda, música popular, outras linguagens do corpo, dentre outras)”. O quadro de metas do anexo que acompanha o documento apresenta uma forte programação clássica, com clara prioridade para óperas, concertos sinfônicos e dança. Para as óperas, a meta é manter a produção de 6 novas encenações por ano, mas com o gradativo aumento das remontagens (em 2023 seriam 3 remontagens, perfazendo o total de 9 títulos). Também o número de récitas terá expressivo aumento, das 40 previstas para este ano para 60 em 2023.
A consulta pública permanecerá aberta até o dia 1º de março de 2020. A previsão para a publicação do novo edital é o dia 9 de março, com três semanas de prazo para recebimento de propostas. A Secretaria deseja assinar o novo contrato de gestão em abril de 2020.
Prefeitura retira extinção da Fundação Theatro Municipal de projeto lei
Uma mobilização de músicos e de integrantes da Escola Municipal de Música e da Escola de Dança levou a Câmara Municipal de São Paulo a retirar a extinção da Fundação Theatro Municipal de São Paulo do projeto de lei que visa reorganizar a administração pública. A extinção da FTM havia sido anunciada pela Prefeitura no ano passado, ao reconhecer a inviabilidade do modelo de gestão do teatro, que interpõe a Fundação entre a Secretaria e a OS. Na época, a secretária adjunta de Cultura, Regina Silvia Pacheco, disse em matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo: “O modelo atual não para em pé”.
A classe musical, contudo, afirma que, com a extinção da Fundação, se perderá a finalidade que consta de sua lei de criação, que é a de “promover, coordenar e executar atividades artísticas, incluídas a formação, a produção, a difusão e o aperfeiçoamento da música, da dança e da ópera”. Os músicos entendem que, sem essa finalidade explícita, a missão do teatro e a manutenção dos corpos estáveis, por perderem o respaldo da lei, ficarão ameaçadas.
A Prefeitura aceitou a justificativa e retirou a Fundação do projeto, com a intenção de encaminhar, no futuro, um projeto específico de extinção da Fundação Theatro Municipal, mas então garantindo explicitamente a manutenção dos corpos estáveis e a finalidade do teatro.
Leia mais
Entrevista O Theatro Municipal de Hugo Possolo
Texto Um teatro de ópera para São Paulo, por Nelson Rubens Kunze
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Comentários
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Vivemos um momento sombrio…
Vivemos um momento sombrio para a arte, para a cultura…
Com o discurso de corte de gastos e melhorias a Escola Municipal de Música de São Paulo ganhou da Secretaria Municipal de Cultura, ao completar 50 anos de existência, um projeto que a descaracteriza. Em tempos de falas inflamadas do Secretário de Cultura Alê Youssef dizendo não a censura e incentivando a diversidade cultural, a EMM ganhou um projeto que atende somente 37% dos alunos da escola e pode provocar um corte de até 47% no número de vagas oferecidas, que prevê a extinção de cursos e grupos musicais e a demissão de professores… e ainda ouvimos “É por São Paulo. É pela cultura.”
Será que a música clássica não é cultura, será que os alunos e professores da Escola Municipal de Música não são São Paulo? Será que a secretária adjunta entende alguma coisa de música? A desculpa é que a música clássica é elitista e não mereça a dedicação de seus governantes… ah senhor Prefeito e Secretário de Cultura, a música clássica é da periferia também, uma visita rápida a escola e notariam através de seus alunos que a maioria vem das classes baixas da sociedade, são alunos que disputaram entre centenas de outros as poucas vagas existentes para terem aulas gratuitas com renomados professores da música clássica. A redução de vagas esta sim vai tornar a música clássica mais elitista, pois somente os abastados terão a oportunidade de pagar bons professores para ter aula.
A Escola Municipal de Música é um patrimônio do país e não merece este descaso de nossos governantes, as supostas melhorias citadas pelo projeto acabam com a estrutura atual da EMM, a descaracteriza e deixa com metade dos alunos… em momentos de expandir a cultura este projeto é um retrocesso na educação e na cultura. Não ao projeto da Secretaria de Cultura, Sim para a continuidade do modelo atual da Escola Municipal de Música.
#SomosTodosEMMusica
#emm50anos
#emmsaopaulo
#emmsp
Concordo com Sheila. Não sou…
Concordo com Sheila. Não sou contra uma reorganização da EMM (as instituições tem que sempre ser melhoradas), mas acaba-se usando o pretexto da reorganização para cortar verbas. Triste o país que corta verbas de educação e cultura...