Filarmônica de Goiás na Sala São Paulo: entusiasmo com a música brasileira

por Guilhermina Lopes 19/07/2023

Como parte da programação do 53º Festival de Inverno de Campos do Jordão, a Orquestra Filarmônica de Goiás apresentou-se no último domingo, dia 16, na Sala São Paulo, sob a batuta de Neil Thomson, seu regente titular, com um programa, ao mesmo tempo, coerente e diverso, cem por cento dedicado à música brasileira do século XX. Além de ser um repertório relativamente pouco tocado, chamou a atenção a proximidade cronológica entre as peças – cerca de quinze anos, entre meados da década de 50 e o início da década de 70.

Ficou evidente o entusiasmo da orquestra diante do repertório ao longo da maior parte do concerto, mas na Fanfarra e Sequências (1970), de Edino Krieger, a empolgação acabou por se traduzir em passagens um pouco fortes demais, de sonoridade não tão limpa, assim como uma certa afobação em uma entrada polifônica de metais prejudicou um pouco a apreciação da obra. Ainda assim, o grupo transmitiu muito bem a ideia de paisagem sonora presente em um excerto intermediário. 

No Concerto para violoncelo (1961) de Cláudio Santoro, de um lirismo e cromatismo que remete em muitos momentos às suas Canções de amor, a orquestra demonstrou o mesmo ímpeto, mas com bem mais equilíbrio nos tutti e nos contrastes de dinâmica e textura. O protagonismo da solista fez-se sentir muito além do óbvio esperado para o gênero. A jovem e brilhante Marina Martins extraiu de seu instrumento uma excelente sonoridade, ao mesmo tempo diversa e de igual qualidade do grave ao agudo. Apresentou-se absolutamente segura, concentrada, apaixonada em sua interpretação, em que pese a ausência de maior envolvimento e naturalidade no diálogo entre o violoncelo e outros solos de instrumentos das madeiras. 

Martins foi muito aplaudida e chamada duas vezes ao palco. O bis escolhido foi Itakoara, de João Guilherme Ripper, obra que se destaca pela variedade de recursos técnicos empregados. O título, segundo o canal do compositor no YouTube, refere-se a um caminho mítico que conduz à “iwaga”, região acima das nuvens habitada pelos ancestrais dos índios Tupi. Foi composta em julho de 2020 e dedicada aos indígenas brasileiros que morreram, “impotentes e despercebidos”, em decorrência da COVID 19. 

A ambivalência marcial-dançante que a escrita rítmica da Abertura Festiva (1971), de Camargo Guarnieri, sugere poderia ter sido mais explorada, reforçando-se um pouco mais esse último aspecto. As transições entre trechos de diferentes texturas, bem como os diálogos trompete-trompa e metais-percussão precisariam ser mais bem alinhavados. Mas destacou-se nessa peça a qualidade sonora e precisão das cordas, especialmente nos golpes de arco mais marcados. 

Era perceptível a maior intimidade do grupo com a Sinfonia popular nº 1 (1956), de Radamés Gnattali, em relação às demais obras do concerto. O equilíbrio da dinâmica em todos os seus contrastes, as interações entre os naipes e solos, a resposta dos músicos à regência, tudo soava muito orgânico e também entusiasmado, a ponto de dar muita vontade de aplaudir entre movimentos (e boa parte do público fez isso mesmo). Essa sensação predominou sobretudo nos dois primeiros movimentos: no trecho final do último movimento, houve discreto exagero do tutti na dinâmica forte e a aceleração da percussão. É interessante observar nessa obra a mistura entre referências à cultura popular brasileira e momentos de uma atmosfera de trilha sonora de cinema americano. O segundo movimento faz lembrar a Rhapsody in Blue, de Gershwin.

É animador testemunhar o envolvimento dos músicos, vê-los dar vida a um programa tão original e tão nosso.

Filarmônica de Goiás, Neil Thomson e Marina Martins durante concerto no Auditório Claudio Santoro; repertório foi repetido na Sala São Paulo [Divulgação]
Filarmônica de Goiás, Marina Martins e Neil Thomson em concerto no Auditório Claudio Santoro; repertório foi repetido na Sala São Paulo [Divulgação]

 

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