A regente Simone Menezes, nascida em Brasília 43 anos atrás, combina talento com tenacidade e audácia em sua trajetória, iniciada em Campinas, onde estudou flauta e piano na Unicamp. Em Paris, estudou regência de orquestra. Primeiro posto: regente assistente da Orquestra Sinfônica da USP, a Osusp, em 2004. Dois anos depois, estudou música contemporânea na Casa da Música no Porto, em Portugal.
O segundo lugar no Concurso de Regência realizado em 2007 pela Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto animou-a a tentar a sorte na Europa, onde regeu orquestras e grupos em Portugal, Rússia, República Tcheca e França. De volta ao Brasil, assumiu em 2010 a regência da Orquestra Sinfônica da Unicamp.
Gravou um álbum muito interessante de música contemporânea latino-americana em 2014, com obras de Liduíno Pitombeira, Silvio Ferraz, Rodrigo Lima, Alexandre Lunsqui e João Guilherme Ripper. Algum tempo depois, retornou à Europa, onde agora se lança com o álbum “Accents”, do selo francês Aparté.
É a estreia do seu Ensemble K, grupo que formou em 2019 e com o qual gravou em plena pandemia, em julho de 2020. O Ensemble K é integrado por dois violinos, viola, violoncelo, contrabaixo, piano, flauta, oboé, clarinete, fagote, trompa e acordeom – doze músicos europeus, todos escolhidos por Simone.
Obras e compositores arquiconhecidos: as Danças Polovitsianas de Borodin; o Prélude à l’Après-midi d’un faune de Debussy, Appalachian Spring, de Aaron Copland, e o mais conhecido dos Choros de Villa-Lobos, nº 5, “Alma Brasileira”.
Por que uma regente brasileira escolhe no seu álbum mais importante – o primeiro em que escolheu os músicos, deu nome ao grupo – gravar de novo obras que são primas, claro, mas também que frequentam sempre as listas das mais gravadas e tocadas mundo afora?
A resposta é simples. Elas constituem um cartão de visitas de Menezes, mostrando que é competente, tem talento no chamado grande repertório. Lá vem de novo o comportamento casa grande-senzala, tão repetido nas tribos de música de concerto de países não-europeus – um vício mais que secular.
Mas estamos falando de arranjos, assinados por Vincent Paulet (Borodin), Benno Sachs (Debussy) e Gustavo de Sá (Choros 5), exceto a obra de Copland, executada na forma original. Aí o álbum fica bem mais interessante. Estimulante. E, de fato, o Ensemble K se sai muito bem nestes testes dificílimos de performance.
Por isso, não deixa de ser surpreendente que Appalachian Spring, a única obra executada como Copland a escreveu, seja o ponto alto deste álbum interessante. Mais uma observação crítica: no álbum de estreia de uma regente brasileira com seu próprio grupo, é no mínimo estranho que a única obra brasileira seja duplamente óbvia: primeiro, é Villa-Lobos, historicamente cartão de visitas preferencial de brasileiros no exterior; e depois, com uma obra minúscula e conhecida.
Teria sido mais conveniente inverter Copland e Villa, com o primeiro com uma peça menor e o segundo com algo mais consistente. Seguindo o raciocínio, ficou inevitável perguntar por que não mostrar obras de compositores da atual geração de brasileiros, excelente, e que ela mesma gravou – e bem – no álbum de música contemporânea de poucos anos atrás? Um derradeiro reparo: o trio para piano, violino e violoncelo da compositora francesa Sophie Lacaze, de 57 anos, é um corpo estranho no álbum. Em vez dela, Simone poderia ter regravado outra obra que seria bom cartão de visitas no mercado europeu: Suíte Hermética, de Pitombeira, que está no seu álbum brasileiro de 2014.
Acima disso tudo, é excelente a execução do igualmente excelente arranjo de Benno Sachs para o Prelúdio à Sesta de um Fauno, feito em 1920 para a Sociedade de Execuções Musicais Privadas dirigida por Arnold Schoenberg em Viena. O arranjo foi originalmente tocado numa palestra de Sachs sobre Debussy, que morrera dois anos antes, em 1918.
Mais um detalhe que vale a pena ressaltar: o arranjo do Choros 5 – Alma Brasileira, de Villa-Lobos, original para piano solo, é assinado por Gustavo de Sá, que além de músico é diplomata do Itamaraty e criador do projeto mais importante de música de concerto no país no século XXI: “Brasil em Concerto”, série de 30 CDs internacionalmente distribuídos pela Naxos, que vão registrar até 2023 cerca de 100 obras orquestrais brasileiras – a maioria desconhecida fora – e em muitos casos aqui também.
Simone Menezes é talentosa, desejo longa vida ao seu ótimo Ensemble K. Tem tempo de sobra para mostrar internacionalmente a música brasileira que praticamente não se conhece na Europa (fora dos guetos de música contemporânea, claro).
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