Paulo Martelli dá vida aos estudos populares de Geraldo Vespar

por Camila Fresca 09/03/2020

Um dos grandes violonistas brasileiros da atualidade, Paulo Martelli é um artista ao mesmo tempo versátil e meticuloso. A primeira característica fica clara quando se olha para sua discografia, que engloba obras de Diabelli, Piazzolla, Radamés Gnatalli, Paganini e Egberto Gismonti. Ou quando se sabe que, além de solista de carreira internacional e professor, ele atua como produtor de uma série de concertos que já é um marco em nossa vida musical: a Movimento Violão, criada em 2004 e que já circulou por diversas cidades do estado de São Paulo (há alguns anos, suas temporadas são transmitidas pela TV Sesc).

O aspecto meticuloso de sua personalidade artística fica claro ao se ouvir o nível de acabamento e detalhamento de suas interpretações, sejam elas de música barroca, com elementos da interpretação historicamente informada, de diferentes vertentes da música contemporânea ou ainda a riqueza de timbres e detalhes com que nos apresenta versões de música brasileira.

Seus últimos lançamentos esbanjam tais características. Sobre os dois discos voltados à música de Bach em transcrições para o violão de 11 cordas, é preciso um espaço particular para se falar (o que espero fazer em breve). Contrapondo-se ao repertório barroco de um mestre universal, seu CD mais recente (lançado pela GuitarCoop) é dedicado aos 20 Estudos populares brasileiros para violão, de Geraldo Vespar. 

 

Vespar foi extremamente atuante no panorama da música popular brasileira a partir da década de 1960, como violonista, guitarrista e arranjador. Foi parceiro de Radamés Gnattali e tocou com estrelas como Elizeth Cardoso, Clara Nunes, Beth Carvalho e Elza Soares. Já na década de 1980, criou e regeu grupos vocais e foi produtor musical de TV. 

Geraldo Vespar possui formação acadêmica e nos anos 1990, quando fazia doutorado em composição nos EUA, procurou Paulo Martelli, que cursava mestrado por lá, para estrear algumas dessas peças. Consumido por seus próprios estudos e sua estreia no Carnegie Hall, Paulo acabou indicando seu irmão, Pedro Martelli, que estreou cinco dos estudos. “Fui assistir e fiquei muito impressionado com as obras. No ano 2000, acabei gravando os estudos nº 3 e nº 7 no meu CD Roots.” 

Quase 20 anos se passaram até que Martelli tivesse novas notícias de Geraldo Vespar, hoje com 82 anos. “Na década de 1990 eu sabia que ele tinha 12 estudos. Ao reencontra-lo, descobri que já eram 20. Decidi fazer um projeto e grava-los”, conta.

Se quando registrou os primeiros dois estudos Martelli resolveu as questões a seu próprio modo, já que Vespar disse que ele podia “tocar como quisesse”, dessa vez todas as partituras foram revisadas com cuidado pelo compositor – aliás, continuam recebendo os últimos ajustes, mesmo depois da gravação. Elas serão lançadas, também pela GuitarCoop, ainda nesse semestre.

Os 20 Estudos foram escritos da década de 1960 até os anos 2000. Segundo seu autor, definem-se como obras didáticas em ordem crescente de dificuldade técnico-interpretativa. “Foram elaborados e configurados como pequenas peças populares para violão a partir de ritmos, melodias, harmonias da Bossa Nova, MPB, escalas de acordes, modos, elementos diversos da estética sonoro-musical da música popular brasileira”, escreve Vespar no encarte do CD.

Cada estudo é dedicado a um violonista brasileiro e leva um subtítulo que define seu ritmo ou gênero, como calango, valsa brasileira, toada, canção, samba teleco-teco. Segue-se uma indicação de andamento em todas elas. É um disco fácil e agradável de ouvir, embora os estudos não tenham nada de simplórios ou banais. Faixa à faixa, vamos reconhecendo ritmos e estruturas familiares. A obra se diferencia como conjunto, ao explorar de forma extensiva os diversos ritmos e técnicas, configurando-se num ciclo dedicado à música popular brasileira dentro da tradição do violão nacional. 

A sonoridade exuberante, límpida e lírica de Paulo Martelli dá um acabamento precioso ao conjunto. “Geraldo Vespar é um excelente violonista, conhece o violão como poucos, é um excelente compositor”, elogia Martelli. “Os Estudos são como um compêndio de ritmos, harmonias, clichês que a gente usa na música popular brasileira. E que ele aplicou de forma muito interessante nesse ciclo, fazendo uma ponte entre o popular e o erudito. Tenho certeza que muita gente vai passar a tocar esses estudos e creio que alguns deles vão se firmar no repertório.”

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Paulo Martelli [Divulgação]
Paulo Martelli [Divulgação]

 

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