A morte do maestro, pianista, arranjador e compositor holandês Reinbert de Leeuw na última sexta-feira, dia 14 de fevereiro, aos 81 anos, deixa um vácuo difícil de ser preenchido na arena das músicas contemporâneas. De talento, disciplina e inteligência exemplares, De Leeuw tinha um olhar contemporâneo mesmo quando tocava ou regia músicas do passado. E isso quer dizer muito: ele não se limitava a interpretações convencionais. Reinventava, de modo surpreendente, criações tão conhecidas como os lieder de Schubert e Schumann,.
Tornei-me seguidor fervoroso de suas aventuras musicais desde que, em 2005, assisti ao DVD “Im wunderschönen Monat Mai”, algo como “No adorável mês de maio”, que leva o subtítulo “Três vezes sete canções segundo Schumann e Schubert”, do selo alemão Winter & Winter, hoje disponível em pedacinhos no Youtube. De Leeuw construiu uma trama entrelaçada de lieder de Schumann e Schubert, pinçando 21 das melodias mais famosas destes dois gênios da canção romântica par voz e piano.
Mais: escreveu arranjos para o seu Schoenberg Ensemble. E convocou ninguém menos do que a celebrada atriz Barbara Sukova, responsável por álbuns dos mais aclamados filmes de Fassbinder, como Berlin Alexanderplatz, de 1980, Lola, de 1981, e Europa, de Lars von Trier, de 1990. Pois Sukowa faz um delicioso “sprechgesang”, o canto falado ou fala cantada de Schoenberg, encarnando um personagem cênico que passeia pelos músicos enquanto “diz” os extraordinários versos de Goethe, Heine e Eichendorff. Os mesmos intérpretes também realizaram, em 1991, uma leitura espetacular do Pierrot lunaire de Schoenberg.
Os obituários acentuaram que De Leeuw gravou uma série de álbuns para a Nonesuch norte-americana com obras do enfant terrible holandês Louis Andriessen, assim como Teihillim do minimalista norte-americano Steve Reich. Ele é muito mais do que isso.
Tornou-se conhecido primeiro por suas interpretações da música para piano de Erik Satie na década de 1970, mas também gravou Bartók, Stravinsky, Shostakovich, Ustvolskaya e Gorecki. Na sequência, ganhou prestígio crescente como regente de música contemporânea. Além de Andriessen e Reich, gravou George Antheil, Claude Vivier, Charles Ives, Elliott Carter, Messiaen, Ligeti. Interesse especial merecem os três CDs para a ECM com a integral da obra para coro e ensemble do húngaro György Kurtág.
Atuou como compositor basicamente nos anos 70 e 80. Além de obras sinfônicas e música de câmara, compôs, em parceria com Andriessen, a ópera Reconstructie, baseada na vida do Che Guevara.
Uma de suas derradeiras gravações, lançada em agosto de 2019 pelo selo francês Alpha, é Vienna fin de siècle, em que retorna ao piano para acompanhar outra Barbara – desta vez a Hannigan, 48 anos, uma das mais interessantes e consistentes intérpretes de repertórios contemporâneos. Juntos, eles percorrem um punhado de canções de grandes compositores que plantaram as bases da música moderna na virada dos séculos 19/20, como Hugo Wolf, Schoenberg, Webern, Zemlinsky, Aban Berg e Alma Mahler.
Reinbert de Leeuw deixa um extraordinário legado – e acima de tudo a lição de que o desrespeito à obra, quando exercido com imensa autocrítica e rigor artístico, vale muito a pena.
Leia mais
Crítica O Villa-Lobos imperdível da Osesp, por Irineu Franco Perpetuo
Crítica Em ótimo concerto, filarmônica celebra cinco anos da Sala Minas Gerais, por Nelson Rubens Kunze
Temporadas 2020 Conheça as programações já anunciadas
É preciso estar logado para comentar. Clique aqui para fazer seu login gratuito.
Comentários
Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da Revista CONCERTO.