Um reencontro com a filarmônica, na plateia da Sala Minas Gerais

BELO HORIZONTE  Para quem estava desde 2019 sem ver uma orquestra ao vivo, não poderia haver reencontro melhor com a arte sinfônica do que ouvir a Filarmônica de Minas Gerais em sua sede. Fabio Mechetti montou em Belo Horizonte uma orquestra à sua imagem e semelhança: sóbria e elegante, com uma programação cuidadosa e bem pensada.

Nesta quinta-feira, dia 20, a apresentação começou com a primeira sinfonia do aniversariante celebrado em todos os anos: Beethoven. Alguém por aí não aguenta mais ouvir o mestre de Bonn? Bem, se for uma execução burocrática e rotineira, eu também não aguento. Mas se for com o senso de estilo de Mechetti (que regeu de cor) e seus comandados, a visita ao primeiro capítulo da jornada do mais icônico dos compositores sinfônicos será sempre um prazer renovado.

Depois, subiu ao palco Luisa Francesconi, uma das mais requisitadas mezzo sopranos do Brasil, que não se apresentava em público há mais de um ano – o que, obviamente, diz menos sobre a carreira e méritos de Francesconi do que sobre a devastação que a pandemia causou em nosso meio musical. A última vez, curiosamente, tinha sido justamente sob a batuta de Mechetti, com a Filarmônica, na Sala de Minas Gerais – a Sinfonia nº 2 – Ressurreição, de Mahler, em fevereiro de 2020.

Nessa oportunidade, Francesconi emprestou sua voz a uma rara obra de juventude de Ígor Stravinsky, cujos 50 anos de falecimento estão sendo lembrados em 2021: O fauno e a pastora, Op. 2, de 1907 (portanto, anterior ao sucesso internacional do compositor com balés como Pássaro de Fogo, Petruchka e Sagração da Primavera) sobre versos do pai fundador da literatura russa, Aleksandr Púchkin. 

Luisa Francesconi e Fabio Mechetti em concerto com a Filarmônica de Minas Gerais [Reprodução/YouTube]
Luisa Francesconi e Fabio Mechetti em concerto com a Filarmônica de Minas Gerais [Reprodução/YouTube]

Francesconi anda tomando aulas do idioma de Tolstói, o que resultou não apenas em uma articulação clara e idiomática dos fonemas russos, como em uma compreensão profunda do texto, que se refletiu em uma interpretação que formava um arco dramático, reagindo às diversas inflexões da poesia puchkiniana. Integrada à orquestra, sua voz transmitiu todo o frescor de uma peça que bem mereceria ser ouvida com maior frequência.

Em tempos de Covid-19, a Sala Minas Gerais virou posto de vacinação; Belo Horizonte tem um lockdown restrito, que obriga restaurantes a fecharem às 19 horas e impede a presença de público nos concertos da orquestra. As apresentações só podem ser acompanhadas via streaming. Assim, para a segunda parte, fui ao estúdio em que as transmissões são feitas.

Enquanto coirmãs mais ricas da filarmônica chafurdam no diletantismo, a orquestra mineira estabeleceu o paradigma nacional de excelência nessa área. Em parte, por uma mescla de sorte e esperteza. O ano era 2018, A Filarmônica planejava uma turnê europeia, e saiu em busca de R$ 2 milhões para custeá-la. Via emenda parlamentar, veio a metade. Não saiu a excursão, e o dinheiro acabou sendo investido nos equipamentos que hoje fazem a glória do streaming da orquestra.

 

Tecnologia ajuda, mas vale destacar que a operação desses equipamentos é feita por uma equipe enxuta e atilada. Três ensaios por semana, captação primorosa de som e imagem e um estudo meticuloso das partituras ajudam a explicar o êxito do streaming da Filarmônica. No palco, Mechetti, novamente de cor, regia uma Sinfonia Pastoral, de Beethoven, translúcida e evocativa. No estúdio, Leandro Oliveira, de pé, tendo diante de si uma partitura minuciosamente anotada, regia as câmeras, e garantia um discurso visual fluente e integrado ao que a orquestra produzia no palco. Esse meticuloso cuidado com cada aspecto de sua atividade é que faz da Filarmônica de Minas Gerais uma orquestra tão especial dentro do cenário brasileiro.

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Irineu Franco Perpetuo na Sala Minas Gerais [Reprodução]
Irineu Franco Perpetuo na Sala Minas Gerais [Reprodução]

 

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