Morre o maestro Benito Juarez (1933-2020)

por Redação CONCERTO 03/08/2020

"Mais de um milhão de pessoas em silêncio, mãos entrelaçadas, braços para cima. Ao sinal do maestro Benito Juarez, da Orquestra Sinfônica de Campinas, a multidão cantou o Hino Nacional. Do céu caía papel picado, papel amarelo, a cor das diretas, brilhando à luz dos holofotes. No Vale do Anhangabaú, muita gente chorou."

Com essas palavras o jornal Folha de S. Paulo iniciava, no dia 17 de abril de 1984, o relato sobre a realização, no dia anterior, do comício pelas Diretas já em São Paulo. E oferece ainda hoje um retrato do papel que a Sinfônica de Campinas teve na história da música brasileira. Um papel construído durante quase três décadas sob o comando do maestro Benito Juarez, que morreu na manhã desta segunda-feira, aos 86 anos.

Juarez nasceu em novembro de 1933 em Januária, Minas Gerais. Iniciou-se na música por meio do canto coral e da viola. Formou-se na Escola Livre de Música de São Paulo e no Curso de Formação de Professores, mantido pelo governo do estado de São Paulo, antes de seguir para Salvador. Lá, estudou com H.J. Koellreutter e foi membro da Orquestra Sinfônica da Bahia. De volta a São Paulo, passou a integrar o Movimento Villa-Lobos, dedicado à formação de maestros pelo interior do estado. 

Como maestro, assumiu a Orquestra Sinfônica de Campinas em 1975, quando o grupo passou a ser mantido pela prefeitura da cidade. Em seu primeiro ano, levou a orquestra ao Theatro Municipal de São Paulo para um concerto no qual foi apresentado O Messias, de Händel. Em suas duas primeiras temporadas com o grupo, também realizou apresentações em diferentes palcos, como escolas, igrejas, fábricas, praças e presídios.

Críticas da época, falando sobre a execução do Messias, dão conta da qualidade da interpretação – mas também de outro fato marcante. Antes da apresentação, o público começou a cantar trechos do oratório, enquanto aguardava a entrada dos músicos. Caldeira Filho, no jornal O Estado de S. Paulo, explicava: a plateia estava repleta de cantores de diversos corais, que haviam se reunido para ouvir a obra de Händel.

E isso não se dava por acaso. Afinal, a trajetória de Juarez esteve sempre intimamente ligada à música coral. Em 1967, ele foi o responsável pela criação do Coral USP, que marcou época na cena musical brasileira, além de ter realizado diversas turnês internacionais, com uma proposta inovadora de repertório. Quatro anos depois, criou também o Coral da Unicamp, participando da criação do Departamento de Música da universidade. 

Sobre o trabalho no Coral USP, ele falou em uma longa entrevista concedida em 2020 ao Jornal da USP:

“Ao longo desses 35 anos nós tivemos um itinerário extremamente rico de experiências artísticas, humanas e políticas. Quando foi criado, um ano antes do histórico 1968, nós tínhamos em mente algumas nuances de natureza política, da política vigente no País. O coral tinha um engajamento político muito grande e foi um depoimento importante dos estudantes. Um dos lemas que eu sempre tive como foco desse processo é uma reflexão do Brecht em que ele diz que o teatro político, ainda que seja panfletário, deve ser muito bem feito, senão não se passa a mensagem”, lembrou.  “No repertório, por exemplo, a gente cantava música engajada, principalmente a música popular. Mas a minha preocupação sempre foi que, mesmo envolvido em uma atuação desse tipo, o aspecto artístico dessa música, fosse ela da Renascença, fosse música popular ou panfletária, deveria ter qualidade artística.”

Benito Juarez com Gilberto Gil e Damiano Cozzella [Reprodução/Unicamp]
Benito Juarez com Gilberto Gil e Damiano Cozzella [Reprodução/Unicamp]

A mistura da música erudita com a música popular foi uma das marcas da carreira de Juarez, também no trabalho com a Sinfônica de Campinas e com outros grupos que regeu. “Eu fui o primeiro a levar música popular com música erudita ao Theatro Municipal, com o Coral da USP e a Orquestra do Theatro Municipal de São Paulo. Isso dentro da instituição sagrada, que tinha a música popular como um subproduto, uma manifestação inferior. Evidentemente, a música popular tem uma abordagem e elaboração diferentes, mas tem um fio condutor, tem um ponto de convergência e foi o que nós buscamos. Liszt, Villa-Lobos, Bela Bartók são compositores eruditos que sempre incorporaram esse material de natureza popular. Com importantes compositores, principalmente o Damiano Cozzella, que foi um mestre e talvez tenha sido o músico de maior densidade no arranjo de música popular para coro a cappela, incorporamos a música popular urbana, a música panfletária, e não só música folclórica.”

Com a Sinfônica de Campinas e o Coral da USP, Juarez realizou diversas gravações dedicadas ao grande repertório coral, como a da Missa de Bach, e também à música brasileira, com destaque para autores como Carlos Gomes e também para novas gerações de compositores que ganhavam espaço na segunda metade do século XX.
Juarez deixou a direção da orquestra em 2001, quando foi substituído pelo maestro Aylton Escobar em um movimento de reformulação do grupo. Um ano depois, fundou a Banda Sinfônica do Exército Brasileiro, na qual atuou como regente titular e diretor artístico. 

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O maestro Benito Juarez [Reprodução]
O maestro Benito Juarez [Reprodução]

 

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Comentários

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Cantei no Coralusp em 1977-1978, onde apresentamos grandes obras como o Rei David, de Arthur Honneger, a Nona Sinfonia de Beethoven e a Missa em Si Menor de Bach, em conjunto com a Orquestra Sinfônica de Campinas, sempre sob a regência de Benito. Foi a minha melhor lembrança da época da faculdade. Saudades do coral e do grande maestro !!

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Também cantei nesta época com o Makoto! A convivência com pessoas como Benito Juarez e Damiano Cozzella me marcaram até hoje. Descanse em paz maestro!

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Momento muito rico para a música e para alunos que tiveram a sorte como eu de conviver, trabalhar e estudar com esses queridos mestres. Saudades Maestro!

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