Filarmônica de Minas Gerais comemora cinco anos de sua sala

por Camila Fresca 01/10/2019

Ao anunciar a temporada 2020 da orquestra, o maestro Fabio Mechetti reflete sobre a história e o futuro do conjunto

Em março de 2015 era inaugurada, em Belo Horizonte, a Sala Minas Gerais, consolidando o projeto de uma orquestra que hoje se coloca entre as mais importantes do país. Os cinco anos do edifício serão comemorados na abertura da temporada 2020 da Filarmônica de Minas Gerais com a Sinfonia nº 2, Ressurreição, de Gustav Mahler, obra que inaugurou a Sala em 2015. O programa terá como solistas a soprano Camila Titinger e a mezzo Luisa Francesconi, além da participação do Coro da Osesp e do Coral Lírico de Minas Gerais.

A história da orquestra começa alguns anos antes e tem uma figura central: o maestro Fabio Mechetti. Filho e neto de regentes, Mechetti nasceu em São Paulo e desde cedo esteve imerso no ambiente musical. Começou tocando piano e regendo corais, até estrear na direção da Osesp em 1979. Ele até tentou fugir da tradição familiar matriculando-se no curso de jornalismo, “mas o vírus da música foi mais forte”, afirma. Acabou cursando composição na Unesp e de lá seguiu para um mestrado na Juilliard School. O maestro Eleazar de Carvalho, professor da instituição à época, o apoiou na empreitada. Logo após se formar, atuou como assistente de Gunther Schuller na Sinfônica de Spokane. Em seguida, entre 1985 e 1989, foi regente associado de Mstislav Rostropovich na Sinfônica Nacional de Washington. 

Fabio Mechetti [Divulgação / Alexandre Rezende]
Fabio Mechetti [Divulgação / Alexandre Rezende]

Sua carreira se desenvolveu principalmente nos Estados Unidos, e Mechetti era maestro titular da Orquestra Sinfônica de Jacksonville quando foi chamado para o projeto da Filarmônica de Minas Gerais, em 2007. “Eu já tinha tido convites para aceitar posições no Brasil, mas nunca senti que seria algo duradouro e efetivo”, revela. Em Minas Gerais, no entanto, as coisas eram diferentes. “A iniciativa de mudar a estrutura da sinfônica para transformá-la numa Osesp do ponto de vista administrativo partiu do governo, e fui chamado para conversar. As condições que coloquei foram várias, desde o salário dos músicos a questões estruturais e de programação. Eles concordaram, inclusive com a construção de uma sala para a orquestra.” A ideia inicial, de remodelar a Sinfônica de Minas Gerais, não teve adesão necessária, e partiu-se para a criação de um novo conjunto. A Filarmônica de Minas Gerais estreou em 2008 e, desde então, esse tem sido seu principal foco de trabalho. 

A preocupação do maestro hoje é com os sucessivos cortes no orçamento estadual que o grupo vem sofrendo. “Se a gente não encontrar uma fórmula que não só mantenha as condições atuais, mas que dê segurança no plano a seguir, fatalmente algo pode acontecer”, afirma. Mechetti diz, no entanto, que a relevância social que a Filarmônica de Minas Gerais atingiu é o que mantém o conjunto vivo. “O que nós passamos nos últimos anos poderia ser muito pior se não houvesse o reconhecimento da sociedade com relação à orquestra. A qualidade do grupo gera admiração e orgulho e explica a força que ele tem dentro da comunidade – e que agora começamos a ter no Brasil e no mundo, com as gravações para o selo Naxos.”

“Hoje há um consenso de que a orquestra tem financiamento público, mas não é do governo atual, é do estado de Minas Gerais. É um instrumento musical e artístico, um patrimônio do estado”
Fabio Mechetti, maestro

Na próxima temporada, a Filarmônica de Minas Gerais continua sua parceria com o Itamaraty e o selo dentro do projeto Brasil em Concerto, que prevê o lançamento, em cinco anos, de trinta CDs com cem obras de compositores brasileiros. Em 2020, a Filarmônica grava três obras de Lorenzo Fernandez: a Sinfonia nº 1, Reisado do pastoreio e a Sinfonia nº 2, O caçador de esmeraldas. Também a Sinfonia nº 2 de Mahler será gravada pela orquestra, seguindo seu projeto de registrar todas as sinfonias do compositor. 

Mechetti explica que a gravação tem um propósito muito maior que apenas mostrar o trabalho da orquestra. “Estamos gravando as sinfonias de Mahler. Não é questão de competir com as gravações que estão por aí. Mas o processo de gravar ajuda a orquestra a ser melhor. É impressionante como isso cobra do músico uma postura mais profissional. Então sempre vamos usar a gravação como instrumento de melhoria da orquestra em primeiro lugar. O crescimento artístico é um ganho muito maior que a projeção que a orquestra possa ter.” 

JoAnn Falletta [Divulgação]
JoAnn Falletta [Divulgação]

Destaques

A temporada 2020 da Filarmônica de Minas Gerais lembra efemérides como o nascimento de Fauré, Lehár e Hindemith e a morte de Bartók, Braga, Mascagni, Webern, Bruch e Nepomuceno. A mais importante delas, no entanto, são os 250 anos de nascimento de Beethoven. 

Além de um programa totalmente dedicado às aberturas do compositor, a Filarmônica interpreta as sinfonias de nº 1 a nº 8 (a Nona será feita em concerto extra assinatura), bem como os cinco concertos para piano de Beethoven, com solos de Arnaldo Cohen. Outro ponto alto da homenagem será uma versão em concerto da ópera Fidelio, em dezembro, com cantores brasileiros e estrangeiros, o coro Concentus Musicum de Belo Hori-zonte e direção cênica de André Heller-Lopes. 

Ao longo do ano, a programação ainda traz outros destaques: trechos instrumentais de óperas regidos pelo maestro Luís Gustavo Petri, em abril; a veterana regente norte-americana JoAnn Falletta, em obras de Barber, Bruch e Beethoven, em agosto; Fabio Zanon interpretando o Concerto para violão de Castelnuovo-Tedesco, em outubro, em programa regido por Thomas Sanderling e que ainda tem peças de Wagner e Brahms; o prestigiado violinista Andrés Cárdenes, que em novembro interpreta o Concerto em ré menor de Mendelssohn e assume a batuta num programa que inclui Brahms e Schumann.

A temporada também convida excelentes instrumentistas brasileiros, com ênfase nos pianistas: Cristian Budu, Aleyson Scopel, Ronaldo Rolim, Leonardo Hilsdorf e Paulo Álvares tocam com a filarmônica, assim como o violoncelista Antonio Meneses. Em outubro, tem início a campanha de vendas de assinaturas 2020. No total, a orquestra realiza 57 concertos de assinaturas, divididos em cinco séries.

Thomas Sanderling [Divulgação]
Thomas Sanderling [Divulgação]

Presente e futuro

“Eu não acredito em diretor artístico ou regente titular que fique só um terço do tempo com a orquestra”, Mechetti não se furta em dizer. “Ou você fica pelo menos metade do tempo, ou você não está verdadeiramente trabalhando o grupo, principalmente no início. Trabalho assim não só com a filarmônica, mas com todas as orquestras das quais fui titular”, afirma ele, que não têm dúvidas de que o bem-sucedido caminho trilhado pelo conjunto se deve a essa dedicação. 

Estão nos planos da orquestra a expansão de suas atividades, com a criação de uma orquestra jovem e uma academia. O maestro confessa, no entanto, que a viabilização agora desses projetos é muito difícil. “Começamos com uma fórmula que foi aceita em 2007: o governo cobriria os custos da folha de pagamento (músicos e administração), e do restante a gente ia correr atrás. Funcionou perfeitamente nos primeiros seis ou sete anos, mas hoje a verba estatal cobre apenas cerca de 50% da folha de pagamento. Com isso, não é possível criar novos projetos”, explica. “Não adianta você criar uma orquestra jovem que pode acabar daqui a seis meses por falta de dinheiro. Eu não posso deixar que a orquestra perca o já conquistado para apostar numa coisa nova”, completa. 

Mechetti acredita, todavia, que mesmo entre a classe política o reconhecimento da qualidade da filarmônica é grande. “Acho que hoje há um consenso de que a orquestra tem financiamento público, mas não é do governo atual, é do estado de Minas Gerais. É um instrumento musical e artístico, um patrimônio do estado”, diz. 

Para o maestro, não interessa falar de projetos paralelos ou planos para o futuro que não envolvam a Filarmônica. “Eu já regi praticamente todo o repertório que queria reger na vida. E, contrariamente a minhas expectativas, consegui dar a meu país uma orquestra de qualidade”, confessa. “De tudo o que fiz até hoje, esse é meu grande projeto. Então, enquanto tiver forças, vou continuar defendendo sua existência, sua viabilidade e sua expansão. Sei que dei a Minas Gerais algo que não existia antes, e isso me enche de orgulho e prazer.” 


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