A viúva alegre, de Franz Lehár, será apresentada neste mês em nova produção do Theatro Municipal de São Paulo
Um teatro em dívidas, um compositor desinteressado, uma produção chinfrim, reciclada a partir de outros espetáculos, um elenco de divos e divas criando todo tipo de confusão, um empresário oferecendo dinheiro para cancelar a produção antes mesmo da estreia.
Poderia ser enredo de uma opereta, mas na verdade é o bastidor real da criação de A viúva alegre, de Franz Lehár, que neste mês sobe ao palco do Theatro Municipal de São Paulo, com direção musical e regência de Alessandro Sangiorgi e versão e direção cênica de Miguel Falabella.
Qual é a diferença entre uma opereta e uma ópera? A pergunta é feita com frequência e não tem resposta única. Mas vale a pena tentar. Os dicionários, misturados e depurados, oferecem a seguinte definição: opereta é um tipo de espetáculo no qual números musicais são intercalados por diálogos falados, sempre com temática leve.
A origem do gênero é incerta. Há quem diga que ele nasceu no século XVI, inspirado na commedia dell’arte. Outra filiação seria o vaudeville francês do século XVIII, um tipo de farsa musical, assim como a balad opera, expressão usada para definir peças satíricas criadas na Inglaterra, como The Beggar’s Opera.
Seja como for, é no século XIX que o gênero ganha esse nome e nova fama. Como mostra o maestro Júlio Medaglia na página 10, nome importante nesse processo foi o do compositor francês Jacques Offenbach. Em uma carta notável, ele afirma: “A ideia de espetáculos realmente alegres, divertidos, espirituosos – em resumo, a ideia de uma música que contém em si a própria vida – estava sendo gradualmente esquecida. Eu sentia que algo poderia ser feito por todos os jovens músicos que, como eu, eram mantidos desocupados do lado de fora dos portais do teatro lírico”.
Espetáculos leves, sim, mas não descompromissados – e profundamente ligados a seu tempo. Em Orfeu no inferno ou La belle Hélène, Offenbach se volta à Antiguidade para criticar diretamente a corte de Napoleão III, o relaxamento dos costumes e a corrupção crescente do Segundo Império, que chegaria ao fim com a Guerra Franco-Prussiana.
No entanto, de Paris a Viena, o caminho era longo em meados do século XIX. “A opereta de Offenbach é uma sátira dupla: à própria ópera e à sociedade perante a qual ele ergue um espelho, evidenciando tudo o que ela tem de deformação”, escreve o musicólogo Jean Massin. E completa: nesse sentido, era radicalmente oposta à opereta vienense.
Escapismo
A história de A viúva alegre vem de um texto escrito por Henri Meilhac, não por acaso parceiro de Offenbach em muitas empreitadas. L’Attache d’ambassade subiu ao palco em 1861, contando a história de um embaixador de um empobrecido ducado alemão que tenta orquestrar um casamento entre a viúva mais rica de sua terra e um rico funcionário da embaixada, evitando, assim, a falência do ducado.
A peça teve pouco mais que dez apresentações em Paris e logo saiu de cartaz, achando caminho em direção a Viena por meio de uma produção do Carltheater, esta, sim, bem-sucedida o suficiente para atrair a atenção do libretista Leo Stein e do compositor Victor Leon, que levaram a ideia de uma opereta ao Theater an der Wien, sedento (desesperado?) havia anos por um sucesso de público e crítica.
Leon, porém, deu amostras de não estar de fato envolvido com a ideia, atrasando a composição da música, o que levou o teatro a chamar Lehár para o projeto – não sem antes uma “audição” na qual o compositor precisou provar ser capaz de escrever música de cores “parisienses”. Mesmo com a chegada de Lehár ao projeto, os diretores do teatro se arrependeram no meio do caminho, tentando oferecer ao compositor uma soma de dinheiro que os liberasse do contrato. Lehár não aceitou. E, com cenários e figurinos antigos (com exceção daqueles pagos com o dinheiro dos próprios cantores), A viúva alegre estreou em 1905.
Àquela altura, o imperador Franz Joseph estava no poder havia mais de cinquenta anos. Mantinha ainda a simpatia de boa parte da população, o que, contudo, não impedia que um espírito revolucionário tomasse forma, em especial após os primeiros casos de levantes na Rússia, que motivaram pedidos de reforma em toda a Europa.
A viúva alegre não deixa de ter momentos de sátira ao poder e à elite e sua ganância. Mas, em geral, é símbolo de uma Viena e de uma cultura que, em meio a um processo de mudança, é lembrada com saudosismo – e uma obra em que a história de amor é tão importante quanto o senso de comédia. Não por acaso, ao se voltar a uma idealização de tempos passados, já foi acusada de escapismo.
Mas fala, por isso mesmo, tanto do antes como do presente – com uma música que, sofisticada no modo como trabalha os coloridos da orquestra, soava nova e original.
AGENDA
Opereta A viúva alegre, de Franz Lehár
Alessandro Sangiorgi – direção musical e regência
Miguel Falabella – versão e direção cênica
De 14 a 17 e de 19 a 24 , Theatro Municipal de São Paulo