2022, 23 óperas, uma récita a cada três dias, oito novas obras...

por João Luiz Sampaio 25/01/2022

Se tudo sair como prometido, teremos, em 2022, 23 óperas encenadas em São Paulo. Serão onze no Theatro São Pedro, com um total de 64 récitas; e onze no Theatro Municipal de São Paulo, com 36 récitas. Cem récitas, portanto. O número deverá ser mais alto, uma vez que as quatro produções da série Ópera Fora da Caixa, no Municipal, ainda não tiveram datas anunciadas, mesmo caso de I Pagliacci, produção a ser apresentada no Teatro Sérgio Cardoso pela Cia. Ópera São Paulo. Com o que já temos, porém, a média é de dez récitas por mês entre março e dezembro, ou seja, uma apresentação a cada três dias – com algumas semanas em que a cidade terá mais de uma ópera em cartaz.

Não é uma quantidade a ser ignorada, mas a análise qualitativa é ainda mais interessante. Por uma série de motivos. No São Pedro, a temporada anunciada é representativa do trabalho que o teatro tem feito, crescendo em quantidade e qualidade artística mesmo durante os difíceis dois primeiros anos da pandemia. No Municipal, a novidade é a presença da ópera de fato como eixo da programação, com seis espetáculos no palco principal e quatro em espaços alternativos (a Sala do Conservatório, o Salão Nobre e a Cúpula). Aqui, porém, falta ao teatro ainda dizer se as óperas serão apresentadas na íntegra ou se haverá apenas os trechos principais; e a torcida para que, nos próximos anos, estar fora da caixa signifique também ocupar as ruas e outros espaços da cidade.

Mas a grande novidade, a ser realmente celebrada, é a presença de novas óperas encomendadas a compositores brasileiros. Serão, ao todo, oito óperas novas, em cinco espetáculos diferentes. No São Pedro, O Canto do Cisne, de Leonardo Martinelli com libreto de Livia Sabag, e três óperas que estão sendo compostas no Ateliê de Criação criado no ano passado no teatro. No Municipal, Navalha na Carne, de Martinelli, e Homens de Papel, de Elodie Bouny (ambas baseadas em Plínio Marcos; no primeiro caso, com libreto do próprio compositor, no segundo, com libreto de Hugo Possolo); O Café, de Felipe Senna, a partir de texto de Mário de Andrade; e uma ópera de câmara encomendada a Maurício de Bonis. 

A última vez que se viu um número parecido de estreias de óperas em uma só temporada foi em 2006, quando estrearam Olga, de Jorge Antunes; A Tempestade, de Ronaldo Miranda; O Garatuja, de Ernst Mahle; O Caixeiro da Taverna, de Guilherme Bernstein Seixas; e Kseni, A Estrangeira, de Jocy de Oliveira. Havia ali uma diversidade de estilos e de concepções sobre o gênero estimulante. Mas era preciso reconhecer que a chegada aos palcos das obras era mais episódica do que fruto de uma consistente inclusão de encomendas como parte da compreensão do sentido de um teatro de ópera. Na verdade, desse grupo, a única encomenda foi mesmo A Tempestade, feita pela Banda Sinfônica do Estado de São Paulo comandada por Abel Rocha.

Há motivos para imaginar que a situação atual é um pouco diferente. Encomendar duas óperas e resgatar encomendas da antiga gestão, como no caso do Municipal, é uma tomada de posição. No São Pedro, não se trata apenas da encomenda de obras, que tem sido constante desde que a Santa Marcelina Cultura assumiu a gestão do teatro, mas, principalmente, da formatação de um ateliê de criação, envolvendo jovens compositores e libretistas e dialogando com outras áreas do fazer artístico.

Não são iniciativas isoladas. No ano passado, o Palácio da Artes fez justamente de um ateliê de dramaturgia de ópera, concebido por Livia Sabag e Gabriel Rhein-Schirato, o principal foco de uma temporada que celebrava os 50 anos da Fundação Clóvis Salgado. Durante um semestre, foram realizadas oficinas, encontros com nomes do Brasil e do exterior, debates. E o resultado foi a criação de um espetáculo compostos de cinco óperas de cerca de vinte minutos baseadas em O grande mentecapto, de Fernando Sabino. É, como no caso do São Pedro, um projeto de caráter estruturante, que lança bases para uma discussão profunda e atual sobre a dramaturgia atual.

Na mesma linha, segue a Academia de Ópera do Projeto Sinos. Parceria da Funarte com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a iniciativa oferece material (manuais de ensino, partituras) e aulas com grandes professores para projetos sociais ligados à música em todo o país. E o fato de incluir a ópera neste processo de formação não é nada banal, em especial porque vem acompanhado da encomenda de cinco óperas a serem apresentadas pelos alunos: a primeira, O engenheiro, de Tim Rescala, sobre a vida de André Rebouças, estreou já no ano passado em Porto Alegre.

No ano passado, o Festival Amazonas encomendou três novas óperas para marcar sua atuação durante a pandemia (em outros anos, peças já haviam sido encomendadas também a autores como João Guilherme Ripper e Edmundo Villani-Côrtes, inciativas às quais se somam a recuperação de obras brasileiras, como Alma, de Claudio Santoro – fala-se em O contratador de diamantes, de Mignone, para 2022). O Fórum de Ópera, Dança e Música de concerto, por sua vez, também criou um concurso para a criação de uma nova ópera, a ser apresentada em diferentes teatros do país, parceiros do projeto. E, em Belém, o Festival do Theatro da Paz começa neste final de semana justamente com a estreia de Ópera dos Terreiros, criada pelo Núcleo de Ópera da Bahia, propondo a união do gênero operístico com referências à ancestralidade afro-brasileira.

Não tem muito segredo. Ao mesmo tempo em que a releitura das obras do passado está ligada a questões contemporâneas, pensar a ópera hoje é também possibilitar a criação de obras que tratem dessas questões de maneira diferente e que proponham um debate estético que mostre o quão vivo está o gênero. O que todos esses projetos propõem, cada um à sua maneira, é exatamente isso. Desde o início da pandemia, discutiu-se muito a respeito de como a ópera poderia voltar ao palco e aventou-se que temporadas só continuariam a existir apostando em obras menores, e em especial no estímulo a novas criações. Dois anos depois, a ideia de que grandes títulos, com coro e muitos solistas, demorariam a ser encenados parece (parece!) superada. Mas a diversidade de repertório – e a aposta em novas obras – ao que tudo indica sobreviveu. 

Voltamos a nos falar em dezembro.

Texto atualizado às 19 horas do dia 25/1

Fachada do Theatro São Pedro [Divulgação]
Fachada do Theatro São Pedro [Divulgação]

 

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